As falácias e o caminho para o fim do plástico descartável em Portugal

Doutrina

Atenção: 91% do plástico utilizado no mundo não é reciclado. É esta a surpreendente informação, resultado de um estudo, publicada ainda em 2017 na revista científica Science Advances, que tem colocado cada vez mais claramente, não somente na ordem do dia, mas nos objetivos centrais das políticas públicas mundiais, um novo problema: o consumo dos plásticos descartáveis e seu respetivo destino final.

Todos os anos são produzidos cerca de 58 milhões de toneladas de plástico na Europa, 40% dos quais para embalar produtos[1]. Na União Europeia, “80 % a 85 % do lixo marinho é constituído por plástico segundo medições realizadas por meio de contagens nas praias, sendo que os artigos de plástico de utilização única representam 50%”[2]. Só em Portugal, cada pessoa gera 31 quilos de resíduos plásticos por ano, de acordo com a Comissão Europeia.

Nesta senda, em 2018, a União Europeia começou a demonstrar um foco especificamente sobre o problema dos plásticos descartáveis e, desde então, tem trabalhado ativamente com um robusto plano para reduzir sua utilização até 2026.  Por meio da Diretiva (UE) 2019/904, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 05 de junho, relativa à redução do impacto de determinados produtos de plástico no ambiente, a ideia é banir este material de diversos objetos de uso quotidiano, dado que podem já ser produzidos exclusivamente a partir de matérias-primas de fontes renováveis.

O problema dos plásticos descartáveis, que assistiu a um admirável crescimento nos últimos dois anos em razão das questões sanitárias associadas à pandemia de COVID-19, teve, entretanto, um contraponto em Portugal com a publicação, em Diário da República, do Decreto-Lei n.º 78/2021 de 24 de setembro, que transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a diretiva europeia acima citada.

O diploma que proíbe a comercialização de plásticos de uso único, como cotonetes, talheres, pratos, palhinhas ou recipientes de poliestireno expandido, deverá ser aplicado a partir do próximo dia 1 de novembro. Para além, ele traz medidas de prevenção e redução do impacto de determinados produtos de plástico no ambiente, mais especificamente nos mares e florestas, voltando-se à promoção de uma economia circular com modelos de negócio, produtos e materiais inovadores e sustentáveis.

O documento vem ainda na mesma toada de outros diplomas nacionais sobre o assunto, como é o caso, sobretudo, do Decreto-Lei 102-D, de 10 de dezembro , que aprova o regime geral da gestão de resíduos, o regime jurídico da deposição de resíduos em aterro e altera o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos, transpondo as Diretivas (UE) 2018/849, 2018/850, 2018/851 e 2018/852. Entre seus elementos de maior impacto na vida dos consumidores portugueses, o DL n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro ao alterar o  Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro, veio a reforçar a proibição da “disponibilização gratuita de sacos de caixa, isto é, sacos com ou sem pega, incluindo bolsas e cartuchos, feitos de qualquer material, em qualquer estabelecimento comercial”, regra em vigor desde 01 de julho deste ano.

Fato interessante, entretanto, é que apesar do esforço comunitário  no combate ao plástico descartável, a UE terá de encontrar cada vez mais alternativas circulares e ecológicas para gerir os resíduos de plástico sem escalonar a incineração e deposição de resíduos em aterro, especialmente após a recente proibição da China às importações de resíduos de plástico. Isto porque, de acordo com informações divulgadas pelo próprio Parlamento Europeu, “metade do plástico recolhido para reciclagem é exportado para ser tratado em países fora da UE”.

Mais ainda, é necessário ressaltar que as normativas devem se voltar não somente à redução do consumo de plástico, mas também a evitar o greenwashing, já abordado pelo Nova Consumer Lab, aqui, e a substituição de um produto descartável por outro, igualmente nocivo ao meio ambiente a à biodiversidade.

As alternativas ao uso do plástico descartável vão desde bambu, cana-de-açúcar, amidos, plástico reciclado, algas, alumínio, vidro, papel, cartão, cascas de banana, folhas de palmeira e todo um novo mundo de economia “eco friendly”. Entretanto, de nada resultaria a redução do plástico descartável, se outras matérias-primas, substâncias químicas estiverem a se espalhar pelos oceanos.

A má notícia vem quando um estudo recente, realizado a pedido da BEUC, organização europeia de consumidores, revelou ter encontrado substâncias químicas em louças descartáveis não plásticas, em tigelas descartáveis de fibra vegetal, em cartuchos de papel e louça feitas de folhas de palmeira. A pesquisa, feita em quatro países (Itália, Dinamarca, Espanha e França) demonstra que 53% dos produtos que foram analisados, muitos deles supostamente compostáveis e biodegradáveis, apresentaram produtos químicos tóxicos indesejados, compostos fluorados, que persistem na natureza por anos, além de gerarem efeitos nocivos à saúde. Como se pode imaginar, o cotonete de bambu, lançado na sanita, não é realmente melhor para os mares do que o seu antigo modelo em plástico.

