O futuro dos carregadores na U.E. – A proposta de alteração da Diretiva 2014/53/EU

Doutrina

A proposta de Diretiva, do Parlamento Europeu e do Conselho, que altera a Diretiva 2014/53/EU, promete ser um diploma relevante para o dia-a-dia dos consumidores. Desde logo, deixará de ser necessário dedicar uma gaveta para os diferentes carregadores, adaptadores e cabos com diferentes entradas. Mas, sobretudo, o destaque está no impacto ambiental que a medida acarreta. De acordo com a informação disponibilizada, só em 2018, os dispositivos de carregamento foram responsáveis por cerca de 11 mil toneladas de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos, ditando que existisse, por parte da União Europeia, uma intervenção para dar resposta a este problema.

O desenvolvimento da proposta de diretiva

O processo de desenvolvimento da proposta em apreço teve o seu início em 2019, com um estudo de avaliação de impacto sobre carregadores de dispositivos portáteis. Este estudo concluiu que, para alcançar os objetivos ambientais propostos, seria necessário complementar a adoção de um carregador comum com a venda de carregadores em separado (unbundling).
Em 2020, foram comissionados dois estudos relativos ao tema: uma avaliação de impacto sobre o unbundling de carregadores e um estudo de suporte técnico sobre o carregamento sem fios (wireless charging).
Com esta base, a Comissão propôs, a 23 de setembro de 2021, a alteração da Diretiva 2014/53/EU relativa à harmonização da legislação dos Estados-Membros respeitante à disponibilização de equipamentos de rádio no mercado. Resumidamente, esta proposta contempla:

que a regra seja a não inclusão de carregadores com a aquisição de um novo equipamento de rádio;
o USB-C como o carregador comum entre telemóveis, altifalantes, câmaras digitais, tablets e outros equipamentos de rádio e respetivos acessórios;
mais informação para os consumidores sobre as características dos carregadores, se suportam fast charging, e quais os requisitos necessários para carregar um determinado dispositivo.

Recentemente, a 21 de janeiro de 2022, a proposta sofreu algumas alterações no Conselho da União Europeia, com destaque para o reforço do direito à informação e procedimentos a adotar face a futuras soluções de carregamento.

As críticas à proposta

Com o desenvolvimento da proposta, naturalmente, surgiram objeções, em particular dos agentes de mercado mais condicionados. A Apple, a principal afetada por esta alteração, considera que a proposta “sufoca a inovação”, em vez de a promover, indicando que uma solução comum pode ser prejudicial para os consumidores. A oposição da Apple é, por sua vez, alvo de frequente escrutínio por parte dos consumidores, visto que a Apple tem vindo a integrar, por iniciativa própria, o USB-C nos seus portáteis e tablets, mantendo o Lightning apenasnos seus telemóveis. Deste modo, dentro do próprio ecossistema desta empresa, podemos verificar inconsistência nas opções de carregamento.
A propósito da inovação, o já mencionado estudo de avaliação de impacto, de 2019, nas observações finais, indica que qualquer solução ao problema envolve trade-offs. Como exemplo, o estudo denota que implementar um conector comum nos dispositivos pode implicar efeitos negativos na inovação, ao reduzir os incentivos para as empresas investirem na pesquisa e desenvolvimento de tecnologia de carregamento. Não obstante, o mesmo estudo dispensa estes receios, referindo que “as consequências destas restrições parecem mais significativas em teoria do que na prática, atendendo à forma como o mercado está a evoluir presentemente, e ao interesse das empresas em garantir interoperabilidade”[1].

O unbundling

A grande novidade em relação ao texto normativo prévio prende-se com a introdução do art. 3.º-A à Diretiva 2014/53/EU, que prevê que, caso um operador económico ofereça aos consumidores e outros utilizadores finais a possibilidade de adquirir equipamentos de rádio em conjunto com um dispositivo de carregamento, é igualmente oferecida a possibilidade de adquirir o equipamento de rádio sem qualquer dispositivo de carregamento. Assim, os consumidores que já têm carregadores USB-C em casa, podem optar por adquirir apenas o equipamento de rádio, o que poderá trazer vantagens no que concerne ao preço final do produto e reduzir a sua pegada ecológica.

Direito à informação e rotulagem

Como consequência da implementação da regra anterior, acresce a responsabilidade em matéria de direito à informação. Se não incluir o carregador, e conforme à nova redação do art. 10.º, n.º 8, o dispositivo de rádio deve conter informação sobre as capacidades de carregamento e sobre qual o respetivo dispositivo de carregamento compatível. O mesmo artigo versa, no primeiro parágrafo, sobre a necessidade de incluir, de forma clara e percetível, uma descrição dos acessórios, componentes e software, que permitam o normal funcionamento do equipamento de rádio.

