Termos de uso e Política de Privacidade: A necessidade de os ler e compreender

Doutrina

A procura por produtos e serviços online cresce exponencialmente. E para concretizar o contrato estabelecido entre o consumidor e a empresa, seja para compra de bens materiais ou para contratação de serviços, se faz necessário o aceite dos termos de uso e da política de privacidade.

Assim, o contrato de consumo estabelecido entre o consumidor e o fornecedor, além de respeitar as regras de direito vigente, em especial as de consumo, seja de Portugal, do Brasil ou de qualquer outro país que apresente regulação pertinente, também será regido pelos termos de uso e pela política de tratamento de dados desenvolvidos pela empresa em questão, disposições essas que o consumidor deve saber diferenciar.

Os termos de uso, de forma simplificada e bastante comum, tendem a enunciar os direitos, deveres, obrigações e responsabilidades das partes do contrato. E, bem assim, definem políticas de troca, desistência, suspensão e bloqueio do usuário da plataforma, a depender da atividade da empresa e o que ela oferece no mercado consumidor.

Por outro lado, a política de tratamento de dados ou política de privacidade, a qual pode ser publicitada em conjunto com os termos de uso ou não, traz informações acerca da utilização e coleta de informações do usuário-consumidor. Explica qual a finalidade do tratamento dos dados pessoais, quais dados pessoais serão coletados e utilizados. Ainda, se há partilha de tais informações com outros entes e até que momento os dados serão utilizados e armazenados.

No mesmo sentido, quando do tratamento, armazenamento e processamento de dados pessoais sensíveis e dados pessoais de crianças e adolescentes[1], estes devem ser realizados dentro das exceções legais. Em âmbito brasileiro, as regras pertinentes ao tratamento de dados pessoais e os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet estão dispostas, respectivamente, na Lei nº 13.709/2018 (LGPD) e na Lei nº 12.965/20214 (Marco Civil da Internet) e em âmbito europeu temos o RGPD, aplicável desde 2018, que disciplina o tratamento de dados pessoais e a livre circulação desses dados.

De toda forma, as disposições devem ser de fácil compreensão e acessibilidade, respeitando o princípio da transparência, norteador das regras de tratamento de dados, conforme disposto no arts.5º, VI e 9º da LGPD[2] e arts.7, nº2 e 12º, nº 1 e 7 da RGPD[3]. Assim como o princípio da informação, um dos princípios base do direito do consumo.

Ainda, algumas empresas devem respeitar regras específicas de regulação de seu setor, como as atividades econômicas ligadas à saúde e o setor bancário.

Por isso, é de extrema relevância o consumidor estar ciente dos termos de uso e da política de tratamento de dados que adere quando da contratação online. Contudo, como bem tratado no texto do Professor Jorge Morais Carvalho – publicado também aqui no blog do NOVA Consumer Lab – Conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência, até que ponto o consumidor ao contratar, lê e compreende as peculiaridades e letras pequenas do contrato?

Em realidade, o consumidor acaba por consentir, muitas vezes, com o tratamento de seus dados e aceita cláusulas contratuais sem as ler por inúmeras razões, nomeadamente pela influência do contexto do momento, em conjunto com o desejo de usar e comprar imediatamente, e a pura falta de cautela.

Mas, diria, também, que a falta de tempo para ler longas disposições, somada ao vocabulário técnico-jurídico não proporcionam o aumento da porcentagem daqueles que leem, sejam os termos de uso, seja a política de privacidade e tratamento de dados.

Para que essa realidade mude ou, pelo menos, melhore consideravelmente, os documentos devem ser trazidos ao consumidor de forma simplificada, clara, concisa e com linguagem acessível, de preferência com o mínimo necessário de termos técnicos.

Dessa forma, o consumidor de fato poderá compreender o que ali está disposto e, por consequência, escolher de forma consciente se adere ou não a determinado contrato e consentir com a utilização e tratamento de suas informações.

Uma possível alternativa a minimizar a essa questão é o uso da tecnologia, através do legal design, mais precisamente através do visual law, ferramenta que tem como objetivo transformar o modo como a informação jurídica é veiculada.

O visual law torna a comunicação a ser propagada mais acessível e simplificada. Para tanto, a técnica combina elementos visuais e textuais, de modo a permitir uma melhor compreensão do conteúdo transmitido para o indivíduo que precisa da solução jurídica.

O foco é a compressão facilitada da informação ao destinatário, no caso, aqui, o consumidor. Assim, tais documentos devem ser desenhados para que este compreenda facilmente a informação ali contida.

De maneira não exaustiva, é possível citar algumas ferramentas utilizadas para compor o visual law ,como vídeos, imagens, mapas, fluxogramas e gamificação. Tal técnica além de reduzir as longas laudas repletas de termos técnicos, também possibilita a inclusão de pessoas que têm dificuldade em compreender tais dizeres por não fazerem parte de seu cotidiano.

Frise-se, contudo, que o visual law não é a solução para o problema, mas ao menos permite, de forma mais democrática, a acessibilidade e compreensão dos termos e políticas de privacidade veiculados nas inúmeras plataformas e sítios online, visto que atualmente quase que inevitável a contratação de serviços e compras por essa via.


[1]Explique-se que, no Brasil, o ordenamento jurídico diferencia a pessoa menor de 18 anos em duas categorias, sendo criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade. Vide art. 2º do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA.

[2]Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se (…) VI – transparência: garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial;

Art. 9º O titular tem direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva acerca de, entre outras características previstas em regulamentação para o atendimento do princípio do livre acesso

[3] Art. 7º (…) 2. Se o consentimento do titular dos dados for dado no contexto de uma declaração escrita que diga também respeito a outros assuntos, o pedido de consentimento deve ser apresentado de uma forma que o distinga claramente desses outros assuntos de modo inteligível e de fácil acesso e numa linguagem clara e simples. Não é vinculativa qualquer parte dessa declaração que constitua violação do presente regulamento.

Art. 12. 1. O responsável pelo tratamento toma as medidas adequadas para fornecer ao titular as informações a que se referem os artigos 13. e 14.  e qualquer comunicação prevista nos artigos 15. a 22. e 34. a respeito do tratamento, de forma concisa, transparente, inteligível e de fácil acesso, utilizando uma linguagem clara e simples, em especial quando as informações são dirigidas especificamente a crianças. As informações são prestadas por escrito ou por outros meios, incluindo, se for caso disso, por meios eletrónicos. Se o titular dos dados o solicitar, a informação pode ser prestada oralmente, desde que a identidade do titular seja comprovada por outros meios. (…) 7. As informações a fornecer pelos titulares dos dados nos termos dos artigos 13.o e 14.o podem ser dadas em combinação com ícones normalizados a fim de dar, de uma forma facilmente visível, inteligível e claramente legível, uma perspetiva geral significativa do tratamento previsto. Se forem apresentados por via eletrónica, os ícones devem ser de leitura automática.

A GOVERNANÇA NA AGENDA “ESG” E O MUNDO CORPORATIVO PÓS COP-26

Doutrina

Na semana em que se encerra a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), principal cúpula da ONU para debate sobre questões climáticas, realizada entre os dias 1 e 12 de novembro deste ano, em Glasgow, na Escócia e atendendo ao desafio de pesquisa que tem seguido o NOVA Consumer Lab sobre os pilares do ESG, já tratado anteriormente aqui e aqui, é chegada a hora da análise do impacto da responsabilidade da governança nas tomadas de decisão corporativa.

