Comunicações Eletrónicas de Marketing Direto: Diretriz 2022/1 da CNPD

Legislação

Imaginemos que comprámos uma mangueira para regar a nossa estimada horta. Passados uns dias da referida compra, recebemos da mesma empresa um e-mail colorido e repleto de imagens apelativas a publicitar um sistema de aspersores, especificamente recomendado para ávidos apreciadores de jardinagem como nós. Inversamente, podemos imaginar que recebemos da mesma empresa um e-mail a sugerir uma promoção única de aquecimentos centrais, em nada relacionado com o nosso passatempo preferido. Imaginações à parte, ambas as situações não são análogas e põem em causa questões que, embora semelhantes, na sua diferença integram pontos de grande relevância para a análise do fenómeno das comunicações eletrónicas de marketing direto.

Embora o marketing direto no contexto digital não seja uma novidade para muitos de nós, importa relembrar que consiste numa estratégia de promoção de um produto ou serviço por parte de uma empresa e tem como target um potencial cliente. Este método pressupõe um interesse prévio do titular dos dados, por exemplo, através da aquisição no passado de um certo produto, podendo esta compra abrir a porta a uma futura relação contratual motivada pelo envio de sugestões que, potencialmente, despertem um novo interesse ao titular dos dados ou, alternativamente, da prestação de consentimento para o envio de comunicações de marketing direto.

No entanto, o problema poderá surgir com a maneira como as empresas utilizam os dados pessoais dos titulares dos dados. Uma vez que os primeiros atuam como responsáveis pelo tratamento dos dados pessoais, as comunicações de marketing direto podem estar sujeitas a certas limitações derivadas da legislação sobre proteção de dados pessoais, consoante as circunstâncias do caso concreto.

Nesse sentido, e após a receção pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) de um elevado número de denúncias relacionadas com comunicações não solicitadas, a Autoridade de Controlo Nacional na área de proteção de dados publicou, no passado dia 4 de fevereiro, a Diretriz/2022/1 sobre comunicações eletrónicas de marketing direto. Assim, a CNPD veio estabelecer algumas orientações para os responsáveis pelo tratamento dos dados e para os seus subcontratantes, tendo em vista a proteção do titular dos dados objeto destas comunicações diretas.

A CNPD destacou, atendendo ao disposto na Lei da Privacidade nas Comunicações Eletrónicas (Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto), que os fundamentos de licitude aos quais os responsáveis pelo tratamento (empresas) podem recorrer para o envio de comunicações eletrónicas de marketing direto são: o consentimento (no geral) e os interesses legítimos (apenas em alguns casos específicos).

Retomando o nosso exemplo inicial, imaginemos que adquirimos no passado uma mangueira da empresa XPTO, existindo assim uma relação prévia da XPTO connosco. O fundamento de licitude dependerá da incidência deste marketing: se for sobre produtos ou serviços análogos aos adquiridos, não será necessário o consentimento do titular dos dados, uma vez que se considera existir um interesse legítimo; pelo contrário, se for sobre produtos ou serviços diferentes dos que já adquirimos, o envio destas comunicações requer consentimento prévio e expresso do titular dos dados.

Assim, se a empresa XPTO nos quiser enviar comunicações sobre aspersores de rega, poderá fazê-lo sem solicitar o nosso consentimento (o tal interesse legítimo), no entanto, se as comunicações versarem sobre aquecimentos centrais, a XPTO necessitará do nosso consentimento, prestado de forma livre e inequívoca para o efeito.

Outro cenário possível será a utilização destes métodos de marketing direto quando não existe uma relação anterior entre a empresa e o titular dos dados, caso em que o destinatário destas comunicações necessita de dar o seu consentimento prévio para o caso. Esta é a situação em que nunca tivemos qualquer relação prévia com a empresa XPTO, pelo que esta última, caso queira enviar alguma comunicação, tem de antes solicitar o nosso interesse na mesma, sob a forma de consentimento, que deverá ser livre, específico, informado e inequívoco.

A CNPD adianta também que, independentemente das circunstâncias, o titular dos dados tem de ter sempre a possibilidade de recusar, de uma maneira fácil, intuitiva e sem qualquer custo associado, a utilização dos seus dados para efeitos de marketing direto. Está aqui em causa o direito de oposição, regulado no artigo 21.º do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e no n.º 3 do artigo 13.º-A da Lei da Privacidade nas Comunicações Eletrónicas, pelo que este direito poderá ser concretizado através de meios de opt-out/unsubscribe, devendo estas opções estar disponíveis tanto no momento de recolha dos dados como no momento de envio de todas as comunicações posteriores.

Já mencionamos que este mesmo consentimento tem de seguir as regras constantes do artigo 7.º do RGPD, nomeadamente, ser específico para um determinado fim, nunca podendo ser genérico. Desta forma, a CNPD dá-nos outra indicação: as entidades não podem usar, para fins de marketing direto, uma base de dados que um subcontratante tenha previamente obtido, pelo que o consentimento não será suficientemente específico nesse caso, dado que será prévio ao momento de contratação e não referente ao responsável pelo tratamento em concreto.

Consequentemente, a CNPD reforça que, na recolha de consentimentos, estes não podem ser ambíguos nem pouco transparentes na sua redação, devendo ser solicitados ao titular dos dados diretamente pela empresa (mesmo que através de subcontratante), que será o responsável pelo tratamento dos dados pessoais em causa. É ainda sublinhado que o tratamento de dados no âmbito de marketing direito é, em geral, de larga escala, pelo que os responsáveis devem tomar medidas de controlo e de mitigação de riscos, nomeadamente ponderar a realização de Avaliações de Impacto sobre a Proteção de Dados, de forma que se sejam respeitados os princípios basilares do RGPD.