Relembrando a intervenção do Conselho da U.E., a recente alteração à proposta contempla neutralidade linguística nos elementos visuais de rotulagem, como pode ser visível nos pictogramas presentes nas partes III e IV do anexo.
Conforme à Parte III do anexo, para o consumidor identificar se o carregador vem incluído com o seu equipamento de rádio, deverá verificar na embalagem se, ao lado direito do símbolo do adaptador de corrente, está uma caixa com uma checkmark a verde. Na ausência desta sinalização, e estando a caixa em branco, o consumidor fica advertido de que o carregador não está incluído.
Na minha perspetiva, esta opção de pictograma poderá não ser suficientemente clara para muitos consumidores. O recurso à omissão de um símbolo, para efeitos da identificação da ausência de um bem, poderá ser um mecanismo de menor eficácia, quando comparado com o uso de um símbolo de negação (Ex: uma cruz por cima do símbolo do adaptador de corrente, ou outra sinalização semelhante).
Em relação à etiqueta presente na parte IV do anexo, esta servirá para que o consumidor consiga identificar os requisitos de energia para carregamento normal e carregamento rápido.
A etiqueta poderá conter “USB PD”[2] se um determinado dispositivo de rádio contemplar este protocolo de carregamento.

Sobre o futuro

Outras soluções de carregamento, como o wireless charging, são tratadas pela proposta de alteração da Diretiva. Sobre este ponto, os considerandos 9 e 13 apresentam uma visão de futuro, a propósito da matéria em apreço, ao indicarem a necessidade de adaptação consoante o progresso tecnológico e os desenvolvimentos do mercado. A incerteza sobre se a interoperabilidade poderá ser contornada através do wireless charging, é antecipada com a adição do n.º 4 ao atual art. 3 da Diretiva. Este número confere a flexibilidade necessária para a União Europeia poder aquedar a Diretiva “à luz do progresso técnico”, habilitando a Comissão a adotar atos delegados com vista à “alteração, aditamento ou supressão de categorias ou classes de equipamentos de rádio” e de “especificações técnicas, incluindo referências e descrições, relativas aos recetores de carregamento e aos protocolos de comunicação de carregamento, para cada categoria ou classe de equipamento de rádio em causa”. Nestes termos, quando for necessário proceder à revisão dos standards e a adequar as classes de equipamentos, a transição tenderá a ser menos morosa por existir uma moldura capaz se adaptar aos tempos.


[1] Tradução de minha autoria. Texto original: “the implications of these constraints seem more significant in theory than in practice, in view of the way the market is evolving at present, and companies’ own interest in ensuring interoperability”. Impact Assessment Study on Common Chargers of Portable Devices, página 143, disponível em: https://op.europa.eu/en/web/eu-law-and-publications/publication-detail/-/publication/c6fadfea-4641-11ea-b81b-01aa75ed71a1

[2] O USB PD é um protocolo que permite maiores velocidades de carregamento, ajustar a voltagem, otimizar a gestão de energia entre múltiplos acessórios, entre outras vantagens técnicas.

Comunicações Eletrónicas de Marketing Direto: Diretriz 2022/1 da CNPD

Legislação

Imaginemos que comprámos uma mangueira para regar a nossa estimada horta. Passados uns dias da referida compra, recebemos da mesma empresa um e-mail colorido e repleto de imagens apelativas a publicitar um sistema de aspersores, especificamente recomendado para ávidos apreciadores de jardinagem como nós. Inversamente, podemos imaginar que recebemos da mesma empresa um e-mail a sugerir uma promoção única de aquecimentos centrais, em nada relacionado com o nosso passatempo preferido. Imaginações à parte, ambas as situações não são análogas e põem em causa questões que, embora semelhantes, na sua diferença integram pontos de grande relevância para a análise do fenómeno das comunicações eletrónicas de marketing direto.

Embora o marketing direto no contexto digital não seja uma novidade para muitos de nós, importa relembrar que consiste numa estratégia de promoção de um produto ou serviço por parte de uma empresa e tem como target um potencial cliente. Este método pressupõe um interesse prévio do titular dos dados, por exemplo, através da aquisição no passado de um certo produto, podendo esta compra abrir a porta a uma futura relação contratual motivada pelo envio de sugestões que, potencialmente, despertem um novo interesse ao titular dos dados ou, alternativamente, da prestação de consentimento para o envio de comunicações de marketing direto.

