O consumidor na nova era da sustentabilidade das embalagens alimentares

Doutrina

A transição para sistemas alimentares mais sustentáveis, que a União Europeia (UE) tem impulsionado desde a adoção do Pacto Ecológico Europeu e da Estratégia do Prado ao Prato, abrange não só os alimentos mas também todos os outros inputs funcionais e necessários à sua produção, distribuição e consumo.

Nestes moldes, o legislador europeu tem progressivamente vindo a reconhecer o impacto negativo que o food packaging e os seus resíduos têm no ambiente e a consequente necessidade de eliminar ou minimizar esse impacto. Este processo legislativo começou nomeadamente com a adoção da Diretiva (UE) 2019/604 – transposta em Portugal através do Decreto-Lei n.º 78/2021 – que impôs restrições de uso de determinados produtos de plástico de utilização única, incluindo recipientes para alimentos e bebidas e copos feitos de poliestireno expandido.

A Comissão Europeia deu seguimento a esta legislação específica publicando, em novembro do ano passado, uma Proposta de regulamento relativo a embalagens e resíduos de embalagens, que se encontra atualmente em fase de discussão a nível europeu. A proposta visa reformar profundamente o quadro jurídico em vigor que regulamenta o fabrico das embalagens, bem como a gestão dos seus resíduos, partindo do pressuposto de que esse quadro é obsoleto (data, de facto, de 1994) e inadequado para garantir a sustentabilidade ambiental do packaging.

Para este efeito, a proposta em causa estabelece um amplo leque de requisitos de sustentabilidade para as embalagens, muitos dos quais têm relevância direta para as embalagens alimentares, como por exemplo:

– Taxas progressivas de incorporação de material reciclado nas garrafas de plástico de utilização única;

– Restrições de uso de determinados formatos (por exemplo, as saquetas de açúcar ou sal que são tipicamente disponibilizadas nos estabelecimentos do canal horeca);

– A obrigação de que as cápsulas de cafés e as saquetas de chá sejam compostáveis.

A proposta de lei europeia coloca também ênfase na necessidade de que as embalagens alimentares sejam reutilizáveis, ou seja, possam desempenhar a mesma função para que foram concebidas múltiplas vezes. Neste sentido, a proposta estabelece metas obrigatórias progressivas de reutilização, em especial para as empresas do setor das bebidas alcoólicas e não alcoólicas.   

Esta nova legislação, portanto, abre uma nova era para as embalagens alimentares: a era da sustentabilidade.

Neste contexto, os consumidores são chamados a desempenhar um papel fundamental, pois são os atores que permitem que, depois da sua utilização, as embalagens alimentares sejam:

– Separadas, recolhidas e encaminhadas para serem subsequentemente tratadas e valorizadas (por exemplo, como material reciclado) da forma mais apropriada; ou

– Reutilizadas quando forem concebidas para esta finalidade.

Posto isso, é essencial que o advento de soluções de food packaging mais sustentáveis seja acompanhado por hábitos de consumo igualmente mais sustentáveis. Algo que só se pode alcançar capacitando os consumidores através de campanhas de sensibilização e da disponibilização da relevante informação ambiental diretamente nas embalagens.

De facto, a rotulagem constitui uma ferramenta particularmente eficaz para ajudar o consumidor a adotar o comportamento mais correto do ponto de vista ambiental na gestão doméstica dos resíduos das embalagens. Para esta matéria específica, a proposta da Comissão Europeia atualmente em discussão pretende assegurar maior harmonização no mercado comunitário, garantindo desta forma o mesmo nível de proteção do ambiente e dos interesses dos consumidores em toda a UE.

Efetivamente, nos últimos anos, vários países europeus introduziram disposições nacionais para a rotulagem ambiental das embalagens.  É o caso de França, onde desde 2022, conforme o artigo L541-9-3 do Code de l’environnement, as embalagens recicláveis devem ostentar um ícone especifico (o logo ‘Triman’) e menções funcionais à sua triagem pós-consumo. Mais recentemente, Itália seguiu o mesmo caminho (Decreto Legislativo 3 settembre 2020 n. 116), enquanto, em Portugal, a rotulagem ambiental das embalagens é atualmente regulamentada através de um sistema voluntário, que tem já bastante expressão no segmento food.

Portanto, neste momento, coexistem no mercado comunitário vários sistemas de rotulagem ambiental das embalagens. Desta forma, a mesma embalagem comercializada em diversos mercados internacionais poderá vir a ostentar, em simultâneo, pictogramas e/ou instruções diferentes para a sua triagem depois da utilização. Aliás, a legislação portuguesa – designadamente o artigo 28.º, n.º. 2, do Decreto-Lei n.º 157-D/2017 (UNILEX) – permite expressamente tal coexistência no mercado nacional no caso das embalagens rotuladas em conformidade com a legislação de outros Estados-membros da UE. No entanto, se não se esclarecer de forma inequívoca que um determinado ícone e/ou menções se referem a um mercado específico, existe o risco concreto de que o consumidor não elimine os resíduos da embalagem como deve fazer.

Que, a nível europeu, o objetivo último seja a definição de um quadro jurídico mais harmonizado para a rotulagem ambiental das embalagens não se infere apenas da proposta legislativa atualmente em discussão.

Em fevereiro deste ano, a Comissão Europeia abriu um procedimento de infração contra a França. Segundo o executivo comunitário, para além de não ter sido previamente notificada em conformidade com a Diretiva (UE) 2015/1535, a legislação francesa em matéria de rotulagem ambiental das embalagens integra uma violação do princípio da livre circulação das mercadorias, exigindo-se tal marcação também no caso das embalagens fabricadas noutros países da UE. Além disso, questiona-se a proporcionalidade da normativa francesa pois, devendo utilizar-se mais material no fabrico das embalagens para efeito das informações ambientais que têm de figurar no rótulo, vai consequentemente aumentar a quantidade de resíduos dessas embalagens.

O novo sistema de rotulagem ambiental europeu para as embalagens (alimentares e não) e para os respetivos ecopontos deverá aplicar-se a partir de 2028. Resta-nos ver, no entanto, se esta medida será suficiente para sensibilizar os consumidores a efetuar a triagem dos resíduos das embalagens na sua própria casa tal como indicado na rotulagem. As disposições legais e os esforços da indústria alimentar que visam tornar as embalagens mais sustentáveis serão frustrados caso os padrões de consumo não evoluam no mesmo sentido.