Na análise do tema ESG nos dias atuais, aparentemente o “G”, representante do pilar “Governance”, tem sido frequentemente esquecido em detrimento da prioridade que vem sendo dada aos elementos relacionados a questões climáticas e implicações sociais na análise de riscos e oportunidades empresariais.

A governança, entretanto, refere-se a fatores essenciais da tomada de decisão corporativa quando relacionada diretamente ao “modus operandi” de como as companhias devem se coordenar internamente, partindo desde o estabelecimento da ética e valores corporativos, passando por toda estrutura organizacional, até o delineamento das estratégias empresariais, política de transparência, sistemas de compliance e direitos dos acionistas. Importa ressaltar aos consumidores, muitas vezes desavisados, que é justamente este elemento que esteve no centro de alguns dos recentes e maiores escândalos empresariais, como foi no caso da “Dieselgate” pela Volkswagen, ou no caso da fuga de dados, pelo Facebook.

Ambos os casos, como se sabe, estão relacionados a possível ausência de uma governança diligente.

Práticas antiéticas como clientelismo, conflitos de interesse ou práticas comerciais impróprias podem ter um impacto devastador sobre uma empresa e seus acionistas, mas ainda pior sobre os consumidores. São os fatores inseridos na letra “G” que indicam as regras e procedimentos para países e corporações que permitem que os investidores e consumidores selecionem as práticas de governança que consideram adequadas, assim como fariam para questões ambientais e sociais.

São ainda consideradas questões de governança de alto perfil o modelo de gestão, como é o caso da política de responsabilidade social corporativa, ou ainda a promoção do respeito pelos Direitos Humanos, nos domínios da não discriminação e igualdade de oportunidades, liberdade de associação e negociação coletiva. Todos elementos que apontam para o fato de que a boa governança mitiga e controla os riscos para evitar má gestão, escândalo potencial e sanções regulatórias.

Em uma pesquisa realizada, recentemente, pela empresa financeira americana MSCI Inc., ainda que a longo prazo as questões ambientais e sociais agregadas ao setor empresarial tenham maior impacto financeiro e influenciem mais a exposição de uma companhia, resta demonstrado que, a curto prazo, os indicadores de governança apresentam os melhores resultados a nível financeiro.

A União Europeia reforça a importância dos aspetos de Environmental, Social and Governance (ESG) para os investidores, ao promover a Diretiva de Informação Não Financeira (2014/95/UE), já transposta para a legislação portuguesa através do Decreto-Lei n.º 89/2017, de modo que grandes empresas que sejam entidades de interesse público estejam obrigadas a divulgar informações não financeiras relativas às áreas sociais, ambientais e de governo societário. 

Sendo ainda mais ousada, a CMVM disponibilizou, em fevereiro deste ano, um modelo de relatório, não vinculativo, “para a divulgação de informação não financeira pelos emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação, em particular a informação relativa a fatores ambientais, sociais e de governação (“environmental, social and governance“, ESG)”.

A divulgação do ESG tem sido uma prioridade na agenda dos reguladores globais. A UE foi pioneira, lançando módulo por módulo, com base no plano de ação geral lançado em 2018, e segue com bons exemplos que se estendem até agora, incluindo benchmarks climáticos e o Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis ​​(SFDR).

Outras jurisdições estão seguindo o exemplo. A questão está recebendo cada vez mais atenção dos reguladores dos EUA, com a política climática sendo uma das principais prioridades do governo Biden. Ainda assim, é fundamental passar da agenda à ação.

Esse foco tem se demonstrado como o principal ponto de alinhamento global quando, para além de dados financeiros, a responsabilidade corporativa hoje fundamenta-se, sobretudo, no cumprimento de novas regras que vão, para além de números monetários, aos números associados à transição climática, atitudes sociais, políticas culturais e de gênero, transparência, valores éticos e boa governança.

Ainda há mais trabalho a fazer e esperamos que a COP26 leve a ações mais concretas. Sabemos que a implementação de uma agenda em favor do ESG demanda tempo e exige um cronograma gradual para uma implementação viável, mas é importante estar atento ao devido valor de cada um dos elementos inerentes a esta nova realidade para não a perder de vista.

AR Smartglasses – a próxima dimensão do consumo

Doutrina

A realidade aumentada (Augmented Reality – AR) e a realidade virtual (Virtual Reality – VR) não são novas.

A primeira manifestação mais ampla da AR aparece sob a forma do protótipo de óculos que a Google lança em 2013 e que, em 2014, são disponibilizados ao grande público. Na altura causaram sensação, pensou-se que vinham para ficar, mas não foi o caso. Em 2015, a empresa anunciava que iria parar a venda e que logo se veria. Esse era o tempo dos wearables, tecnologia usável, que os mais abastados, curiosos e/ou adeptos do show-off consumiam e diligentemente transportavam e mostravam nas redes sociais que, embora ainda fraquinhas se as compararmos com a atualidade, já davam para fazer grande furor. Quem, nessa altura, queria usar e ostentar tecnologia tinha de carregar com ela, já que quase tudo vinha à parte. Aos óculos juntavam-se os relógios de fitness, as t-shirts medidoras, os GPS para o carro, os comandos para diversas coisas. Não era prático, mas antigamente, aí pelo início da segunda década do novo milénio, era assim.

A segunda manifestação de AR, mais ampla e socialmente incrível, poderá ter sido a caça ao Pokemon. O jogo foi lançado em julho de 2016 e tornou-se rapidamente um fenómeno viral, num instante enlouquecendo crianças e adultos por todo o mundo. Os jogadores convergiam como zombies para sítios reais, onde estavam bonequinhos virtuais, que pretendiam apanhar. As pessoas corriam em várias direções, saltavam vedações, eram atropelados por carros à frente dos quais se especavam, empurravam-se e lutavam para chegar a locais e saíam de casa à noite, porque parece que havia mais. Tudo isto para apanharem figurinhas virtuais, que não existiam fisicamente, mas eram vistos através de AR no espaço físico. Depois acabou, quase tão depressa como tinha começado. Um ano depois, a caça tinha perdido o interesse.   

Uma das grandes diferenças do primeiro para o segundo caso, estava no facto de o jogo dos Pokemons se fazer através do telemóvel, já bastante smartphone. Isto permitia que, sem a menor dificuldade, se usasse um dispositivo que, por essa altura, já ia sendo um prolongamento da pessoa. Alheio ao sucesso não terá sido também o facto de se tratar de um jogo. O ser humano, racional, ponderado, inteligente, dificilmente resiste a um bom jogo. Daí advém o sucesso da denominada gamification, de que falaremos noutra ocasião. 

Quanto à realidade virtual, nos seus primórdios, implicava o uso de uma espécie de óculos de mergulho e começou por ser usada em parques temáticos, dando-nos a ilusão de que estávamos efetivamente numa pista de corridas, numa montanha russa ou no espaço. Em usos mais profissionais ou culturais permitia, por exemplo, visitar uma casa ainda em projeto do arquiteto, a um monumento ou museu. Era uma espécie de 3D, revista e melhorada.