No entanto, o problema poderá surgir com a maneira como as empresas utilizam os dados pessoais dos titulares dos dados. Uma vez que os primeiros atuam como responsáveis pelo tratamento dos dados pessoais, as comunicações de marketing direto podem estar sujeitas a certas limitações derivadas da legislação sobre proteção de dados pessoais, consoante as circunstâncias do caso concreto.

Nesse sentido, e após a receção pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) de um elevado número de denúncias relacionadas com comunicações não solicitadas, a Autoridade de Controlo Nacional na área de proteção de dados publicou, no passado dia 4 de fevereiro, a Diretriz/2022/1 sobre comunicações eletrónicas de marketing direto. Assim, a CNPD veio estabelecer algumas orientações para os responsáveis pelo tratamento dos dados e para os seus subcontratantes, tendo em vista a proteção do titular dos dados objeto destas comunicações diretas.

A CNPD destacou, atendendo ao disposto na Lei da Privacidade nas Comunicações Eletrónicas (Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto), que os fundamentos de licitude aos quais os responsáveis pelo tratamento (empresas) podem recorrer para o envio de comunicações eletrónicas de marketing direto são: o consentimento (no geral) e os interesses legítimos (apenas em alguns casos específicos).

Retomando o nosso exemplo inicial, imaginemos que adquirimos no passado uma mangueira da empresa XPTO, existindo assim uma relação prévia da XPTO connosco. O fundamento de licitude dependerá da incidência deste marketing: se for sobre produtos ou serviços análogos aos adquiridos, não será necessário o consentimento do titular dos dados, uma vez que se considera existir um interesse legítimo; pelo contrário, se for sobre produtos ou serviços diferentes dos que já adquirimos, o envio destas comunicações requer consentimento prévio e expresso do titular dos dados.

Assim, se a empresa XPTO nos quiser enviar comunicações sobre aspersores de rega, poderá fazê-lo sem solicitar o nosso consentimento (o tal interesse legítimo), no entanto, se as comunicações versarem sobre aquecimentos centrais, a XPTO necessitará do nosso consentimento, prestado de forma livre e inequívoca para o efeito.

Outro cenário possível será a utilização destes métodos de marketing direto quando não existe uma relação anterior entre a empresa e o titular dos dados, caso em que o destinatário destas comunicações necessita de dar o seu consentimento prévio para o caso. Esta é a situação em que nunca tivemos qualquer relação prévia com a empresa XPTO, pelo que esta última, caso queira enviar alguma comunicação, tem de antes solicitar o nosso interesse na mesma, sob a forma de consentimento, que deverá ser livre, específico, informado e inequívoco.

A CNPD adianta também que, independentemente das circunstâncias, o titular dos dados tem de ter sempre a possibilidade de recusar, de uma maneira fácil, intuitiva e sem qualquer custo associado, a utilização dos seus dados para efeitos de marketing direto. Está aqui em causa o direito de oposição, regulado no artigo 21.º do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e no n.º 3 do artigo 13.º-A da Lei da Privacidade nas Comunicações Eletrónicas, pelo que este direito poderá ser concretizado através de meios de opt-out/unsubscribe, devendo estas opções estar disponíveis tanto no momento de recolha dos dados como no momento de envio de todas as comunicações posteriores.

Já mencionamos que este mesmo consentimento tem de seguir as regras constantes do artigo 7.º do RGPD, nomeadamente, ser específico para um determinado fim, nunca podendo ser genérico. Desta forma, a CNPD dá-nos outra indicação: as entidades não podem usar, para fins de marketing direto, uma base de dados que um subcontratante tenha previamente obtido, pelo que o consentimento não será suficientemente específico nesse caso, dado que será prévio ao momento de contratação e não referente ao responsável pelo tratamento em concreto.

Consequentemente, a CNPD reforça que, na recolha de consentimentos, estes não podem ser ambíguos nem pouco transparentes na sua redação, devendo ser solicitados ao titular dos dados diretamente pela empresa (mesmo que através de subcontratante), que será o responsável pelo tratamento dos dados pessoais em causa. É ainda sublinhado que o tratamento de dados no âmbito de marketing direito é, em geral, de larga escala, pelo que os responsáveis devem tomar medidas de controlo e de mitigação de riscos, nomeadamente ponderar a realização de Avaliações de Impacto sobre a Proteção de Dados, de forma que se sejam respeitados os princípios basilares do RGPD.