Direito do Cliente a Copos de Água Gratuitos

Doutrina

Os clientes de empreendimentos turísticos, estabelecimentos de alojamento local e estabelecimentos de restauração e bebidas têm direito, desde 2021, a exigir a disponibilização gratuita de copos de água da torneira.

Este direito encontra-se previsto no art. 25.º-A-5 do DL 152-D/2017, na redação dada pela Lei 52/2021. Na versão do DL 102-D/2020, que aditou o art. 25.º-A, já se previa a disponibilização de água, mas admitia-se que esta tivesse custos, ainda que necessariamente inferiores ao da água embalada.

O regime pode ser incluído no âmbito do Direito do Consumo, tendo como objetivo claro a promoção de práticas sustentáveis e uma melhor gestão de resíduos.

O art. 25.º-A estabelece que, “nos estabelecimentos do setor HORECA, é obrigatório manter à disposição dos clientes um recipiente com água da torneira e copos não descartáveis higienizados para consumo no local, de forma gratuita”.

Vejamos a quem se aplica o diploma.

O direito é conferido a “clientes”. O regime não se aplica, portanto, apenas a consumidores. Qualquer cliente, seja ou não consumidor, tem direito à água. Exige-se, no entanto, que a pessoa seja cliente do estabelecimento. Isto significa que o direito pode apenas ser exercido por alguém que tenha, naquele momento, celebrado um contrato com o estabelecimento em causa. Se, por exemplo, alguém entrar num café e quiser apenas beber um copo de água, a norma não se aplica.

O direito pode ser exercido nos estabelecimentos do setor HORECA, o que inclui, nos termos do art. 3.º-1-iii), os empreendimentos turísticos, os estabelecimentos de alojamento local e os estabelecimentos de restauração e bebidas.

Os empreendimentos turísticos podem ser estabelecimentos hoteleiros (hotéis, aparthotéis, pousadas e hotéis rurais), aldeamentos turísticos, apartamentos turísticos, conjuntos turísticos (resorts), empreendimentos de turismo de habitação, empreendimentos de turismo no espaço rural [casas de campo (que podem ser turismo de aldeia) e agroturismo] e parques de campismo e de caravanismo (arts. 4.º e 11.º a 19.º do DL 39/2008).

Os estabelecimentos de alojamento local podem ser moradias, apartamentos, quartos ou estabelecimentos de hospedagem, incluindo hostéis (art. 3.º do DL 128/2014).

Nos termos do art. 2.º do RJACSR (Regime jurídico de acesso e exercício de atividades de comércio, serviços e restauração), considera-se estabelecimento de bebidas “o estabelecimento de serviços destinado a prestar, mediante remuneração, serviços de bebidas e cafetaria no próprio estabelecimento ou fora dele” e estabelecimento de restauração “o estabelecimento destinado a prestar, mediante remuneração, serviços de alimentação e de bebidas no próprio estabelecimento ou fora dele, não se considerando contudo estabelecimentos de restauração ou de bebidas as cantinas, os refeitórios e os bares de entidades públicas, de empresas, de estabelecimentos de ensino e de associações sem fins lucrativos, destinados a fornecer serviços de alimentação e de bebidas exclusivamente ao respetivo pessoal, alunos e associados, e seus acompanhantes, e que publicitem este condicionamento”.

Inclui-se no âmbito do regime qualquer tipo de restaurante, incluindo os que funcionam apenas em sistema de take away, cafés, pastelarias, bares ou discotecas, entre outros estabelecimentos.

A obrigação, de fonte legal, mas que pressupõe, como referimos, a existência de um contrato entre as partes, consiste em disponibilizar um recipiente com água da torneira e copos não descartáveis higienizados para consumo no local.

Podemos identificar aqui vários elementos.

A água tem de ser da torneira. O estabelecimento pode disponibilizar gratuitamente água embalada aos clientes, no exercício da sua autonomia privada, mas não pode deixar de, em simultâneo, disponibilizar a água da torneira, nos termos do regime em análise. Por razões de promoção da sustentabilidade, o cliente pode preferir a água da torneira. Naturalmente, não deve ser disponibilizada água que não seja adequada ao consumo humano. Se, em determinado momento, a água da torneira não estiver em condições de ser bebida, deixa de ser exigida a sua disponibilização. O estabelecimento deve, no entanto, fazer todos os esforços para normalizar a situação o mais rapidamente possível.

Os copos têm de ser não descartáveis e estar higienizados. Assim, o estabelecimento não pode cumprir a obrigação disponibilizando copos descartáveis, nomeadamente de utilização única, tendo de garantir o serviço de lavagem regular de copos.

O sistema deve permitir o consumo no local, não bastando que o consumidor tenha acesso à água com vista ao seu consumo fora do estabelecimento. O cliente pode beber mais do que um copo de água, mas terá de utilizar o mesmo copo. É a solução mais adequada ao objetivo de promover práticas mais sustentáveis.

Pode colocar-se igualmente a questão de saber o que significa “disponibilizar” a água, ou seja, se o estabelecimento tem de ter a água (numa garrafa) ou a própria torneira e os copos em local visível e de livre acesso pelo cliente para se servir ou se basta oferecer a possibilidade de, a pedido, fornecer a água e o copo. Em estabelecimentos de restauração e bebidas com balcão e recolha dos produtos pelo cliente antes de sentar ou de consumir, será uma boa prática permitir ao cliente que se sirva livremente. Nos estabelecimentos em que os produtos são servidos diretamente na mesa (por exemplo, a maioria dos restaurantes), deve entender-se que é suficiente trazer a água e os copos quando o cliente faz o pedido. Nestes casos, deve assinalar-se que o estabelecimento, se for pedida água, deve trazer água da torneira e não uma garrafa de água. Deve, no mínimo, perguntar ao cliente o que este prefere.

Tem-se tornado comum, em especial em restaurantes, fornecer a água em recipientes de vidro do próprio estabelecimento, dando a entender, ou dizendo-o diretamente, que se trata de água da torneira com algum tratamento, nomeadamente filtragem. Esta prática pode ser problemática, na medida em que pode confundir o cliente no que diz respeito ao direito em análise neste texto. O estabelecimento tem sempre de garantir a disponibilização gratuita de água da torneira, independentemente de fornecer água filtrada a troco de um preço.

O regime não prevê um dever de informação ao cliente, por parte do estabelecimento, o que pode ser problemático. Sem informação, o exercício do direito torna-se menos provável. Como se deixou escrito ao longo do texto, exige-se do estabelecimento, no mínimo, o esclarecimento, num pedido concreto de água por um cliente, da existência da opção prevista no diploma em análise.