Em suma, nunca será demais relembrar que, quer sejam mangueiras, aspersores ou aquecimentos centrais, é sempre importante fazer uma análise prévia da relação contratual e definir a estratégia de marketing direto com base nesses termos, sob pena de serem levadas a cargo atividades menos protetoras dos dados pessoais dos titulares dos dados. Como já dizia Bertrand Russell, “in all affairs it is a healthy thing now and then to hang a question mark on the things you have long taken for granted”.

As principais questões das empresas acerca do novo Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro

Legislação

Há já algum tempo que aguardávamos a transposição das Diretivas (UE) 2019/770 e 2019/771, pelo que no passado dia 18 de outubro pudemos, finalmente, analisar o novo regime, constante do DL n.º 84/2021, que irá alterar profundamente alguns dos pontos principais do Direito do Consumo em Portugal, a partir de 1 de janeiro de 2022.

Não menos ansiosas do que nós, estavam as empresas que mais recentemente têm sentido a necessidade de adaptar os seus (designados) Termos e Condições de venda de forma a incluir todas as novidades que este diploma nos traz. Nesse sentido, muitas têm sido as dúvidas suscitadas e que pretendemos expor no presente artigo de forma a perceber quais têm sido, até agora, as maiores preocupações das empresas.

Uma das principais questões levantadas é fruto de alguma liberdade legislativa de cada Estado-Membro e que ficou espelhada no novo “prazo de responsabilidade do profissional”, que passou a ser de três anos, e o “prazo de presunção de existência de desconformidade do bem à data de entrega do mesmo” de dois anos, tal como disposto nos artigos 12.º e 13.º do DL n.º 84/2021.

A grande dúvida prende-se com este terceiro ano em que o profissional continua a ser responsável, no entanto, o ónus da prova de que a falta de conformidade do bem existia no momento da entrega do mesmo passa a ser do consumidor, tendo este último de fazer prova desse facto. Perante isto, as empresas questionam não só que tipo de provas poderão aceitar, como também que mensagem, documento ou notificação poderá existir que comprove que certa desconformidade existia originalmente, passados já mais de dois anos.

Outro ponto está precisamente ligado à introdução do conceito de “bem ou serviço digital”, que tem gerado dúvidas em termos de prazos de responsabilidade, nomeadamente em termos de separação de “componentes físicas” e “componentes digitais” dos bens. Uma grande preocupação prende-se com a complexificação dos textos das garantias dos produtos, tanto para a redação dos mesmos por parte dos profissionais, como para a compreensão destes pelos consumidores. Ademais, existe a preocupação de serem garantias completas e ao mesmo tempo tentar adequá-las aos vários produtos de cada empresa, que terão certamente características diferentes, devendo, idealmente, conter redações igualmente distintas e próprias adequadas a cada bem.

Ainda no mesmo sentido, surgiu a preocupação de perceber o enquadramento legal do sistema operativo e dos softwares dos bens. Sabemos que a Diretiva (UE) 2019/771 prevê que os conteúdos digitais incorporados ou interligados com os bens podem ser quaisquer dados produzidos ou fornecidos em formato digital, tais como sistemas operativos, aplicações e qualquer outro software.

Outras duas grandes questões prendem-se com o artigo 18.º, n.º 4, do DL n.º 84/2021, e a “garantia adicional de seis meses por cada reparação até ao limite de quatro reparações”. Primeiramente, as empresas têm sentido dificuldade na interpretação deste preceito, nomeadamente no que toca às regras de repartição do ónus da prova, previstas no artigo 13.º, que se aplicam a este período de seis meses, uma vez que não é claro que regra se adequa ao termo “garantia”.

Em segundo lugar, tem sido questionado o que se entende por “cada reparação”, uma vez que sendo um conceito muito casuístico, é difícil delinear o que separa, por exemplo, uma reparação de outra, para efeitos de acrescentar o prazo dos seis meses de garantia. Alguns pontos, como o período temporal relevante entre as reparações e se o facto de incidir sobre uma mesma peça ou peças diferentes de um bem tem alguma influência, têm sido suscitados, pelo que, em abstrato, pouco ou nada se consegue adiantar neste ponto.

Não menos questionado tem sido o artigo 15.º, n.º 6, referente aos direitos do consumidor. Dispõe-se que este último não poderá recorrer à resolução do contrato se o profissional provar que a falta de conformidade é “mínima”. Consequentemente, as empresas têm sentido a necessidade de estabelecer algum critério para aferir a gradação desta falta de conformidade. No entanto, fora os critérios de razoabilidade e comum diligência, pouco mais é possível concretizar, novamente, dado o caráter distinto de cada bem.

Finalmente, surge a novidade do serviço de pós-venda e disponibilização de peças na esfera do produtor, tendo este de disponibilizar as peças necessárias à reparação dos bens adquiridos pelo consumidor, durante o prazo de dez anos após a colocação em mercado da última unidade do respetivo bem, com a ressalva da incompatibilidade do bem com esse prazo. Esta obrigação tem gerado alguma preocupação, nomeadamente no mundo das empresas tecnológicas, uma vez que a maioria dos seus produtos não durará dez anos, sendo ainda vago em que termos poderão adequar este prazo ou se, ao invés, terão de investir em bens mais duradouros.

Em última análise, já dizia Charlie Chaplin que “mais do que máquinas precisamos de humanidade”, pelo que agora cabe-nos a adaptação destas novas normas à realidade, nas suas formas de bens mais diversas, de tal modo que possamos adequar e concretizar um equilíbrio entre a proteção dos consumidores e as exigências aos profissionais e produtores.