Em suma, nunca será demais relembrar que, quer sejam mangueiras, aspersores ou aquecimentos centrais, é sempre importante fazer uma análise prévia da relação contratual e definir a estratégia de marketing direto com base nesses termos, sob pena de serem levadas a cargo atividades menos protetoras dos dados pessoais dos titulares dos dados. Como já dizia Bertrand Russell, “in all affairs it is a healthy thing now and then to hang a question mark on the things you have long taken for granted”.

Os novos prazos máximos dos contratos de crédito à habitação

Legislação

No passado dia 31 de janeiro, o Banco de Portugal (BdP) divulgou, através de comunicado, a emissão de uma recomendação macroprudencial relativa ao estabelecimento de novos limites à maturidade máxima das novas operações de crédito à habitação em função da idade dos mutuários.

Seguindo esta orientação, a partir de 1 de abril de 2022, a maturidade máxima dos créditos à habitação deve ser de 40 anos, para mutuários com idade inferior ou igual a 30 anos. Já para quem tem entre 30 e 35 anos, o prazo máximo recomendado desce para 37 anos. Para os mutuários com mais de 35 anos, o prazo máximo de contrato deve ser de 35 anos.

A este propósito, note-se que, já em julho de 2018, o supervisor tinha adotado uma recomendação dirigida à atividade de concessão de novos créditos a consumidores destinados à habitação, com garantia hipotecária ou equivalente, e ao consumo, através da qual introduziu limites a alguns dos critérios usados na aferição da solvabilidade dos mutuários. Nessa ocasião, determinou, ainda, que os novos contratos de crédito à habitação deveriam convergir do prazo máximo de 40 anos para uma convergência média de 30 anos.

No entanto, desde então, a prática na concessão de crédito não tem sido consentânea com esse desiderato. Segundo o Relatório de Acompanhamento da Recomendação Macroprudencial sobre Novos Créditos a Consumidores do BdP, publicado em março de 2021, verificou-se que, em dezembro de 2020, mais de 69% das novas operações de crédito à habitação apresentavam uma maturidade entre 30 e 40 anos. Relativamente à evolução da maturidade média das novas operações do crédito à habitação, apesar da diminuição de 33,5 anos para 32,6 anos entre julho de 2018 e dezembro de 2019, observou-se uma tendência de aumento em 2020. Assim, no final de 2020, a maturidade média fixou-se em 33,2 anos, um valor superior ao do limiar de 30 anos previsto para o final de 2022.

Ademais, entre 2018 e 2019, enquanto na generalidade dos países da União Europeia, a maturidade média das novas operações de crédito à habitação se situava entre 20 e 25 anos, entre nós, a maturidade média era superior a 30 anos.

Nessa sede, o próprio supervisor reconheceu que “a manutenção da maturidade média das novas operações de crédito à habitação em níveis elevados implica um risco acrescido para as instituições por implicar que as exposições de crédito ficarão vulneráveis a flutuações do ciclo económico e financeiro durante um período mais longo”. Adicionalmente, “maturidades mais elevadas diminuem a flexibilidade de reestruturação de créditos para mutuários em dificuldades financeiras”.

Em acréscimo, no Relatório de Estabilidade Financeira, publicado em dezembro de 2018, o BdP dava conta de que, na época, cerca de 62% do stock de crédito à habitação estava associado a mutuários cuja idade seria superior a 65 anos no momento do fim do contrato.

O retrato atual, é, por isso, preocupante: os portugueses contraem crédito à habitação relativamente tarde e preferem prazos extensos. O resultado no futuro? É fácil de antecipar: devedores, possivelmente, já retirados da sua vida ativa, mas ainda a braços com prestações mensais relativas ao contrato de crédito à habitação.

Neste cenário, já em final de 2018, o Governador do BdP de então, Carlos Costa, destacava que “a baixa taxa de poupança dos particulares constitui uma vulnerabilidade especialmente relevante em Portugal em face do envelhecimento da população e de um sistema público de Segurança Social que tem associado uma expectável redução significativa do rendimento desde o momento da reforma”. Esse risco, referia, aumenta “num contexto em que as famílias ainda apresentam um endividamento elevado e, sobretudo, com maturidades longas que ultrapassam a vida ativa dos mutuários”.