Não ajuda ao esclarecimento dos consumidores uma frase que consta do relevantíssimo Guia preparado recentemente pela Direção-Geral do Consumidor e pela AHRESP com “Regras e Boas Práticas na Restauração”. Na p. 12, a propósito de “Copos de água”, pode ler-se que, “caso a disponibilização do copo de água da torneira implique um serviço por parte do estabelecimento, já poderá haver lugar a cobrança, desde que tal conste da lista de preços”. A única interpretação compatível com a lei parece ser a de que se alude aqui a serviços como a filtragem da água, mas tal prática não afasta, como já se deixou dito, a obrigatoriedade de fornecer também, a título gratuito, água da torneira (ainda que não-filtrada).

O direito previsto no regime encontra-se, tal como todos os direitos, limitado pelos princípios gerais do ordenamento jurídico, nomeadamente a boa-fé ou o fim económico e social. Haverá abuso do direito se, entre outras práticas, por exemplo, o cliente pretender beber um número excessivo de copos de água, utilizar mais do que um copo por pessoa num determinado momento ou utilizar a água para uma finalidade que não seja a de beber.

Kits de reparação self-service: sustentabilidade e (des)proteção do consumidor

Doutrina

No último trimestre de 2021 foi publicado o Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, que veio transpor para a Ordem Jurídica Portuguesa a Diretiva (EU) 770/2021 e a Diretiva (UE) 2019/771 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativas a contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais e contratos de compra e venda de bens, respetivamente.

Além do seu propósito de modernizar a legislação de Direito do Consumo e fazer refletir a realidade digital que atualmente faz parte da nossa vida, estas novas normas procuram também promover a sustentabilidade, como aliás é percetível em prorrogativas como a do artigo 21.º do referido Decreto-Lei, que prevê o dever de o produtor disponibilizar peças sobresselentes durante um prazo de 10 anos após a colocação da última unidade do bem em mercado, procurando prolongar a vida dos bens e evitando a sua substituição desnecessária.

É inegável que todo o processo de industrialização, assim como a adoção das novas tecnologias de produção em massa, tem impulsionado o desenvolvimento económico e sido absolutamente fundamentais para a melhoria da qualidade de vida de todos os que temos a sorte de poder aproveitar os resultados desta produção de bens.

Não obstante, é inevitável reconhecer que esses avanços têm tido um impacto significativo no meio ambiente, em particular para a nossa análise, nos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos. O Parlamento Europeu divulgou que se reciclam menos de 40% dos resíduos deste tipo de equipamentos, evidenciando um atraso notório na reciclagem em relação à produção.

Nesse sentido, tornou-se essencial implementar medidas que prevejam e promovam a sustentabilidade em todos os setores da economia, incluindo no setor dos equipamentos elétricos e eletrónicos. Este processo implica não só a busca por processos de produção mais eficientes e ecologicamente responsáveis, como também a redução do desperdício através da adoção de práticas que visem a reparação de bens de forma a conservá-los durante mais tempo, evitar a sua substituição desnecessária e, consequentemente, conservar o nosso planeta para as futuras gerações.

A interseção entre a industrialização e a sustentabilidade é fundamental para garantir um equilíbrio entre o progresso económico e a preservação ambiental.

Neste contexto, as empresas começam a pôr em prática a venda de kits de reparação em self-service, que consistem na venda ou aluguer de ferramentas e de peças específicas para que os consumidores possam, com a ajuda das instruções, também disponibilizadas, reparar os seus equipamentos eletrónicos em casa.

A Apple e a Samsung já disponibilizam estes kits de reparação em vários países da Europa, incluindo Espanha, pelo que se pode esperar que possa ser uma realidade em breve no nosso país.

Em primeiro lugar, importa distinguir esta realidade quando aplicada durante o período de responsabilidade do profissional (anteriormente conhecido como “garantia”) – três anos – ou num período posterior. Isto ocorre porque, do ponto de vista do comportamento do consumidor, a sua disponibilidade para aderir a este processo de reparação self-service pode variar consoante se encontre dentro ou fora do período de responsabilidade do profissional, no limite, mostrando mais ou menos resistência a estas novas soluções.

Durante os primeiros três anos, os consumidores podem sempre solicitar ao profissional a reparação dos seus equipamentos eletrónicos, pelo que não deverão tender a optar por adquirir, durante esse período, um kit de reparação self-service e correr o risco de abrir o equipamento e não conseguir reparar ou cometer algum erro e danificar ainda mais o seu equipamento eletrónico.

Esse risco existe porque, embora a garantia associada aos kit de reparação self-service seja sempre adicional em relação à garantia legal originária durante o período de responsabilidade do profissional, as empresas que venderam os bens podem não querer assumir a responsabilidade por erros que os consumidores possam cometer durante a reparação self-service, se não estiverem diretamente relacionadas com aspetos sob o controlo desses profissionais, por exemplo, defeitos nas ferramentas ou instruções deficientes ou insuficientes. Note-se que embora os kits de reparação self-service possuam uma garantia própria, esta deverá apenas incluir a sua conformidade e não o ato ou as consequências da reparação em si.

Os kits de reparação self-service serão, assim, uma solução mais atrativa para a fase da vida dos equipamentos eletrónicos após o término do período de responsabilidade do profissional. Isto ocorre porque, a partir desse momento, as reparações dos equipamentos já correm por conta dos consumidores e são frequentemente dispendiosas, levando muitas vezes os consumidores a pensar em “comprar um novo” em vez de reparar.

Agora, caso os kits de reparação self-service sejam vendidos por valores razoáveis, podem representar uma excelente alternativa, tanto para os consumidores, como para as empresas que valorizam a manutenção de clientela e os valores de sustentabilidade.

Em suma, tudo evidencia que Portugal pode em breve estar no radar destas empresas multinacionais de tecnologia e é positivo considerar estas opções de reparação para não só otimizar a vida nos nossos equipamentos eletrónicos, como também fomentar a consciencialização ecológica e sustentável que deve pautar os nossos comportamentos enquanto consumidores atentos e cautelosos.

Lei n.º 28/2023 – Mais uma peça no combate à obsolescência programada

Legislação

No passado dia 4 de julho, foi publicada no Diário da República a Lei n.º 28/2023, que procedeu à nona e mais recente alteração da Lei n.º 24/96, de 31 de julho (Lei de Defesa do Consumidor),

Esta lei veda a renovação forçada de serviços ou equipamentos cuja vida útil não tenha expirado.