A distinção entre AR e VR, que podia não ser fácil em algumas situações, torna-se atualmente muito mais difícil, com o caminho para aquilo a que se poderá chamar realidade mista, em que ambas são usadas em simultâneo. Simplificando, podemos dizer que a AR tem a ver com o mundo real e acrescenta-lhe coisas do mundo virtual. Por exemplo, no âmbito do consumo, acontece quando “pegamos” num móvel que vimos online e o “experimentamos” na casa real em que estamos, ou fazemos qualquer outra experiência de “ver como fica” aquilo que queremos comprar. Continuando a simplificar, podemos dizer que a VR tem a ver com o mundo virtual e transporta-nos para cenários que nos parecem reais e com os quais interagimos. Por exemplo, no âmbito do consumo, podemos ser “transportados” para uma loja para ver os objetos que ali se vendem como se fossem reais, ou conduzir um automóvel num simulador que replica a condução como seria na estrada.

Não será difícil aceitar que experiências como estas, só possíveis devido aos avanços da tecnologia, alteram estruturalmente o modo de comprar e põem em causa conceitos basilares do Direito do Consumo.

Um novo passo nesta senda, e noutras, está a ser dado com a massificação, que se prevê próxima, do acesso a AR, VR e ao resultado da mistura de ambas.  

Por um lado, a Google, que como vimos largou os óculos, não largou as lentes e aposta nos smartphones, tanto para a AR, como para a VR. Veja, com os seus próprios olhos, garanto que vale a pena.

Por outro lado, o Facebook, em parceria com a Ray-Ban, criou uns óculos que em pouco se distinguem de normais óculos escuros, mas que têm duas camaras incorporadas, recebem comandos de voz e estão conectados com o smartphone.

São, pois, AR Smartglasses e se usarmos a imaginação para a qual, temos de reconhecer, há cada vez menos espaço de manobra, podemos começar a perspetivar a celebração de um contrato de compra e venda de um bem neste contexto.

Poderá ser algo como: vamos na rua, vemos uma bicicleta presa a um poste (eu sei que já não se usa, toda a gente anda de Gira, mas para este exemplo não serve), dizemos “Hey Facebook, take a picture” (em inglês ou, se como é provável, houver tradução simultânea incorporada, podemos dizer em português e em várias outras centenas de línguas). A foto vai direta para o telefone esperto que procura e encontra à venda bicicletas semelhantes. É-nos facultada informação sobre a loja mais próxima e indicado o caminho no mapa digital. Não nos apetece lá ir, pelo que seguimos a sugestão que, amável e desinteressadamente, nos é apresentada, entretanto, sobre a possibilidade de comprar online e receber em casa. Carregamos, aborrecidos, em vários “Aceito” relativos a diversas coisas que não sabemos quais são, nem nos interessam, nem interessam a ninguém, porque só queremos andar para a frente, o que conseguimos, não sem pelo caminho autorizar e prescindir de muito. Pagamos, eventualmente proferindo “Hey Facebook, paga”, coisa que o smarthphone fará sem dificuldade. Depois a bicicleta é entregue em casa, onde é arrumada, porque não precisávamos dela e porque não sabíamos que a podíamos devolver, o que estava num dos intermináveis clausulados subjacentes a um “Tomei conhecimento” em que também clicámos.

A AR Smartglasses parece poder trazer uma nova dimensão ao consumo. O consumidor vê, à venda ou simplesmente no espaço físico em que se está a movimentar, algo que lhe interessa. Pode com a combinação óculos/smartphone pesquisar imediatamente onde se vende, experimentar como fica, comprar, pagar e receber ou mandar entregar. A compra não se iniciou com o consumidor a dirigir-se a uma loja física ou online, ainda que precedida de publicidade “clássica”, em que já se está a considerar incluída a realizada através de meios digitais. A compra iniciou-se porque o consumidor, que ia simplesmente a existir, viu um bem de que gostou, que poderia nem estar à venda. Como tem consigo a tecnologia que lhe permite adicionar realidade virtual e informação à realidade física (AR) e, eventualmente, até entrar num ambiente digital (VR) em que consegue experimentar o que seria para si ter aquele bem, faz isso. Depois, compra-o, quer dirigindo-se à loja física que lhe é indicada online, quer acedendo instantaneamente à loja online.

Poderíamos ficar por aqui, com esta nova dimensão do consumo, se a tudo isto não estivesse agregado o objetivo de desenvolver um sistema de Inteligência Artificial com atributos muito especiais. Deste tema contamos tratar em próxima publicação. Para já, damos nota de que o Facebook passou ter um novo “Horizon” e a integrar, literalmente, o Meta(universo), como o seu criador, Mark Zukerberg explica neste video “Watch Mark Zuckerberg’s vision for socializing in the Metaverse”, mostrando magistralmente como a vida irreal pode, e vai, ser irresistível. Entretanto, milhares ou milhões de pessoas vão aderir às novas realidades aumentadas, virtuais e mistas, tão divertidas e úteis, vão mostrar como veem o mundo do sítio onde estão os seus olhos biológicos e, se tudo correr de feição, vão comprar ainda mais, quem sabe dizendo aos óculos que façam o favor de clicar “Sim” em todas as quadrículas de aceitação que forem aparecendo. Ou, porque não?, seria tão mais prático, pré-programando essa funcionalidade.  

Os dados pessoais dos consumidores

Doutrina

Logo ao acordar, muitos têm por hábito recorrer ao telemóvel para verificar a caixa de entrada de emails, obter informações sobre como estará o clima ou, ainda, aceder às notícias mais recentes. Mais tarde, a caminho do trabalho ou mesmo ao executar as tarefas domésticas, há aqueles que utilizam aquele aparelho para ouvir músicas ou podcasts; já na hora do almoço, usam-no novamente para aceder a um serviço de entrega de refeições. Para o regresso a casa, alguns optam por solicitar um veículo através de uma plataforma destinada a este fim. Ao acabar do dia, para relaxar, uns recorrem a serviços de streaming de conteúdos como filmes e séries utilizando smart TVs; outros preferem ir ao ginásio para exercitar-se enquanto usam gadgets de monitorização das funções biológicas, como smartwatches ou fit bits. Há ainda aqueles que, após a vivência isolada do período mais crítico da pandemia do COVID-19, já preferem fazer a maior parte das compras online – desde itens como livros e acessórios ou peças de vestuário até as compras habituais do mercado. Tudo isto sem contar o trabalho remoto e a socialização que ocorre no contexto das redes sociais.

Todos os elementos mencionados até aqui, em conjunto com muitos outros, tornaram-se parte da vivência de um grande número de pessoas e, mais particularmente, dos consumidores localizados dentro da União Europeia, designadamente em Portugal. Um dos fatores comuns de todos esses hábitos e práticas corriqueiras é a presença da tecnologia, tanto ao serviço do seu utilizador como também podendo servir aos propósitos econômicos de terceiros. A indagação que se coloca a seguir é: de que maneira?