Assim, a recomendação do BdP, recentemente divulgada, emerge como uma tentativa de inversão deste ciclo, consolidando a posição já assumida em 2018. A lógica subjacente é a de encurtar o tempo máximo do empréstimo, em face da idade dos mutuários, de molde a procurar evitar que estes fiquem “presos” a compromissos creditícios até idade avançada, numa altura em que, expectavelmente, terão menos rendimentos para fazer face a essas despesas, em função da evolução conhecida do valor das pensões de reforma.

De resto, esta questão pode ter implicações práticas, desde logo, no papel que a habitação própria assume no quadro do complemento dos rendimentos na fase da reforma. Com efeito, para os proprietários livres de encargos, a habitação satisfaz as necessidades de alojamento a baixo custo. No entanto, ela pode ainda ser encarada como um ativo de salvaguarda, dado que, através de uma possível venda e da mudança para uma casa de menores dimensões, em face das novas necessidades familiares, é possível obter liquidez para complementar o valor da reforma, o que para aqueles que ainda mantêm obrigações associados à compra da habitação não se verifica[1].

Naturalmente, a medida macroprudencial não é vinculativa, mas o BdP alerta que continuará a monitorizar o cumprimento da recomendação e poderá adotar medidas adicionais para atingir o objetivo de convergência da maturidade média dos novos contratos de crédito à habitação para 30 anos, até ao final de 2022.

No imediato, para os consumidores, esta solução, de cariz essencialmente preventivo, encerra uma mensagem clara: um prazo menor para pagar um crédito significa prestações mensais mais elevadas. Esta preocupação acrescida, associada a uma possível subida das taxas de juro, em face de uma previsível escalada da inflação, podem adiar os planos de quem pensava comprar casa no futuro próximo, contribuindo para contrariar a tendência de crescimento que se vinha assinalando nas novas operações de crédito à habitação.


[1] Neste sentido, Romana Xerez, Elvira Pereira e Francielli Dalprá Cardoso, Habitação Própria em Portugal numa Perspetiva Intergeracional, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2019, página 39.

Internet das Coisas e os desafios de um futuro não tão distante

Doutrina

A designação é genérica e, sem dúvida alguma, abstrata, mas a Internet das Coisas (‘IdC’, ou, em inglês e como é mais conhecida, Internet of Things – ‘IoT’) apresenta-se como um setor que, embora ainda longe da sua maturidade, já faz parte do quotidiano da maioria dos consumidores. Foi, pois, com o propósito de “compreender melhor o setor da IdC para os consumidores, o panorama da concorrência, as tendências emergentes e potenciais questões relacionadas com a concorrência” que a Comissão Europeia lançou, em 16.7.2020, um inquérito setorial sobre a IdC cujo Relatório Final (‘Relatório’) foi recentemente publicado[1].

Uma possível, mas provavelmente incompleta, definição breve de IdC aponta a mesma como um sistema de dispositivos informáticos relacionados entre si com a capacidade de transferir dados através de uma rede sem necessidade de interação humana podendo ser monitorizados ou controlados remotamente via internet. É, no fundo, tornar os objetos comuns em objetos “inteligentes”, como acontece, por exemplo, com relógios ou eletrodomésticos.

O inquérito setorial conduzido pela Comissão teve uma participação interessante e do seu âmbito foram excluídos os veículos conectados, telemóveis inteligentes e tablets. O Relatório assenta em 5 pilares, cujas principais conclusões se apresentarão de seguida.

Em primeiro lugar, ao nível das características dos produtos e serviços da IdC, o Relatório conclui que o número de dispositivos e serviços “inteligentes” tem vindo a crescer, oferecendo, assim, mais opções para os consumidores. Atualmente, os assistentes de voz assumem-se como um dos motores do desenvolvimento dos produtos e serviços da IdC, pois é através de assistentes como a Alexa (Amazon), Siri (Apple) ou Google Assistant que os utilizadores conseguem aceder às mais diversas funcionalidades que os dispositivos “inteligentes” oferecem.

Seguidamente, o Relatório descreve as principais características da concorrência no setor, identificando, entre outros, “o custo do investimento em tecnologia e a situação da concorrência como os principais obstáculos à entrada ou expansão no setor da IdC para os consumidores” (Relatório, §13). O principal problema parece situar-se a montante, ou seja, no mercado dos assistentes de voz, onde, de acordo com os inquiridos, não são esperados novos operadores de mercado (pelo menos no curto prazo), fruto dos elevados custos de desenvolvimento e operação. É, pois, esta situação que conduz a que a estratégia comercial da maioria das demais empresas assente no desenvolvimento dos seus produtos e serviços “inteligentes” com a integração de um dos três principais assistentes de voz. Contudo, qual bola de neve, esta estratégia comercial, ainda que compreensível e racional, agudiza a incapacidade destas empresas em competirem, a montante, com os atuais players do mercado dos assistentes de voz; resultando, também, em problemas a jusante, pois estes últimos operadores têm também uma forte oferta de produtos e serviços “inteligentes”, beneficiando da sua integração vertical e ecossistemas próprios.