Com efeito, o artigo 9.º, que tem como epígrafe “Direito à proteção dos interesses económicos”, tem agora no seu n.º 7 a seguinte redação: “É vedada ao fornecedor de bens ou ao prestador de serviços a adoção de quaisquer técnicas que visem reduzir deliberadamente a duração de vida útil de um bem de consumo a fim de estimular ou aumentar a substituição de bens ou a renovação da prestação de serviços que inclua um bem de consumo”.

Alterou-se a redação de 2021, resultante do DL n.º 109-G/2021, de 10 de Dezembro. A norma era semelhante e tinha como fim não se estimular ou aumentar a substituição de bens. Agora a prestação de serviços é expressamente contemplada, ficando o consumidor ainda mais protegido contra as práticas de obsolescência programada. Note-se que as expressões fornecedor e prestador de serviços eram já utilizadas no n.º 6 do mesmo artigo[1].

Como já referido neste Blog, o Novo Plano de Ação para a Economia Circular, a propósito do Pacto Ecológico Europeu[2] que visa transformar a UE numa economia com impacto neutro no clima, prevê o combate à obsolescência precoce como estratégia da UE no domínio da transição ecológica, domínio considerado prioritário na Nova Agenda do Consumidor[3]. O Pacto Ecológico Europeu pretende que a Europa seja o primeiro continente neutro do ponto de vista carbónico em 2050, o que passa por tecnologias mais ecológicas, que evitam compras recorrentes e desnecessárias.

Também a obsolescência programada é acutelada pelo Direito, designadamente pelo indicado DL de 2021 que transpôs parcialmente a Diretiva (UE) 2019/2161. Também a Diretiva (UE) 2019/770,  no artigo 8.º-1-b), relativo aos requisitos objetivos de conformidade, se refere a “funcionalidade, compatibilidade, acessibilidade, continuidade e segurança, que são habituais em conteúdos ou serviços digitais do mesmo tipo e que o consumidor possa razoavelmente esperar”, ainda que seja uma abordagem muito tímida[4] ao tema da obsolescência programada. Veja-se igualmente o considerando 32 da Diretiva (UE) 2019/771, onde se refere que “assegurar uma maior durabilidade dos bens é importante para se alcançarem padrões de consumo mais sustentáveis e uma economia circular”, devendo ser assegurada uma “durabilidade que é normal para bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar dada a natureza dos bens, incluindo a eventual necessidade de manutenção razoável dos bens”. A durabilidade é avaliada para efeitos de conformidade. Dado que vivemos numa sociedade altamente consumista, a UE reconhece que a transformação ecológica é indissociável da transformação digital[5], apostando assim no combate à obsolescência, quer precoce, quer programada.


[1] “É vedado ao fornecedor ou prestador de serviços fazer depender o fornecimento de um bem ou a prestação de um serviço da aquisição ou da prestação de um outro ou outros”.

[2] Pacto Ecológico Europeu [COM(2019) 640 final de 11 de dezembro de 2019].

[3] A Agenda abrange cinco domínios prioritários: (1) Transição ecológica; (2) Transformação digital; (3) Reparação e aplicação dos direitos dos consumidores; (4) Necessidades específicas de determinados grupos de consumidores; e (5) Cooperação internacional.

[4] Jorge Morais Carvalho, “Venda de Bens de Consumo e Fornecimento de Conteúdos e Serviços Digitais – As Diretivas 2019/771 e 2019/770 e o seu Impacto no Direito Português”, in Revista Electrónica de Direito, n.º 3, 2019, p. 76.

[5] Construir o futuro digital da Europa [COM(2020) 67 final de 19 de fevereiro de 2020].

Green Claims Directive Proposal: hello from the other side

Doutrina, Legislação

No passado dia 22 de março, foi divulgada a Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à fundamentação e comunicação de alegações ambientais explícitas (Green Claims Directive). Esta Proposta surge no seguimento da Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera as Diretivas 2005/29/CE e 2011/83/UE no que diz respeito à capacitação dos consumidores para a transição ecológica através de uma melhor proteção contra práticas desleais e de melhor informação, visando adensar o regime legal e complementar as propostas de alteração à Diretiva relativa às práticas comerciais desleais. Além da Green Claims Directive, também no passado dia 22 de março foi divulgada a Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho sobre as regras comuns para a promoção da reparação de bens e que propõe alterar o Regulamento n.º 2017/2394 e as Diretivas 2019/771 e 2020/1828.

 O mote da sustentabilidade no consumo já tinha sido dado em 2019, um ano mais longínquo do que há 4 anos atrás, com o Pacto Ecológico Europeu. A perspetiva de que o consumidor é também ele uma parte ativa na causa ambiental conheceu oficialmente a luz do dia há já quase meia década. Muitos anos depois, no final de 2020, com a Nova Agenda do Consumidor, a intenção de combate ao greenwashing ficou mais clara, sobretudo após ser detetada a proliferação do fenómeno. Greenwashing, para todos os efeitos, será a prática que consiste em maquilhar uma empresa ou um bem, apresentando-a/o como benigna/o ambientalmente (sustentável, portanto), sendo que essas características não têm correspondência de facto, visando atrair mais consumidores, sobretudo os interessados nessas características. Este é sem dúvida o momento para a discussão destas matérias, com uma União Europeia cada vez mais comprometida com o direito do consumo e suas ligações extraprivatísticas, mais uma vez se verificando o empenho da UE em regular para o seu tempo e no sentido das causas dos europeus.

A Proposta que esta semana veio a público representa uma tentativa de legislar o fenómeno do greenwashing, que já vem sendo bem conhecido como prática habitual junto dos consumidores. O setor empresarial foi expedito no ajustamento às intenções de consumo mais sustentável por parte dos consumidores nos últimos anos, prezando por alegações ambientais ou de sustentabilidade social mesmo quando (i) tais referências eram esvaziadas de conteúdo; (ii) tais referências eram absolutamente falsas; (iii) tais referências, sendo verdadeiras, dissimulavam práticas não sustentáveis.

Um estudo da Comissão que analisou 150 alegações ambientais, em vários produtos, verificou que 53,3% dessas alegações eram vagas, enganosas ou infundadas, 40% não tinham qualquer fundamento factual e 50% da rotulagem verde não era objeto de verificação (ou, sendo, era fraca). Os próprios consumidores apresentam desconfiança em relação a estas alegações ambientais, em geral. Se, por um lado, esse ceticismo é demonstrativo da maior atenção dos consumidores em relação à atuação do profissional, por outro prejudica claramente a sua disponibilidade de escuta de alegações fidedignas, fazendo com que o consumidor, muitas vezes, ao duvidar da alegação, fique paradoxalmente desinformado.