A resposta é extremamente ampla, mas quase sempre passa pelos dados. Ao conviver com todas essas ferramentas tecnológicas e utilizá-las no seu dia-a-dia, o indivíduo revela inconscientemente (na maioria das vezes) informações sobre suas preferências e gostos, hábitos de rotina e até mesmo seu estado de saúde – o exemplo mais óbvio são os smartwatches ou fit bits -, ou através do histórico de compras do mercado, que potencialmente indicará uma alimentação mais ou menos saudável. O conjunto destes dados acerca de um indivíduo e o agregado dos dados relativos a grupos de pessoas enquadram-se no conceito de Big Data, que, por sua vez, poderá ser processado para identificar tendências e correlações, ou mesmo de maneira a afetar diretamente os indivíduos[1].

A construção jurídica da União Europeia preocupa-se com a regulação dos dados e do seu processamento em diferentes contextos. O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), aplicável desde 2018, confere a estrutura da proteção e prerrogativas relativas ao processamento de dados pessoais, resumidamente conceituados como informações relativas a uma pessoa singular identificada ou identificável[2].

No contexto específico do Direito do Consumo, é possível citar ao menos dois textos normativos: a Diretiva (UE) 2019/770 de maio de 2019 e a Diretiva (UE) 2019/2161 de novembro de 2019, que contêm dispositivos destinados a reger, dentre outros temas, a utilização dos dados pessoais dos consumidores no âmbito das relações de consumo.

A primeira das Diretivas apresenta uma das situações às quais a mesma deverá ser aplicável: “deverá igualmente aplicar-se sempre que o consumidor dê o seu consentimento relativamente a todo o tipo de material que constitua dados pessoais, como fotografias ou mensagens que irá carregar, posteriormente processado pelo profissional para fins de comercialização”[3].

Por sua vez, a Diretiva (UE) 2019/2161 inclui um novo requisito de informação aos contratos de consumo celebrados à distância[4], a saber: o profissional deverá informar ao consumidor “que o preço foi personalizado com base numa decisão automatizada”[5], quando aplicável, podendo esta decisão basear-se no processamento de dados pessoais. O Considerando 45 menciona uma forma ainda mais intensa de processamento de dados pessoais: a “definição de perfis de comportamento dos consumidores, de molde a permitir-lhes avaliar o poder de compra do consumidor”. Esta prática – a definição e a construção de perfis dos indivíduos com base no processamento dos seus dados pessoais – poderá revelar-se um tanto mais complexa sob o ponto de vista da salvaguarda dos direitos dos consumidores, uma vez que se destina não apenas a estabelecer correlações entre determinadas variáveis, mas também a estabelecer previsões acerca de comportamentos futuros[6].  

É importante ressaltar um ponto em comum crucial entre as duas Diretivas aqui mencionadas: a referência ao RGPD, na medida em que “no que se refere aos dados pessoais do consumidor, o profissional deve cumprir as obrigações decorrentes” do Regulamento[7]. Assim, para que o profissional possa valer-se do processamento dos dados pessoais dos consumidores para fins comerciais de forma lícita, deverá obrigatoriamente enquadrar tal operação dentro de uma das hipóteses da lista apresentada pelo Artigo 6.º do RGPD, bem como cumprir todos os demais requisitos legais.

Dentro da lista de hipóteses de licitude para o tratamento dos dados pessoais determinada pelo RGPD, a concessão do consentimento por parte do consumidor sobressai como a via mais adequada para a legitimação do processamento dos seus dados destinado a práticas comerciais[8]. É empiricamente observável que a maioria das pessoas apenas passa rapidamente pelos “Termos e Condições” dos vários serviços, conteúdos e produtos digitais que utiliza quotidianamente (como aqueles mencionados no início deste texto), sem realmente ater-se ao que é que está a prestar o seu consentimento[9]. Desta forma, a proteção dos dados pessoais nas relações de consumo existe na legislação europeia, ainda que de forma discutivelmente reduzida, e poderá ter a sua eficácia limitada pela própria conduta do consumidor.

A título de exemplo próximo da realidade dos consumidores situados em Portugal, uma prática comercial relativamente recente e provavelmente derivada da definição de perfis, é a apresentação ao consumidor de um folheto de promoções personalizadas, ou, nas palavras do próprio profissional, uma funcionalidade que permite ao consumidor visualizar “uma seleção dos seus produtos favoritos em promoção”[10]. Tal prática insere-se no contexto mais amplo dos esquemas de cartões de fidelização das grandes superfícies retalhistas, bastante comuns em Portugal, que permitem ao fornecedor acesso à uma verdadeira “mina de ouro”, no que diz respeito aos hábitos de consumo das famílias residentes em Portugal. Em contrapartida, caberá a cada consumidor refletir sobre um consciente exercício das prerrogativas legais à sua disposição, ou se continuará a carregar automaticamente nos botões de “aceito” de todos os serviços, conteúdos e produtos digitais que utiliza, a despeito das consequências em potencial.


[1] Opinião n.09/2013 do Grupo de Trabalho do Artigo 29.º acerca da limitação do propósito. Versão em língua inglesa.

[2] RGPD, Artigo 4.º (1)

[3] Considerando 24 da Diretiva (UE) 2019/770

[4] Artigo 6.º da Diretiva 2011/83/UE de outubro de 2011

[5] Diretiva (UE) 2019/2161, Artigo 4.º (4)(a)(ii)

[6] HILDEBRANDT, Mireille – Defining Profiling: A New Type of Knowledge? In HILDEBRANDT, Mireille; GUTWIRTH, Serge (eds) – Profiling the European Citizen. Dordrecht: Springer, 2008. pp. 17-45

[7] Diretiva (UE) 2019/770, Artigo 16.º (2) e Diretiva (UE) 2019/2161, Artigo 4.º (1)(b) e Artigo 6.º-A (10), que por sua vez modificam o conteúdo de outros instrumentos legais do Direito do Consumo Europeu

[8] POORT, Joost; ZUIDERVEEN BORGESIUS, Frederik J. – Online Price Discrimination and EU Data Privacy Law. Journal of consumer policy. 40:3 (2017), pp. 347-366.

[9] Como observado na página 92 do estudo de mercado intitulado “Consumer market study on online market segmentation through personalised pricing/offers in the European Union”, cujo resultado foi publicado em 2018.

[10] Um exemplo de tal prática pode ser visualizado aqui

Squid Game – Uma narrativa sobre escolhas

Doutrina

Esta é a história sobre como, no último mês, uma plataforma de streaming conseguiu a proeza de colocar o mundo de olhos postos numa distopia sul-coreana, rejeitada por várias produtoras, ao longo de uma década[1].

Num total de nove episódios, “Squid Game apresenta concorrentes desesperados, com graves problemas financeiros, numa luta pela sobrevivência, ao longo de várias rondas compostas por jogos infantis mortais. O prémio final deste macabro concurso é de 45,6 mil milhões de wons (cerca de 32 milhões de euros) e só há lugar para um vencedor.

Esta alegoria, que pode ser encarada como uma abordagem crítica ao sistema capitalista, junta violência, sangue e gritaria, temperados com uma pitada de revivalismo, e assenta numa fórmula que, não sendo particularmente inovadora, obteve resultados surpreendentes.

A série, lançada pela Netflix a 17 de setembro de 2021, é já a mais vista na plataforma e mantém-se em primeiro lugar em mais de 80 países, incluindo Portugal.