De facto, a interoperabilidade nos ecossistemas da IdC é, de igual modo, uma peça-chave deste setor para que seja assegurado, por um lado, o uso pleno das funcionalidades de que os consumidores podem usufruir e, por outro, o aumento das opções de escolha de produtos e serviços “inteligentes”, combatendo a concentração da oferta em alguns fornecedores. A este respeito, são os sistemas operativos e os assistentes de voz que desempenham o papel primordial na ligação dos diferentes ecossistemas da IdC. Contudo, os problemas apontados acima quanto à concentração do poder de mercado a montante em poucas empresas também se fazem sentir aqui, pois são empresas como a Google ou a Apple que impulsionam a integração dos seus sistemas operativos ou assistentes de voz noutros produtos/serviços “inteligentes”. De acordo com o Relatório, estas empresas impõem processos de certificação que, regra geral, controlam de forma unilateral e as várias especificações que permitem a interoperabilidade são disponibilizados mediante a celebração de um contrato que, de acordo com a maioria dos inquiridos, não são abertos a negociação, a não ser que se trate de uma contraparte com forte poder negocial.

Numa outra vertente, o Relatório também se foca nas normas e processo de normalização, ou seja, uma componente mais técnica com o propósito de estabelecer as normas pertinentes para a integração e ligação de dispositivos, assim como aquelas que devem garantir a qualidade e segurança das comunicações no âmbito da IdC. Os inquiridos apontam para uma grande variedade de normas, mas encontram-se divididos entre aqueles que apelam a uma maior homogeneidade destas normas e aqueles que entendem que a normalização não é sinónimo de melhores condições.

Por fim, a matéria dos dados (pessoais e não só) na IdC foi também abordada pelo Relatório, o qual dá conta de uma grande recolha de dados seja por introdução manual, seja de forma automática, por exemplo através do funcionamento em segundo plano. Um dos exemplos dados pelo Relatório (§28) é o de um sistema de aquecimento “inteligente” que pode ser capaz de “recolher dados sobre a temperatura e a qualidade do ar dentro de casa, o movimento, o momento em que o sistema de aquecimento é ligado e desligado, podendo igualmente registar o momento em que os utilizadores saem e entram em casa”. Como este exemplo, há vários outros dispositivos que têm uma presença constante na vida e nas casas dos consumidores, o que lhes confere um valor acrescentado bastante interessante, nomeadamente para a criação de perfis de utilizador, entre outros fins. Ainda que muitos dos inquiridos indiquem que esta oportunidade comercial se encontra num estado embrionário, a mesma deve ser acompanhada com atenção para que cumpra a legislação aplicável e de modo a preservar a confiança dos consumidores, a confidencialidade, bem como o acesso aos dados e a sua integridade.

O Relatório descreve um setor complexo, em franco crescimento e com vários desafios que devem ser trabalhados desde início, pois, como nos ensina a sabedoria popular, o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. É inequívoco que os assistentes de voz se assumem como o produto mais avançado no domínio da IdC e que poderá moldar o futuro deste setor. Como é evidente, tal questão, aliada à estrutura concorrencial que este mercado parece apresentar e à falta de incentivo para a entrada de novos operadores no mesmo, configura um dos principais desafios concorrenciais, nomeadamente através de potenciais práticas negociais abusivas que o Relatório já parece sugerir. Daqui também pode derivar um outro problema cada vez mais comum no direito da concorrência: o self-preferencing. Será importante garantir que dispositivos “inteligentes” com sistema operativo ou assistente de voz de uma empresa não sugiram, numa lógica preferencial, produtos ou serviços dessas mesmas empresas.

Em suma, o Relatório apresenta-se como uma primeira boa fotografia do setor e que, espera-se, já terá impacto em algumas iniciativas legislativas da União Europeia no âmbito da propriedade industrial e mercados digitais (Relatório, §52). Será interessante ir acompanhando os desenvolvimentos neste âmbito, de modo a garantir o sempre difícil equilíbrio entre o progresso tecnológico e as obrigações legais aplicáveis.