Neste sentido, a Proposta de Diretiva relativa à capacitação dos consumidores para a transição ecológica já apresentara, em 2022, algumas medidas legislativas tendentes à superação do greenwashing. Especificamente no que ao diploma das práticas comerciais desleais diz respeito, são de destacar as seguintes propostas de alteração:

(i) Alargamento da lista das ações consideradas enganosas, estabelecidas no artigo 6.º, n.º 1 da Diretiva 2005/29/CE, visando incluir os conceitos de “impacto ambiental ou social”, “durabilidade” e “reparabilidade”;

(ii) Alteração do artigo 6.º, n.º 2 da mesma Diretiva, no sentido de se poder considerar enganosa, no seu contexto factual, a apresentação de uma alegação ambiental que não assente em compromissos e metas claras, objetivas e verificáveis, nem um sistema de controlo independente;

(iii) Aditamento de novas práticas comerciais que devem ser consideradas desleais em qualquer circunstância (artigo 5.º, n.º 5 da Diretiva e Anexo I), nomeadamente:

– Exibição de um rótulo de sustentabilidade que não se baseia num sistema de certificação ou que se baseia num sistema de certificação que não foi criado por autoridades públicas;

– Fazer uma alegação ambiental genérica para a qual o profissional não consegue demonstrar um desempenho ambiental reconhecido e relevante para a alegação;

– Fazer uma alegação ambiental sobre o bem na sua totalidade quando se refere apenas a uma determinada parte desse bem;

– Apresentar como característica distintiva do bem requisitos impostos por lei a todos os bens no mercado da União.

Na mais recente Proposta (Green Claims Directive), é reforçada a intenção de prevenção de manobras de greenwashing, regulando a forma como as empresas fundamentam e comunicam as suas alegações sustentáveis. No artigo 3.º, é proposto o estabelecimento de requisitos específicos quanto aos contornos de fundamentação das alegações ambientais que o profissional faça. Com particular interesse para o consumidor, no artigo 5.º são propostos os moldes de comunicação das alegações ambientais, nomeadamente, entre muitos outros, a inclusão da informação acerca de como o consumidor deve utilizar o bem de forma a obter o desempenho ambiental esperado e alegado (n.º 3). Estes moldes de comunicação são bastante alargados, provavelmente demasiado. Por outro lado, a Proposta vem também procurar regular as alegações ambientais comparativas, estabelecendo igualmente a forma como estas devem ser comunicadas ao consumidor. Além disso, como não poderia deixar de ser, a Proposta vem apresentar os requisitos que devem ser respeitados para que o profissional possa utilizar um determinado sistema de certificação ambiental. Muito interessante notar que um desses requisitos se prende com a existência de um sistema de reclamações e de resolução de litígios para questões relacionadas com a rotulagem/certificação. Não é menos interessante que a Proposta pareça sugerir que se encete o caminho para a diminuição da proliferação de sistemas de certificação, o que se compreende, considerando os já 230 rótulos disponíveis na UE.

Todas estas propostas são passíveis de contribuir para a promoção de consumidores mais informados e para o desincentivo à implementação de práticas de greenwashing pelo setor empresarial, como é evidente. No entanto, não é tão claro que o resultado da implementação de todas estas propostas venha a refletir-se em consumidores melhor informados, sobretudo se atentarmos na imensa quantidade de informação que deve ser comunicada ao consumidor (também) neste potencial diploma legislativo. Além disso, importa precisar que o caminho atual não se basta com uma estratégia de regulação a estrear do fenómeno. Na verdade, agora, importa justamente também implementar estratégias que devolvam a confiança e a certeza aos consumidores.

Era uma vez a Shein na Web Summit

Doutrina

No segundo dia da Web Summit 2022, em Lisboa, Donald Tang, vice-presidente executivo da chinesa Shein, subiu ao palco. Muito disse sobre o modelo de negócio, as revoluções na indústria da moda e a devoção ao consumidor. Sobre violação de direitos humanos nas cadeias de abastecimento, exploração laboral, contrafação e outros que tais, nem uma palavra. Mas, também, sem moderador, quem é que ia lembrar-se realmente de perguntar?

Tang soube onde colocar a tónica. Entre “a escolha de colocar o cliente no centro é a nossa estrela do Norte” e “estamos sempre a ouvir o consumidor”, foi possível perceber que a Shein aposta na produção de até 200 unidades de cada peça, apenas avançando para maiores volumes se a intenção de compra for clara – isto é, se se notar uma tendência de consumo[1].

Ao nível da sustentabilidade a ideia não parece mal pensada: menos produção, menos recursos, menos desperdício em vão. Um desaproveitamento de “apenas 2%”, nas palavras do americano. Há aplausos que precisam de ser dados. O problema começa quando Tang afirma, quase orgulhoso, que entre o design do bem e a respetiva confeção passam no máximo 14 dias, podendo até passar menos[2]. Uma coisa é certa – a Shein ouve mesmo o consumidor. Pudesse o trabalhador ter a mesma sorte.

Obrigatoriedade de produção de 500 peças por dia por funcionário, 2 a 4 cêntimos de pagamento por unidade, 12 a 18 horas de trabalho diário, 1 dia de descanso por mês é quanto vale, no fim de contas, uma empresa avaliada em biliões de dólares[3].

Depois de tantas benesses, Tang afirmou ainda que a gigante se prepara para integrar o mercado em segunda mão, acompanhando as mais recentes tendências de consumo circular. Um intencional “queremos revolucionar a moda tradicional através da tecnologia, tornando-a acessível e inclusiva” conquistou, certamente, a assistência. Mas só quando Tang deixou cair um ponderado “se querem tornar o mundo mais sustentável, venham trabalhar connosco” é que a plateia de ativistas se revoltou. Ou talvez não, que não estava lá nenhum.

Para todos os que assistiam, Donald Tang esclareceu, de uma vez por todas, que o nome da marca não se pronuncia “Shine”, antes “She-in”. Em qualquer dos casos, ficou mais do que evidente que She is definitely In trouble.


[1] Observador, “Vice-presidente da Shein («diz-se She In»): ‘Se querem tornar o mundo mais sustentável, venham trabalhar connosco’”, 2.11.2022, disponível em https://observador.pt/2022/11/02/vice-presidente-da-shein-diz-se-she-in-se-querem-tornar-o-mundo-mais-sustentavel-venham-trabalhar-connosco/. Renascença, “Empresa chinesa de ‘fast fashion’ lança plataforma para venda em segunda mão”, 2.11.2022, disponível em https://rr.sapo.pt/noticia/economia/2022/11/02/empresa-chinesa-de-fast-fashion-lanca-plataforma-para-venda-em-segunda-mao/306291/.