Os efeitos da nova sensação do momento ultrapassam largamente a ficção. Desde a estreia da série, o modelo branco das sapatilhas clássicas da Vans, semelhante aos usados pelos protagonistas, teve um aumento de vendas na ordem dos 7800% e até a procura pelos famosos doces Dalgona sofreu um crescimento de 250%. Também o Duolingo registou um aumento de 76% nos novos utilizadores que procuram aprender coreano no Reino Unido, através da plataforma[2]. De resto, já aqui nos debruçámos sobre o impacto das produções da Netflix no consumo global, a propósito da série “Queen’s Gambit” (“Gambito de Dama”).

A 12 de outubro, a Netflix anunciava no Twitter que “Squid Game” tinha atingido oficialmente 111 milhões de espectadores em todo o mundo, tornando-se, assim, no seu maior lançamento de sempre. Mas o que explica que este k-drama, a par de tantos outros produtos disponíveis no catálogo, tenha sido visto por esta quantidade de utilizadores, convertendo-se num fenómeno de popularidade global sem precedentes?

Note-se que, neste caso particular, a Netflix não revelou as métricas usadas para chegar aos valores apresentados. Tradicionalmente, a plataforma mede a popularidade das suas séries e filmes contabilizando a quantidade de pessoas que interagiram com o conteúdo durante mais de 2 minutos nos 28 dias após a estreia, o que pode indiciar uma tendência para o inflacionamento destes números.

Ainda que o seu maior trunfo pareça assentar na disponibilização de uma grande quantidade e variedade de conteúdos, ao estilo “All you can eat”, em bom rigor, a Netflix destaca-se dos concorrentes no mercado do streaming por outra caraterística diferenciadora − a capacidade de fornecer sugestões personalizadas, em função dos perfis criados, com base nos dados recolhidos sobre as preferências dos utilizadores, com particular eficácia e precisão[3]. E nunca escondeu ao que veio. Nas palavras do seu CEO, Ted Sarandos”, There’s no such thing as a ‘Netflix show’. Our brand is personalization”.

Para tanto, a plataforma criou um sistema de recomendações, alicerçado num mecanismo de machine learning, que combina algoritmos de filtragem baseada no conteúdo e de filtragem colaborativa (é possível encontrar aqui uma explicação mais completa e detalhada sobre o funcionamento desta ferramenta).

A filtragem baseada em conteúdo recorre à experiência passada do utilizador. Os dados são recolhidos de acordo com as suas interações com a plataforma, revelando o histórico de visualização, as classificações que atribui aos títulos, em que dispositivos visualizou, a que horas e durante quanto tempo, por exemplo.

Para produzir recomendações e personalizar a experiência de um utilizador, estes dados são combinados com outros conjuntos de dados que contêm informações derivadas dos títulos de filmes e televisão oferecidos pela Netflix em todo o mundo, incluindo itens como o seu género, categoria, atores, realizador e ano de lançamento.

Já a filtragem colaborativa envolve o mesmo processo de extração de dados, mas efetua recomendações de acordo com uma combinação ponderada das preferências dos outros utilizadores, imitando, assim, as recomendações.

Numa fase inicial, as recomendações de filtragem colaborativa do sistema limitavam-se aos dados extraídos de utilizadores numa região ou país específico. Agora, as recomendações são retiradas das preferências de visualização dos utilizadores em todo o mundo e os utilizadores são agrupados algoritmicamente em “comunidades”, de acordo com os gostos revelados. Existem, atualmente, mais de 2000 clusters estabelecidos.

Ora, esta poderosa ferramenta de segmentação permite à Netflix conhecer os elementos dominantes nos perfis de consumo e apostar na compra e produção de conteúdos que correspondam exatamente a essas preferências, chegando a fórmulas de entretenimento que, no fundo, consistem em juntar os ingredientes certos.

Como qualquer mecanismo de machine learning, à medida que vamos fornecendo mais dados, através da utilização contínua do serviço, o sistema vai conhecendo mais sobre nós, aprimora-se e afina a personalização de conteúdos, a um nível cada vez mais detalhado e preciso. Nesse sentido, é possível que, através das técnicas de apresentação dos títulos, com base numa complexa combinação de preferências manifestadas, a “máquina” nos empurre para o que vamos consumir a seguir, condicionando previamente as nossas opções, com o benigno propósito de nos facilitar a vida e permitir poupar tempo de pesquisa.

De resto, a própria Netflix explica que para além de escolher os títulos que são incluídos nas faixas na página inicial, o sistema também ordena os títulos dentro da faixa, organizando depois as próprias faixas, recorrendo a algoritmos para proporcionar uma experiência personalizada. Assim, esclarece, “quando vê a sua página inicial da Netflix, os nossos sistemas ordenaram os títulos de um modo concebido para que lhe seja apresentada a sequência que lhe poderá dar mais prazer”, sendo que as faixas com a recomendação mais forte são apresentadas na parte superior e os títulos da esquerda para a direita em cada faixa, a menos que tenham sido selecionados os idiomas árabe ou hebraico no sistema.

Nada é deixado ao acaso. Recentemente, a Netflix passou a personalizar os “thumbnails associados aos filmes e séries. Assim, as imagens em miniatura que identificam e promovem o título mudam frequentemente, considerando uma combinação entre aquilo que o utilizador já viu com os demais títulos apresentados. No fundo, o produto é o mesmo, mas surge aos olhos de cada utilizador de forma distinta, com o propósito de o tornar visualmente mais apelativo, segundo a experiência de consumo de cada um, de forma a captar a sua atenção.

Em fevereiro de 2020, a Netflix introduziu mais um elemento no sistema de recomendações personalizadas à página inicial dos seus utilizadores: o Top 10. A lista, atualizada diariamente, ordena os 10 títulos mais vistos no país. Para além de colocar em evidência os produtos mais populares, esta ferramenta pode servir para os promover durante algum tempo e, assim, manter o ciclo de visualizações. Com efeito, se o utilizador, por mera curiosidade, visualizar o conteúdo destacado no Top 10, por mais de 2 minutos, na contabilidade da Netflix, já é um dos seus espectadores, o que pode contribuir para perpetuar a sua popularidade.

Graças ao manancial de dados que armazena sobre as nossas preferências de consumo, é possível que a Netflix saiba mais sobre os nossos gostos do que nós mesmos. O sistema de recomendação deu a esta plataforma um poder nunca antes experimentado pela indústria do audiovisual: o de prever e influenciar o que vamos ver a seguir, mantendo-nos alegremente numa bolha de consumo de entretenimento, especialmente desenhada para cada um de nós, tornando possível determinar com alguma segurança qual será o próximo hit[4].


[1] Numa entrevista ao The Korea Times, o autor, Hwang Dong-hyuk, revelou que a série, criada em 2008, foi rejeitada por vários estúdios e investidores, ao longo de 10 anos.

[2] A 13 de outubro, o Korean Cultural Center (KCC) nos Emirados Árabes Unidos organizou uma encenação dos jogos da série para duas equipas de 15 participantes, sem violência, em Abu Dhabi. O evento foi visto como uma forma de promoção da cultura sul-coreana. 

[3] Ainda que algumas das suas concorrentes tenham desenvolvido ferramentas semelhantes, a Netflix é a plataforma com maior número de utilizadores e consegue trabalhar com uma maior quantidade de dados sobre a utilização do seu serviço, potenciando, assim, os efeitos da personalização.