[1] Relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, relatório final – inquérito setorial sobre a Internet das Coisas para os consumidores {SWD(2022) 10 final}, de 20.1.2022 (COM(2022) 19 final. Disponível aqui.

“Garantia” das peças inseridas num bem no âmbito da sua reparação

Doutrina

A questão a que se pretende dar resposta neste pequeno texto consiste em saber se as peças inseridas no bem no âmbito de uma reparação beneficiam de uma “garantia legal”[1] autónoma e/ou nova em relação à do próprio bem. Para esta análise é fundamental refletir sobre o problema mais geral do destino da “garantia” em caso de substituição e de reparação.

A reparação a que este texto diz respeito é a reparação feita na sequência da falta de conformidade do bem, ao abrigo do artigo 15.º-1-a) do DL 84/2021. Se se tratar de uma reparação feita fora do período de responsabilidade do vendedor, às peças inseridas no bem é aplicável o DL 84/2021, nos termos do artigo 3.º-1-b), uma vez que estaremos perante um contrato misto com elementos de prestação de serviço e de compra e venda, tendo o consumidor os direitos previstos no diploma.

A matéria foi objeto de discussão em outubro de 2004, na sequência de pedido feito à UMAC (hoje NOVA Consumer Lab) pela Direção-Geral do Consumidor. Joana Galvão Teles, Pedro Félix, Sofia Cruz e eu preparámos, então, um parecer sobre “Venda de Bens de Consumo: Garantia das Peças Inseridas Num Bem no Âmbito da Sua Reparação”, posteriormente publicado na obra Conflitos de Consumo, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 225-244 (disponível aqui).

Apesar de o Comité Económico e Social e o Parlamento Europeu, nos seus pareceres, terem sugerido que se regulasse a matéria (defendendo-se o recomeço do prazo de “garantia” após a reparação), a Diretiva 1999/44/CE deixou a questão em aberto. O DL 67/2003, na versão originária, não resolveu a questão. Face a essa omissão, defendemos no referido parecer que “as peças novas colocadas no bem no âmbito da sua reparação, dentro do período da garantia legal, não eram abrangidas por um novo período de garantia legal”. Na nossa perspetiva, a lei deveria tratar da mesma forma os casos em que o consumidor exerce o direito à reposição da conformidade, quer este seja exercido através de reparação ou de substituição.

Em 2008, o DL 67/2003 foi alterado pelo DL 84/2008, passando a prever-se, no artigo 5.º-6, que, “havendo substituição do bem, o bem sucedâneo goza de um prazo de garantia de dois ou de cinco anos a contar da data da sua entrega, conforme se trate, respetivamente, de bem móvel ou imóvel”.

Ao contrário do que tínhamos defendido no Parecer, distinguiu-se expressamente entre a reparação e a substituição, tornando a substituição muito mais apetecível para o consumidor. Assim, face ao regime anterior, em caso de reparação, o período de “garantia” inicial continuava a correr, sem qualquer alargamento. Em caso de substituição, reiniciava-se esse período de “garantia”.

A lei não definiu, contudo, se às peças inseridas no âmbito de uma reparação era ou não aplicável o artigo 5.º-6. Na nossa perspetiva, embora com dúvidas, a resposta deveria ser negativa. Tratando-se de reparação (e não de substituição), não se estabelecia um novo período de “garantia”.

A Diretiva 2019/771 também não regula a matéria, sendo este um tema em relação ao qual os Estados-Membros mantêm alguma liberdade (v. considerando 44).

Ao transpor a Diretiva 2019/771, Portugal veio finalmente esclarecer a dúvida de forma expressa, utilizando a possibilidade conferida pelo referido considerando 44 na sua plenitude. Com efeito, no artigo 18.º do DL 84/2021 prevê-se o que acontece ao período de “garantia”, quer no caso de reparação, quer no caso de substituição.

Se se tratar de substituição, aplica-se o artigo 18.º-6, reiniciando-se o prazo, tal como estava previsto no regime anterior. Não há, aqui, novidades.

A novidade é a norma relativa à reparação (artigo 18.º-4), a qual abrange, naturalmente, os casos em que uma peça é inserida no bem no âmbito dessa reparação. Nesse caso, o bem reparado beneficia de um prazo de “garantia” adicional de seis meses. Assim, em caso de reparação, não se reinicia a contagem do período de “garantia”, mas este é alargado em seis meses.

Pela primeira vez no ordenamento jurídico português, resulta claro que a peça inserida no âmbito dessa reparação não tem uma “garantia” autónoma, uma vez que a conformidade não foi reposta por via de substituição, a qual implica a devolução do bem desconforme e a entrega de um novo bem conforme.