[2] Jornal de Negócios, “Shein demora 10 a 14 dias entre design e fabrico de cada peça”, 2.11.2022, disponível em https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/web-summit/detalhe/e-o-primeiro-dia-oficial-da-web-summit-no-palco-principal-fala-se-da-alexa-da-amazon.

[3] David Hachfeld e Timo Kollbrunner, “Toiling Away for Shein Looking Behind the Shiny Façade of the Chinese «Ultra-Fast Fashion» Giant”, 11.2021, disponível em https://stories.publiceye.ch/en/shein/. Channel 4, Untold: Inside the Shein Machine (documentário), 17.10.2022. Madeline A. James, “Child Labor in Your Closet: Efficacy of Disclosure Legislation and a New Way Forward to Fight Child Labor in Fast Fashion Supply Chains”, in The Journal of Gender, Race & Justice, vol. 25, n.º 1, 2022, disponível em https://jgrj.law.uiowa.edu/online-edition/volume-25-issue/child-labor-in-your-closet-efficacy-of-disclosure-legislation-and-a-new-way-forward-to-fight-child-labor-in-fast-fashion-supply-chains/.

Alegações Ambientais e o Ecobranqueamento: a defesa dos direitos dos consumidores no âmbito da transição verde

Legislação

Existe atualmente um crescente impacto da comunicação comercial com recurso a alegações ambientais que visam influenciar as decisões de compra do consumidor. Tornou-se banal depararmo-nos com referências à sustentabilidade ou reciclabilidade de um produto. Proliferaram os selos, logos e certificações. A utilização de expressões como “Green” ou “Eco” foram banalizadas e alegações ambientais genéricas e vagas são muitas vezes uma prática no mercado.

A 30 de março de 2022 foi publicada pela Comissão Europeia, a Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera as Diretivas 2005/29/CE e 2011/83/UE, no que diz respeito à capacitação dos consumidores para a transição ecológica através de uma melhor proteção contra práticas desleais e de melhor informação.

Na preparação da Proposta, foram consultados mais de 12.000 consumidores, empresas, autoridades nacionais dos Estados-Membros e especialistas na área do consumo e Direito do Consumo, tendo a mesma revelado que o receio do ecobranqueamento tem impedido os consumidores de participar mais ativamente na transição verde. A questão da fiabilidade da informação surgiu como a principal questão para o consumidor.

A viabilidade da reparação dos produtos foi identificada como passível de permitir aos consumidores uma escolha de produtos mais sustentáveis e, por sua vez, uma melhor informação sobre a durabilidade dos mesmos foi identificada como a melhor opção para capacitar os consumidores na transição ecológica, permitindo assim uma economia circular.

É de grande importância e de se sublinhar a crescente atenção dada pela Comissão Europeia à temática das alegações ambientais. A Proposta visa, entre outros objetivos, a proteção dos consumidores no âmbito de práticas comercias desleais que induzam o consumidor em erro quanto às suas escolhas de consumo sustentável, reforçando o princípio do direito à informação.

É uma das iniciativas previstas na Nova Agenda do Consumidor e no Plano de Ação para a Economia Circular e dá seguimento ao Pacto Ecológico Europeu, mais conhecido como o Green Deal.

Mais precisamente, a Proposta visa, entre outros, impedir as práticas de ecobranqueamento, de obsolescência precoce e de utilização de rótulos, selos e certificações não fiáveis.

São adicionadas dez práticas comerciais ao elenco constante no anexo I da Diretiva 2005/29/CE que devem ser consideradas desleais em quaisquer circunstâncias, sendo três delas sobre o tema das alegações ambientais.

O foco recai igualmente sobre as informações pré-contratuais, sendo alterada a Diretiva 2011/83/EU. A Proposta introduz os conceitos de durabilidade e reparabilidade dos produtos, temas relacionados com a obsolescência programada/precoce, sendo curiosamente introduzida uma pontuação de reparabilidade. O consumidor é assim capacitado para uma participação mais ativa na economia circular.

No que dirá respeito à durabilidade, passa a ser necessária a prestação de informação sobre a existência e a duração da garantia comercial de durabilidade dos produtos, sempre que o produtor disponibilize essa informação. Notamos que estas alterações são estendidas à celebração de contratos à distância e de contratos celebrados fora do estabelecimento comercial.

Trata-se portanto de uma Proposta com o objetivo claro de contribuição para o bem-estar dos consumidores europeus e para a economia da UE.

No âmbito nacional assinala-se igualmente um crescente foco nas temáticas trazidas pela transição verde.

A Direção-Geral do Consumidor (DGC) é a entidade pública em Portugal que tem por missão a definição e execução da política de defesa do consumidor, sendo responsável pelo acompanhamento e fiscalização da publicidade em Portugal e se tem movimentado numa ótica de sensibilização e informação tanto junto dos profissionais como dos consumidores.

Em Outubro de 2021, foi lançado pela DGC e pela Auto Regulação Publicitária, um guia explicativo, que visa orientar os profissionais para práticas transparentes e capacitar o consumidor para escolhas mais conscientes tendo em conta as implicações ecológicas dos seus hábitos de consumo.

São exemplificadas boas e más práticas, sendo claro que qualquer alegação ambiental deverá ser “verdadeira, precisa e capaz de ser comprovada através de provas científicas”, que por sua vez deverão estar disponibilizadas ao consumidor de forma imediata e junto da alegação em causa, devendo a linguagem ser acessível e clara.

É assim que aguardamos com expectativa as negociações e emendas do Parlamento Europeu e do Conselho, a publicação da Diretiva e a sua posterior transposição, sendo certo que todo o trabalho efetuado a nível Europeu e em Portugal permitirá uma maior capacitação do consumidor para um consumo sustentável, circular e consciente das suas implicações ecológicas.

“Sustainable development is development that meets the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs.” Gro Harlem Brundtland, Líder internacional em desenvolvimento sustentável.

A GOVERNANÇA NA AGENDA “ESG” E O MUNDO CORPORATIVO PÓS COP-26

Doutrina

Na semana em que se encerra a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), principal cúpula da ONU para debate sobre questões climáticas, realizada entre os dias 1 e 12 de novembro deste ano, em Glasgow, na Escócia e atendendo ao desafio de pesquisa que tem seguido o NOVA Consumer Lab sobre os pilares do ESG, já tratado anteriormente aqui e aqui, é chegada a hora da análise do impacto da responsabilidade da governança nas tomadas de decisão corporativa.