[4] Não deixa de ser paradigmático que, numa fase inicial, este serviço se tenha demarcado dos meios tradicionais pela ampla liberdade dada ao utilizador, oferecendo-lhe a possibilidade de ver quando e onde quisesse qualquer um dos muitos títulos disponíveis no catálogo.

O Fenómeno da Wish e as Expectativas dos Consumidores

Doutrina

A Wish é uma plataforma digital gerida pela empresa ContextLogic Inc., sediada em São Francisco, nos Estados Unidos da América. Esta plataforma, responsável por reunir milhões de vendedores e conectá-los a milhões de consumidores é atualmente uma das maiores em termos de volume de negócios, posicionando-se ao lado da Aliexpress, Amazon, entre outras.

Apesar de na Wish se verificarem vários tipos de trocas comerciais, nesta publicação abordarei apenas a perspetiva das trocas entre profissionais e consumidores.

Ora, o que cativa sobretudo os consumidores são os preços especialmente reduzidos e um stock ilimitado de bens[1]. Estes preços só são possíveis pois a plataforma, à semelhança do que acontece com outras como o Aliexpress, permite aos vendedores registarem os seus produtos e vendê-los diretamente aos consumidores, eliminando-se custos desnecessários gastos com intermediários. Note-se que grande parte dos bens colocados à disposição dos consumidores são importados da China e de outros países fora da Europa.

O modelo negocial praticado na plataforma Wish dá prioridade aos bens de reduzido valor, fomentando um elevado volume de negócios, descuidando a qualidade e conformidade dos bens comercializados.

O consumidor não se pode deixar enganar pelos preços aparentemente baixos, uma vez que grande parte dos produtos apresentados são contrafeitos, alguns não correspondem às fotografias apresentadas no site, e outros não apresentam muita qualidade, sendo vários os comentários negativos que podemos encontrar na internet sobre esta realidade.

Não obstante, a Wish afirma ter uma política bastante exigente e criteriosa no que se refere à comercialização, por intermédio do seu serviço, de bens contrafeitos, produtos inapropriados, perigosos ou de baixa qualidade. Resta saber como é feito este controlo, qual deve ser o seu grau de responsabilidade se, por exemplo, um consumidor adquirir um item perigoso e isso causar danos à sua integridade física. A única solução apresentada pela Wish passa pela denúncia, por parte dos utilizadores do seu serviço, de quaisquer anúncios que promovam a venda deste tipo de produtos, para um email que indicam no website.

Face ao exposto, duas propostas legislativas apresentadas pela Comissão Europeia: o Digital Services Act e o Digital Markets Act. Estas propostas vêm tentar resolver questões como as da transparência, da cooperação das plataformas com as autoridades nacionais, do  dever de as plataformas transmitirem informações aos utilizadores, de limitar certos anúncios, ou da proibição de práticas que prejudiquem a concorrência. O não cumprimento destas obrigações pode levar à aplicação de sanções pecuniárias. Cumpre também referir que, na plataforma Wish, é impossível verificar se as reduções de preço apresentadas em vários anúncios são genuínas, na medida em que não conseguimos apurar por quanto tempo é que os produtos estiveram à venda por um preço mais elevado, ou se, de facto, estiveram a um preço mais elevado antes da alegada redução.

Por fim, em todos os anúncios dos produtos colocados à venda através do serviço da Wish é permitido aos consumidores deixar o seu feedback e avaliação sobre o produto comprado. A Wish assegura que as opiniões alojadas na sua plataforma são fidedignas, mas não esclarece como é feito este controlo, sendo certo que existe um mercado de feedbacks positivos falsos, que influencia, em larga escala, o comportamento dos consumidores, a ponto de adotarem uma decisão de transação nesse mesmo pressuposto.

Por todo o exposto, é importante que o consumidor, ao utilizar esta plataforma e outras semelhantes, não se deixe deslumbrar por propostas demasiado boas para corresponderem à realidade. É necessário selecionar, de forma consciente, os bens que se pretendem adquirir, sabendo que haverá sempre um risco elevado de o item não corresponder ao que é publicitado na fotografia que acompanha o anúncio, ou até que o item poderá nunca chegar ao seu destino.

Retomaremos este assunto com o propósito de verificar que direitos assistem aos consumidores nestes casos, quais os deveres e obrigações das plataformas como a Wish e dos profissionais que comercializam produtos através destas plataformas.


[1] Nesta plataforma são comercializados smartphones, roupas, gadgets, brinquedos, calçado, entre muitos outros.

A omissão da informação sobre as características éticas do bem: um exercício de prognose

Doutrina

Desafiada pela Alyne Calistro a produzir uma sequela do seu tão interessante texto As Práticas ESG e o Greenwashing – Pela Busca da Informação Verdadeira, a quem muito agradeço o repto, parece ser de especial urgência responder à questão que nos endereça:

Sob o manto da preocupação com a ESG – Environment, Social and Governance, como saberá o consumidor se tais práticas ocorrem verdadeiramente?

Pois bem, o consumidor, à partida, não poderá ter a certeza. Todavia, poderá desconfiar que tais práticas benignas não ocorrem, o que pode revelar-se o pior cenário que pode acontecer ao vendedor e ao produtor.

Se, por um lado, o consumidor médio não se demora na inspeção minuciosa da ética subjacente à produção de um produto, por outro está cada vez mais capacitado – ou, pelo menos, sensibilizado – para identificar um determinado método de produção tendencialmente associado à exploração laboral e infantil.

Até aqui, parece-nos, temos observado um panorama em que os produtores que são omissos quanto à informação das suas práticas laborais, sejam elas tidas como benignas ou negativas, têm beneficiado com o seu comportamento límbico. O consumidor tende, provavelmente, a entender o seu estado de desconhecimento face ao método de produção do bem como uma verosimilhança ao real método de produção. Não será também difícil imaginar que suceda um raciocínio de desresponsabilização perante o problema social em causa, assumindo que outras instâncias poderão (e deverão) ocupar-se da questão.

Não nos esqueçamos que qualquer um destes raciocínios ou qualquer outro diferente destes são processados num ínfimo período de tempo, isto é, a decisão de contratar do consumidor, pelo menos perante um bem de consumo de valor não muito avultado, não se compadece com longas análises de custo-benefício, muito menos com considerações de caráter ético.

É precisamente neste ponto que, em jeito de juízo de prognose, entendemos que, muito em breve, não informar o consumidor acerca dos padrões éticos do bem poderá vir a ser o pior que pode acontecer ao vendedor e, sobretudo, ao produtor (quando este não coincide com aquele).

A imagem do consumidor que dedica extensas horas à análise da política ESG do vendedor ou produtor é uma caricatura que apenas se observará em camadas muito específicas de cidadãos. A larga maioria dos consumidores não o faz nem o pretende fazer.

Portanto, se até aqui assistimos a um padrão de tendencial apatia perante a ausência de indicações acerca da ética do produto, por outro lado assiste-se ao surgimento de um movimento cada vez mais palpável, por parte dos consumidores, no sentido da implementação de práticas ambiental e socialmente mais sustentáveis

Parece-nos que as duas situações apresentadas neste texto se irão cruzar em breve: o consumidor quererá comprar bens sustentáveis e penalizará os produtores e os vendedores que não o informarem sobre essas características, não tanto por um imperativo ético, mas porque necessitam de tais informações para a tomada de decisão de contratar que não estão disponíveis.

