No dia 29 de maio de 2020, caracterizado por uma atividade legiferante particularmente intensa, o legislador voltou à temática dos espetáculos culturais e artísticos, alterando algumas das medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença Covid-19 que haviam sido estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 10-I/2020, de 26 de março, que em boa hora foi comentado no nosso blog.
A Lei n.º 19/2020, de 29 de maio, além de alterar algumas das medidas excecionais e temporárias introduzidas por aquele diploma, vem regular de forma especial (além de excecional) os festivais (de verão) e espetáculos de natureza análoga.
Comecemos a nossa análise pelas alterações introduzidas.
Quanto ao âmbito temporal de aplicação, estende-se a aplicação do regime aos espetáculos reagendados ou cancelados cuja realização estivesse prevista até dia 30 de setembro deste ano (2.º-1), eliminando-se a referência ao final do estado de emergência que constava da versão original.
Note-se que este regime excecional se aplica aos eventos que não possam ser realizados na data e hora previstas (1.º-1 do DL n.º 10-I/2020, de 26 de março). O novo n.º 2 do art. 2.º vem auxiliar a interpretação daquele preceito, considerando-se que um evento não pode realizar-se quando seja proibido/interdito por lei ou quando as restrições que são colocadas pelas autoridades de saúde pública para a sua realização o “desvirtuem” ou tornem “economicamente inviável”. Estes dois conceitos indeterminados concedem ampla margem aos promotores de espetáculos para invocar a aplicação deste regime, sabendo que este lhes é favorável. De facto, o essencial deste regime excecional, que constava já do diploma original, é prever que aos espetáculos não realizados neste período não se aplica art. 9.º-1-a) do Decreto-Lei n.º 23/2014, pelo que o portador do bilhete não pode exigir de imediato a restituição da importância correspondente ao preço dos bilhetes, salvo se o evento for cancelado.
A alteração mais relevante ficou reservada para o artigo 4.º. No seu n.º 1, onde antes se referia apenas o dever de reagendamento dos espetáculos, sempre que tal fosse possível, passou a constar também uma limitação temporal para esse reagendamento. Assim, se a nova data para a realização do evento não for marcada até 30 de setembro, tal adiamento valerá e será tratado como um cancelamento, para todos os efeitos. Mantém-se o limite de 1 ano para a realização do evento adiado (n.º 2).
Não pode deixar de notar-se uma inversão legislativa, ainda que tímida, reduzindo o âmbito da prevalência do reagendamento sobre o cancelamento e limitando o período de incerteza a que os consumidores poderiam ficar submetidos.
Assim, no caso dos eventos adiados sem marcação de nova data até 30 de setembro, os portadores de bilhete terão direito ao reembolso do valor dos mesmos, a realizar no prazo máximo de 60 dias úteis a contar dessa data, nos termos do art. 5.º-3 do diploma (não alterado).
Vejamos, por fim, os aditamentos mais relevantes.
Primeiro, atenta a provisoriedade de qualquer medida adotada neste momento, compromete-se o Governo a anunciar com uma periodicidade mínima mensal a manutenção, levantamento ou adequação das restrições à realização de espetáculos ao vivo.
Por fim, estabelece-se um regime especial para os festivais e eventos e natureza análoga, proibindo-se a sua realização até 30 de setembro de 2020 (art. 5.º-A-1). Salvaguarda-se a possibilidade de o Governo, mediante recomendação da Direção-Geral da Saúde (DGS), prorrogar ou antecipar o fim da proibição, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito.
Excecionalmente, estes eventos poderão realizar-se, desde que cumpridas as regras de lotação máxima definidas pela DGS e mediante a marcação de lugares (n.º 2).
Não podendo ser realizados os festivais, têm os portadores de bilhetes direito à emissão de um vale de valor igual ao pago no momento da celebração do contrato, válido até 31 de dezembro de 2021, que pode ser utilizado para adquirir bilhetes para a nova data do mesmo espetáculo ou para outro espetáculo do mesmo produtor. Não utilizando o vale, o seu portador terá 14 dias para pedir o reembolso do valor correspondente.