Na análise do tema ESG nos dias atuais, aparentemente o “G”, representante do pilar “Governance”, tem sido frequentemente esquecido em detrimento da prioridade que vem sendo dada aos elementos relacionados a questões climáticas e implicações sociais na análise de riscos e oportunidades empresariais.

A governança, entretanto, refere-se a fatores essenciais da tomada de decisão corporativa quando relacionada diretamente ao “modus operandi” de como as companhias devem se coordenar internamente, partindo desde o estabelecimento da ética e valores corporativos, passando por toda estrutura organizacional, até o delineamento das estratégias empresariais, política de transparência, sistemas de compliance e direitos dos acionistas. Importa ressaltar aos consumidores, muitas vezes desavisados, que é justamente este elemento que esteve no centro de alguns dos recentes e maiores escândalos empresariais, como foi no caso da “Dieselgate” pela Volkswagen, ou no caso da fuga de dados, pelo Facebook.

Ambos os casos, como se sabe, estão relacionados a possível ausência de uma governança diligente.

Práticas antiéticas como clientelismo, conflitos de interesse ou práticas comerciais impróprias podem ter um impacto devastador sobre uma empresa e seus acionistas, mas ainda pior sobre os consumidores. São os fatores inseridos na letra “G” que indicam as regras e procedimentos para países e corporações que permitem que os investidores e consumidores selecionem as práticas de governança que consideram adequadas, assim como fariam para questões ambientais e sociais.

São ainda consideradas questões de governança de alto perfil o modelo de gestão, como é o caso da política de responsabilidade social corporativa, ou ainda a promoção do respeito pelos Direitos Humanos, nos domínios da não discriminação e igualdade de oportunidades, liberdade de associação e negociação coletiva. Todos elementos que apontam para o fato de que a boa governança mitiga e controla os riscos para evitar má gestão, escândalo potencial e sanções regulatórias.

Em uma pesquisa realizada, recentemente, pela empresa financeira americana MSCI Inc., ainda que a longo prazo as questões ambientais e sociais agregadas ao setor empresarial tenham maior impacto financeiro e influenciem mais a exposição de uma companhia, resta demonstrado que, a curto prazo, os indicadores de governança apresentam os melhores resultados a nível financeiro.

A União Europeia reforça a importância dos aspetos de Environmental, Social and Governance (ESG) para os investidores, ao promover a Diretiva de Informação Não Financeira (2014/95/UE), já transposta para a legislação portuguesa através do Decreto-Lei n.º 89/2017, de modo que grandes empresas que sejam entidades de interesse público estejam obrigadas a divulgar informações não financeiras relativas às áreas sociais, ambientais e de governo societário. 

Sendo ainda mais ousada, a CMVM disponibilizou, em fevereiro deste ano, um modelo de relatório, não vinculativo, “para a divulgação de informação não financeira pelos emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação, em particular a informação relativa a fatores ambientais, sociais e de governação (“environmental, social and governance“, ESG)”.

A divulgação do ESG tem sido uma prioridade na agenda dos reguladores globais. A UE foi pioneira, lançando módulo por módulo, com base no plano de ação geral lançado em 2018, e segue com bons exemplos que se estendem até agora, incluindo benchmarks climáticos e o Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis ​​(SFDR).

Outras jurisdições estão seguindo o exemplo. A questão está recebendo cada vez mais atenção dos reguladores dos EUA, com a política climática sendo uma das principais prioridades do governo Biden. Ainda assim, é fundamental passar da agenda à ação.

Esse foco tem se demonstrado como o principal ponto de alinhamento global quando, para além de dados financeiros, a responsabilidade corporativa hoje fundamenta-se, sobretudo, no cumprimento de novas regras que vão, para além de números monetários, aos números associados à transição climática, atitudes sociais, políticas culturais e de gênero, transparência, valores éticos e boa governança.

Ainda há mais trabalho a fazer e esperamos que a COP26 leve a ações mais concretas. Sabemos que a implementação de uma agenda em favor do ESG demanda tempo e exige um cronograma gradual para uma implementação viável, mas é importante estar atento ao devido valor de cada um dos elementos inerentes a esta nova realidade para não a perder de vista.

A omissão da informação sobre as características éticas do bem: um exercício de prognose

Doutrina

Desafiada pela Alyne Calistro a produzir uma sequela do seu tão interessante texto As Práticas ESG e o Greenwashing – Pela Busca da Informação Verdadeira, a quem muito agradeço o repto, parece ser de especial urgência responder à questão que nos endereça:

Sob o manto da preocupação com a ESG – Environment, Social and Governance, como saberá o consumidor se tais práticas ocorrem verdadeiramente?

Pois bem, o consumidor, à partida, não poderá ter a certeza. Todavia, poderá desconfiar que tais práticas benignas não ocorrem, o que pode revelar-se o pior cenário que pode acontecer ao vendedor e ao produtor.

Se, por um lado, o consumidor médio não se demora na inspeção minuciosa da ética subjacente à produção de um produto, por outro está cada vez mais capacitado – ou, pelo menos, sensibilizado – para identificar um determinado método de produção tendencialmente associado à exploração laboral e infantil.

Até aqui, parece-nos, temos observado um panorama em que os produtores que são omissos quanto à informação das suas práticas laborais, sejam elas tidas como benignas ou negativas, têm beneficiado com o seu comportamento límbico. O consumidor tende, provavelmente, a entender o seu estado de desconhecimento face ao método de produção do bem como uma verosimilhança ao real método de produção. Não será também difícil imaginar que suceda um raciocínio de desresponsabilização perante o problema social em causa, assumindo que outras instâncias poderão (e deverão) ocupar-se da questão.

Não nos esqueçamos que qualquer um destes raciocínios ou qualquer outro diferente destes são processados num ínfimo período de tempo, isto é, a decisão de contratar do consumidor, pelo menos perante um bem de consumo de valor não muito avultado, não se compadece com longas análises de custo-benefício, muito menos com considerações de caráter ético.

É precisamente neste ponto que, em jeito de juízo de prognose, entendemos que, muito em breve, não informar o consumidor acerca dos padrões éticos do bem poderá vir a ser o pior que pode acontecer ao vendedor e, sobretudo, ao produtor (quando este não coincide com aquele).

A imagem do consumidor que dedica extensas horas à análise da política ESG do vendedor ou produtor é uma caricatura que apenas se observará em camadas muito específicas de cidadãos. A larga maioria dos consumidores não o faz nem o pretende fazer.