Naturalmente, a confirmar-se a nossa previsão, chegarão novos e mais pesados desafios para o combate ao greenwashing.

As falácias e o caminho para o fim do plástico descartável em Portugal

Doutrina

Atenção: 91% do plástico utilizado no mundo não é reciclado. É esta a surpreendente informação, resultado de um estudo, publicada ainda em 2017 na revista científica Science Advances, que tem colocado cada vez mais claramente, não somente na ordem do dia, mas nos objetivos centrais das políticas públicas mundiais, um novo problema: o consumo dos plásticos descartáveis e seu respetivo destino final.

Todos os anos são produzidos cerca de 58 milhões de toneladas de plástico na Europa, 40% dos quais para embalar produtos[1]. Na União Europeia, “80 % a 85 % do lixo marinho é constituído por plástico segundo medições realizadas por meio de contagens nas praias, sendo que os artigos de plástico de utilização única representam 50%”[2]. Só em Portugal, cada pessoa gera 31 quilos de resíduos plásticos por ano, de acordo com a Comissão Europeia.

Nesta senda, em 2018, a União Europeia começou a demonstrar um foco especificamente sobre o problema dos plásticos descartáveis e, desde então, tem trabalhado ativamente com um robusto plano para reduzir sua utilização até 2026.  Por meio da Diretiva (UE) 2019/904, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 05 de junho, relativa à redução do impacto de determinados produtos de plástico no ambiente, a ideia é banir este material de diversos objetos de uso quotidiano, dado que podem já ser produzidos exclusivamente a partir de matérias-primas de fontes renováveis.

O problema dos plásticos descartáveis, que assistiu a um admirável crescimento nos últimos dois anos em razão das questões sanitárias associadas à pandemia de COVID-19, teve, entretanto, um contraponto em Portugal com a publicação, em Diário da República, do Decreto-Lei n.º 78/2021 de 24 de setembro, que transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a diretiva europeia acima citada.

O diploma que proíbe a comercialização de plásticos de uso único, como cotonetes, talheres, pratos, palhinhas ou recipientes de poliestireno expandido, deverá ser aplicado a partir do próximo dia 1 de novembro. Para além, ele traz medidas de prevenção e redução do impacto de determinados produtos de plástico no ambiente, mais especificamente nos mares e florestas, voltando-se à promoção de uma economia circular com modelos de negócio, produtos e materiais inovadores e sustentáveis.

O documento vem ainda na mesma toada de outros diplomas nacionais sobre o assunto, como é o caso, sobretudo, do Decreto-Lei 102-D, de 10 de dezembro , que aprova o regime geral da gestão de resíduos, o regime jurídico da deposição de resíduos em aterro e altera o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos, transpondo as Diretivas (UE) 2018/849, 2018/850, 2018/851 e 2018/852. Entre seus elementos de maior impacto na vida dos consumidores portugueses, o DL n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro ao alterar o  Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro, veio a reforçar a proibição da “disponibilização gratuita de sacos de caixa, isto é, sacos com ou sem pega, incluindo bolsas e cartuchos, feitos de qualquer material, em qualquer estabelecimento comercial”, regra em vigor desde 01 de julho deste ano.

Fato interessante, entretanto, é que apesar do esforço comunitário  no combate ao plástico descartável, a UE terá de encontrar cada vez mais alternativas circulares e ecológicas para gerir os resíduos de plástico sem escalonar a incineração e deposição de resíduos em aterro, especialmente após a recente proibição da China às importações de resíduos de plástico. Isto porque, de acordo com informações divulgadas pelo próprio Parlamento Europeu, “metade do plástico recolhido para reciclagem é exportado para ser tratado em países fora da UE”.

Mais ainda, é necessário ressaltar que as normativas devem se voltar não somente à redução do consumo de plástico, mas também a evitar o greenwashing, já abordado pelo Nova Consumer Lab, aqui, e a substituição de um produto descartável por outro, igualmente nocivo ao meio ambiente a à biodiversidade.

As alternativas ao uso do plástico descartável vão desde bambu, cana-de-açúcar, amidos, plástico reciclado, algas, alumínio, vidro, papel, cartão, cascas de banana, folhas de palmeira e todo um novo mundo de economia “eco friendly”. Entretanto, de nada resultaria a redução do plástico descartável, se outras matérias-primas, substâncias químicas estiverem a se espalhar pelos oceanos.

A má notícia vem quando um estudo recente, realizado a pedido da BEUC, organização europeia de consumidores, revelou ter encontrado substâncias químicas em louças descartáveis não plásticas, em tigelas descartáveis de fibra vegetal, em cartuchos de papel e louça feitas de folhas de palmeira. A pesquisa, feita em quatro países (Itália, Dinamarca, Espanha e França) demonstra que 53% dos produtos que foram analisados, muitos deles supostamente compostáveis e biodegradáveis, apresentaram produtos químicos tóxicos indesejados, compostos fluorados, que persistem na natureza por anos, além de gerarem efeitos nocivos à saúde. Como se pode imaginar, o cotonete de bambu, lançado na sanita, não é realmente melhor para os mares do que o seu antigo modelo em plástico.

Esta realidade faz-nos entender, justamente, que a mera proibição dos produtos de plásticos de uso único ou a criação de leis de combate aos descartáveis não é um fim em si mesmo. A redução do consumo, a promoção da reutilização e a consciencialização da recolha seletiva é que, de facto, podem ser a chave para o problema ambiental. De acordo com a própria secretária de Estado do Ambiente  em Portugal, Inês Santos Costa, “os produtos alternativos existem, é um facto. Mas o que não podemos é cair no erro de substituir um descartável por outro que até pode ter menos impacto, mas não deixa de ser um descartável”.


[1] Segundo informações disponibilizadas pela Deco-Proteste, em 30 de julho de 2021.

[2] Informações presentes na Diretiva Europeia (UE) 2019/904, contra o plástico descartável.

Technological Free Zones and the Portuguese Regulatory Sandbox Legal Framework

Doutrina

Written by Yasmin Waetge (version in Portuguese here). Translated by Gabriela Santos.

The NOVA Consumer Lab resumes its activities after a short break with a renewed spirit to discuss and analyze the latest Consumer Law news. Today we bring up a brief analysis of the recently approved Technological Free Zones, considered a major step towards the promotion of foreign investment and national development.

Currently, the ever-increasing pace of technological innovation development requires governments to actively seek to understand the risks associated with this reality while setting out appropriate policies and guidelines to reap its benefits and protect consumers. Despite the legislative efforts, the fact is that the regulatory gap between reality and legal prescriptions has caused society, businesses, markets and even States to develop what some authors refer to as ‘regulatory uncertainty’ or ‘regulatory fear’.[1]

In this context, as well as a consumer protection measure, law operators have progressively witnessed the expansion of ‘Regulatory Sandbox’ as an alternative system for the current challenge of adapting this ‘new’ market regulation to the innovations that arise daily. Integrated in this environment, in a regulatory dialectic, businesses may enjoy a broad interaction with regulators for the controlled development of services and products. Thus, at a subsequent time and in a more secure conjecture, regulatory authorities will be able to decide “if-”, “how-” and “when-” to grant permanent licenses for the entrance and operation of such companies in the consumer market.