Esta realidade faz-nos entender, justamente, que a mera proibição dos produtos de plásticos de uso único ou a criação de leis de combate aos descartáveis não é um fim em si mesmo. A redução do consumo, a promoção da reutilização e a consciencialização da recolha seletiva é que, de facto, podem ser a chave para o problema ambiental. De acordo com a própria secretária de Estado do Ambiente  em Portugal, Inês Santos Costa, “os produtos alternativos existem, é um facto. Mas o que não podemos é cair no erro de substituir um descartável por outro que até pode ter menos impacto, mas não deixa de ser um descartável”.


[1] Segundo informações disponibilizadas pela Deco-Proteste, em 30 de julho de 2021.

[2] Informações presentes na Diretiva Europeia (UE) 2019/904, contra o plástico descartável.

Ventos de mudança na remoção e substituição das baterias portáteis

Doutrina

Quantos de nós consumidores já nos deparámos com a situação em que um aparelho portátil, como por exemplo smartphones, ainda se encontra em perfeitas condições de hardware, software ou estado de conservação, mas a sua bateria tem uma durabilidade nula ou quase nula? Quantos de nós é que já nos vimos obrigados a substituir as baterias desses aparelhos em lojas próprias ou autorizadas porque, de outro modo, é impossível ou arriscado manter o bom funcionamento do mesmo? A verdade é que, frequentemente, a vida útil do aparelho e da sua bateria não coincidem, tal como já tivemos oportunidade de analisar em texto anterior de José Filipe Ferreira, para o qual se remete.

Porém, naquilo que se esperam ser boas notícias para os consumidores europeus, o artigo 11.º da Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às baterias e respetivos resíduos foi desenhado para, pelo menos, remodelar esta realidade. É, pois, proposto que, doravante, as baterias portáteis[1] incorporadas em aparelhos possam ser facilmente removíveis e substituíveis pelo utilizador final ou por operadores independentes durante a vida útil do aparelho, se a vida útil das baterias for inferior ou, o mais tardar, no fim da vida útil do aparelho. A Proposta de Regulamento também esclarece que se deverá considerar que uma bateria é facilmente substituível quando, ao retirar a mesma do aparelho, este último pode funcionar com uma bateria semelhante, sem que isso afete o funcionamento ou o desempenho do aparelho.

Como bem se compreende, esta inovação poderá representar uma pedra no charco naquele que é o paradigma atual quanto à remoção e substituição de baterias portáteis. Veja-se, por exemplo, o caso da Apple em que nos diversos aparelhos (iPhone, iPad, Apple Watch, etc.) a substituição das baterias, por um utilizador final leigo na matéria, é praticamente impossível de realizar e, mesmo que seja feita por profissionais – que não a Apple ou as lojas por si autorizadas -, não há qualquer proteção para os consumidores, caso a remoção e substituição afete o desempenho dos aparelhos.

Assim, a obrigação que a Proposta de Regulamento prevê afigura-se como bastante benéfica para os consumidores, pois oferecerá aos mesmos a possibilidade de substituírem, por si próprios, as baterias em causa, assim como terão mais opções de escolha, caso pretendam recorrer a operadores profissionais, sem que sobre essas decisões paire a quase certeza de diminuição da qualidade e desempenho do aparelho que atualmente se verifica.

Adicionalmente, esta facilidade em dar uma segunda vida aos aparelhos poderá, igualmente, conduzir a uma redução do consumo, na medida em que, não raras vezes, a opção dos consumidores passa por comprarem novos aparelhos, pois os custos e riscos inerentes à substituição das baterias não compensa o investimento. Acresce que a estatuição da obrigação que aqui se analisa poderá, também, ter a virtude de levar os fabricantes a investirem em baterias com uma vida útil mais longa, evitando-se assim a necessidade de aquisição de novas baterias e promovendo-se, deste forma, o consumo sustentável.

Por fim, é importante não esquecer que o artigo ora analisado está incluído numa Proposta de Regulamento – a qual conheceu vários avanços durante a Presidência Portuguesa do Conselho Europeu – mas que, até à aprovação final, a acontecer, provavelmente, ainda em 2021, poderá conhecer alterações. Assim, somente com a versão final do Regulamento, bem como com a sua produção de efeitos concretos no mercado, é que será possível compreender se estamos perante verdadeiros ventos de mudança ou se, em contrapartida, não assistimos a uma mera brisa não refrescante.


[1] Para efeitos da Proposta de Regulamento, classificam-se como baterias portáteis aquelas que: (i) são fechadas hermeticamente, (ii) pesam menos de 5 kg, (iii) não são concebidas para fins industriais e (iv) não são baterias de um veículo elétrico nem baterias de um automóvel.