Portanto, se até aqui assistimos a um padrão de tendencial apatia perante a ausência de indicações acerca da ética do produto, por outro lado assiste-se ao surgimento de um movimento cada vez mais palpável, por parte dos consumidores, no sentido da implementação de práticas ambiental e socialmente mais sustentáveis

Parece-nos que as duas situações apresentadas neste texto se irão cruzar em breve: o consumidor quererá comprar bens sustentáveis e penalizará os produtores e os vendedores que não o informarem sobre essas características, não tanto por um imperativo ético, mas porque necessitam de tais informações para a tomada de decisão de contratar que não estão disponíveis.

Naturalmente, a confirmar-se a nossa previsão, chegarão novos e mais pesados desafios para o combate ao greenwashing.

As falácias e o caminho para o fim do plástico descartável em Portugal

Doutrina

Atenção: 91% do plástico utilizado no mundo não é reciclado. É esta a surpreendente informação, resultado de um estudo, publicada ainda em 2017 na revista científica Science Advances, que tem colocado cada vez mais claramente, não somente na ordem do dia, mas nos objetivos centrais das políticas públicas mundiais, um novo problema: o consumo dos plásticos descartáveis e seu respetivo destino final.

Todos os anos são produzidos cerca de 58 milhões de toneladas de plástico na Europa, 40% dos quais para embalar produtos[1]. Na União Europeia, “80 % a 85 % do lixo marinho é constituído por plástico segundo medições realizadas por meio de contagens nas praias, sendo que os artigos de plástico de utilização única representam 50%”[2]. Só em Portugal, cada pessoa gera 31 quilos de resíduos plásticos por ano, de acordo com a Comissão Europeia.

Nesta senda, em 2018, a União Europeia começou a demonstrar um foco especificamente sobre o problema dos plásticos descartáveis e, desde então, tem trabalhado ativamente com um robusto plano para reduzir sua utilização até 2026.  Por meio da Diretiva (UE) 2019/904, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 05 de junho, relativa à redução do impacto de determinados produtos de plástico no ambiente, a ideia é banir este material de diversos objetos de uso quotidiano, dado que podem já ser produzidos exclusivamente a partir de matérias-primas de fontes renováveis.

O problema dos plásticos descartáveis, que assistiu a um admirável crescimento nos últimos dois anos em razão das questões sanitárias associadas à pandemia de COVID-19, teve, entretanto, um contraponto em Portugal com a publicação, em Diário da República, do Decreto-Lei n.º 78/2021 de 24 de setembro, que transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a diretiva europeia acima citada.

O diploma que proíbe a comercialização de plásticos de uso único, como cotonetes, talheres, pratos, palhinhas ou recipientes de poliestireno expandido, deverá ser aplicado a partir do próximo dia 1 de novembro. Para além, ele traz medidas de prevenção e redução do impacto de determinados produtos de plástico no ambiente, mais especificamente nos mares e florestas, voltando-se à promoção de uma economia circular com modelos de negócio, produtos e materiais inovadores e sustentáveis.

O documento vem ainda na mesma toada de outros diplomas nacionais sobre o assunto, como é o caso, sobretudo, do Decreto-Lei 102-D, de 10 de dezembro , que aprova o regime geral da gestão de resíduos, o regime jurídico da deposição de resíduos em aterro e altera o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos, transpondo as Diretivas (UE) 2018/849, 2018/850, 2018/851 e 2018/852. Entre seus elementos de maior impacto na vida dos consumidores portugueses, o DL n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro ao alterar o  Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro, veio a reforçar a proibição da “disponibilização gratuita de sacos de caixa, isto é, sacos com ou sem pega, incluindo bolsas e cartuchos, feitos de qualquer material, em qualquer estabelecimento comercial”, regra em vigor desde 01 de julho deste ano.

Fato interessante, entretanto, é que apesar do esforço comunitário  no combate ao plástico descartável, a UE terá de encontrar cada vez mais alternativas circulares e ecológicas para gerir os resíduos de plástico sem escalonar a incineração e deposição de resíduos em aterro, especialmente após a recente proibição da China às importações de resíduos de plástico. Isto porque, de acordo com informações divulgadas pelo próprio Parlamento Europeu, “metade do plástico recolhido para reciclagem é exportado para ser tratado em países fora da UE”.

Mais ainda, é necessário ressaltar que as normativas devem se voltar não somente à redução do consumo de plástico, mas também a evitar o greenwashing, já abordado pelo Nova Consumer Lab, aqui, e a substituição de um produto descartável por outro, igualmente nocivo ao meio ambiente a à biodiversidade.

As alternativas ao uso do plástico descartável vão desde bambu, cana-de-açúcar, amidos, plástico reciclado, algas, alumínio, vidro, papel, cartão, cascas de banana, folhas de palmeira e todo um novo mundo de economia “eco friendly”. Entretanto, de nada resultaria a redução do plástico descartável, se outras matérias-primas, substâncias químicas estiverem a se espalhar pelos oceanos.

A má notícia vem quando um estudo recente, realizado a pedido da BEUC, organização europeia de consumidores, revelou ter encontrado substâncias químicas em louças descartáveis não plásticas, em tigelas descartáveis de fibra vegetal, em cartuchos de papel e louça feitas de folhas de palmeira. A pesquisa, feita em quatro países (Itália, Dinamarca, Espanha e França) demonstra que 53% dos produtos que foram analisados, muitos deles supostamente compostáveis e biodegradáveis, apresentaram produtos químicos tóxicos indesejados, compostos fluorados, que persistem na natureza por anos, além de gerarem efeitos nocivos à saúde. Como se pode imaginar, o cotonete de bambu, lançado na sanita, não é realmente melhor para os mares do que o seu antigo modelo em plástico.

Esta realidade faz-nos entender, justamente, que a mera proibição dos produtos de plásticos de uso único ou a criação de leis de combate aos descartáveis não é um fim em si mesmo. A redução do consumo, a promoção da reutilização e a consciencialização da recolha seletiva é que, de facto, podem ser a chave para o problema ambiental. De acordo com a própria secretária de Estado do Ambiente  em Portugal, Inês Santos Costa, “os produtos alternativos existem, é um facto. Mas o que não podemos é cair no erro de substituir um descartável por outro que até pode ter menos impacto, mas não deixa de ser um descartável”.


[1] Segundo informações disponibilizadas pela Deco-Proteste, em 30 de julho de 2021.

[2] Informações presentes na Diretiva Europeia (UE) 2019/904, contra o plástico descartável.