In a more integrative and comprehensive content-based approach, since 2020 the Portuguese government has been discussing the groundwork of the so-called ‘Technological Free Zones’ (ZLTs). In generic terms, this environment aims to be a general and cross-sector structure for the experimentation of innovative technologies. In other words, it would be a representation that corresponds to the ‘regulatory sandbox’ concept.

Initially, through Resolution of the Council of Ministers no. 29/2020[2], Portugal acknowledged its intention to establish a ‘common legal framework for demonstration and testing activities, in a real environment, of innovative technologies or solutions’, regardless of the sector. This feature of the Portuguese system sets it apart from the experiences of other countries that have resorted to this model to facilitate innovation in the economic realm, financial and insurance regulation. 

More recently, the Portuguese government approved and published in the Official Gazette of Portugal the legal framework for Technological Free Zones (ZLTs), laid down in Decree-Law no. 67/2021[3] of July 30, 2021, which establishes its regulatory regime and defines the governance model for promoting technology-based innovation through the creation of these zones.

The Decree-Law contains 4 chapters and 16 articles, many of which implemented by numerous subparagraphs. Notwithstanding some delay, the regulation’s enactment responds to the global trend of promoting innovation and increasing the transfer of scientific and technological knowledge in the economy. In addition, Portugal envisions in the creation of Technological Free Zones the possibility to enhance its attractiveness for innovation projects and foreign investment related to emerging technologies to the national market.

Aware of the emergence of new stakeholders in the global economy and trying to catch up on its oversight of the sector over the last few years, in comparison to the rest of the European Union, Portugal also announced in 2020 a set of measures to assist more than 2,500 startups based in the country to help them overcome the consequences of the COVID-19 pandemic. The businesses support package amounts to more than 25 million euros, with an average of 10,000 euros of financial aid for each startup.[4]

For instance, it is worth reminding that to a large extent it was precisely in the wake of the UK Financial Authority’s exquisite creation of a ‘regulatory sandbox’ in 2015 that Revolut emerged, now one of Europe’s most valuable FinTech.

Thus, despite some well-deserved criticism, one cannot disregard the legislative efforts made, since, placed in a harmonized environment, and with the already consolidated presence of innovation hubs, the implementation of Technological Free Zones aims at mitigating regulatory entrance barriers to different economic sectors, reducing uncertainties and, above all, boosting innovation in Portugal. We look forward to sharing more analysis and news on this subject soon.


[1] See QUAN, Dan (2020) “A few thoughts on regulatory sandboxes”, Technical report, Stanford PACS, Stanford University.

[2] Resolution of the Council of Ministers No. 29/2020 – General principles for the creation and regulation of Technological Free Zones. Available at: https://data.dre.pt/eli/resolconsmin/29/2020/04/21/p/dre.

[3] Decree-Law No. 67/2021 – Regime and governance model for the promotion of technology-based innovation through the creation of Technological Free Zones. p. 29-37. Available at: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/67/2021/07/30/p/dre.

[4] See “Novas medidas de apoio ao ecossistema de empreendedorismo no valor de 25 milhões de euros”. Comunicados da República Portuguesa. April 21, 2021. Available at:  https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/comunicacao/comunicado?i=novas-medidas-de-apoio-ao-ecossistema-de-empreendedorismo-no-valor-de-25-milhoes-de-euros

Ventos de mudança na remoção e substituição das baterias portáteis

Doutrina

Quantos de nós consumidores já nos deparámos com a situação em que um aparelho portátil, como por exemplo smartphones, ainda se encontra em perfeitas condições de hardware, software ou estado de conservação, mas a sua bateria tem uma durabilidade nula ou quase nula? Quantos de nós é que já nos vimos obrigados a substituir as baterias desses aparelhos em lojas próprias ou autorizadas porque, de outro modo, é impossível ou arriscado manter o bom funcionamento do mesmo? A verdade é que, frequentemente, a vida útil do aparelho e da sua bateria não coincidem, tal como já tivemos oportunidade de analisar em texto anterior de José Filipe Ferreira, para o qual se remete.

Porém, naquilo que se esperam ser boas notícias para os consumidores europeus, o artigo 11.º da Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às baterias e respetivos resíduos foi desenhado para, pelo menos, remodelar esta realidade. É, pois, proposto que, doravante, as baterias portáteis[1] incorporadas em aparelhos possam ser facilmente removíveis e substituíveis pelo utilizador final ou por operadores independentes durante a vida útil do aparelho, se a vida útil das baterias for inferior ou, o mais tardar, no fim da vida útil do aparelho. A Proposta de Regulamento também esclarece que se deverá considerar que uma bateria é facilmente substituível quando, ao retirar a mesma do aparelho, este último pode funcionar com uma bateria semelhante, sem que isso afete o funcionamento ou o desempenho do aparelho.

Como bem se compreende, esta inovação poderá representar uma pedra no charco naquele que é o paradigma atual quanto à remoção e substituição de baterias portáteis. Veja-se, por exemplo, o caso da Apple em que nos diversos aparelhos (iPhone, iPad, Apple Watch, etc.) a substituição das baterias, por um utilizador final leigo na matéria, é praticamente impossível de realizar e, mesmo que seja feita por profissionais – que não a Apple ou as lojas por si autorizadas -, não há qualquer proteção para os consumidores, caso a remoção e substituição afete o desempenho dos aparelhos.

Assim, a obrigação que a Proposta de Regulamento prevê afigura-se como bastante benéfica para os consumidores, pois oferecerá aos mesmos a possibilidade de substituírem, por si próprios, as baterias em causa, assim como terão mais opções de escolha, caso pretendam recorrer a operadores profissionais, sem que sobre essas decisões paire a quase certeza de diminuição da qualidade e desempenho do aparelho que atualmente se verifica.

Adicionalmente, esta facilidade em dar uma segunda vida aos aparelhos poderá, igualmente, conduzir a uma redução do consumo, na medida em que, não raras vezes, a opção dos consumidores passa por comprarem novos aparelhos, pois os custos e riscos inerentes à substituição das baterias não compensa o investimento. Acresce que a estatuição da obrigação que aqui se analisa poderá, também, ter a virtude de levar os fabricantes a investirem em baterias com uma vida útil mais longa, evitando-se assim a necessidade de aquisição de novas baterias e promovendo-se, deste forma, o consumo sustentável.

Por fim, é importante não esquecer que o artigo ora analisado está incluído numa Proposta de Regulamento – a qual conheceu vários avanços durante a Presidência Portuguesa do Conselho Europeu – mas que, até à aprovação final, a acontecer, provavelmente, ainda em 2021, poderá conhecer alterações. Assim, somente com a versão final do Regulamento, bem como com a sua produção de efeitos concretos no mercado, é que será possível compreender se estamos perante verdadeiros ventos de mudança ou se, em contrapartida, não assistimos a uma mera brisa não refrescante.


[1] Para efeitos da Proposta de Regulamento, classificam-se como baterias portáteis aquelas que: (i) são fechadas hermeticamente, (ii) pesam menos de 5 kg, (iii) não são concebidas para fins industriais e (iv) não são baterias de um veículo elétrico nem baterias de um automóvel.