Por exemplo, imaginemos um contrato de compra e venda de um automóvel. Em caso de desconformidade, o consumidor pode exercer o direito à reposição da conformidade através de reparação. Se, no âmbito dessa reparação, for necessário substituir o motor, o novo motor não beneficia de uma “garantia” autónoma e nova, mas todo o automóvel beneficiará de um alargamento do período de garantia em seis meses. A resposta será a mesma se, por exemplo, a reparação tiver como objeto a pintura para remoção de um risco ou a substituição dos estofos.

Embora continue a discordar de uma solução que passe pela existência de regras distintas em caso de reparação ou substituição quanto ao reinício do período de “garantia”, o DL 84/2021 tem o mérito de resolver em definitivo a questão das peças inseridas no bem no âmbito de uma reparação. A solução em que a substituição é mais favorável para o consumidor do que a reparação é particularmente criticável em termos de sustentabilidade do planeta.

A solução constante do artigo 18.º-4 tem algumas parecenças com a que se encontra prevista no direito francês. Com efeito, o primeiro parágrafo do artigo L. 217-13 do Code de la consommation, na redação dada pela Ordonnance n.° 2021-1247, estabelece que “o bem reparado no quadro da garantia legal de conformidade beneficia de uma extensão dessa garantia em seis meses” (tradução minha). Note-se que, neste caso, ao contrário da lei portuguesa, não se prevê qualquer limite ao número de extensões do período da “garantia” (em Portugal, o limite corresponde a quatro extensões). Contrastando com o que sucede em Portugal, em França, o período de “garantia” não se reinicia em caso de substituição do bem. Tal apenas sucede, nos termos do segundo parágrafo do artigo L. 217-13 do Code de la consommation, na redação de 2021, nos casos em que o consumidor tenha escolhido a reparação, mas o profissional não tenha reparado o bem, tendo sido posteriormente reposta a conformidade por via de substituição. É a única situação em que a substituição do bem implica o reinício do período de “garantia”. Trata-se de um incentivo à reparação, mensagem oposta àquela que é dada pela lei portuguesa.


[1] O conceito de “garantia” não deveria ser utilizado neste contexto, uma vez que pode ser enganoso na perspetiva do consumidor. A sua constante utilização na linguagem comum justifica a referência neste texto. Como defendo na obra Compra e Venda e Fornecimento de Conteúdos e Serviços Digitais – Anotação ao Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro, Almedina, 2022, p. 16, «se já era discutível a utilização da palavra “garantia” face ao DL 67/2003, essa expressão é ainda mais enganosa com o novo regime. Na nossa perspetiva, não sendo os dois prazos idênticos, não se pode falar em garantia. Reforçando a ideia, parece-nos estar mais próximo de um eventual prazo de “garantia” o período de dispensa ou liberação do ónus da prova de anterioridade da desconformidade do que o período de responsabilidade do vendedor». Neste texto, por “garantia” deve entender-se o período de responsabilidade do vendedor acrescido do período dentro do qual se prevê a dispensa ou liberação do ónus da prova da anterioridade da desconformidade.

2021 – Mais um Ano Intenso no NOVA Consumer Lab

Doutrina

Fazemos hoje um balanço do ano de 2021 no NOVA Consumer Lab. Este foi um ano novamente marcado pela pandemia, em especial pela esperança dada pela vacinação e pela incerteza que continua a marcar as nossas vidas.

No domínio do Direito do Consumo, foi um ano marcado por uma profusão legislativa sem paralelo na nossa história. A Lei de Defesa do Consumidor e o regime das cláusulas contratuais gerais foram tantas vezes alterados em 2021 como o tinham sido nos trinta anos anteriores. Temos um novo regime da compra e venda e do fornecimento de conteúdos e serviços digitais e alterações relevantes nos principais diplomas que regulam as relações de consumo.

Se, em 2020, o NOVA Consumer Lab tinha aproveitado o primeiro confinamento para intensificar e diversificar as suas atividades, 2021 foi um ano de reforço e de afirmação da unidade de investigação, atenta a tudo o que se passa no consumo e no Direito do Consumo em Portugal, na Europa e no Mundo.

A equipa cresceu, contando hoje com trinta e nove investigadores: Afonso Leitão, Alyne Calistro, Ana Jorge Teixeira, Ana Machado, André Alfar Rodrigues, Carlos Filipe Costa, Edgar Palma, Eduardo Freitas, Eduardo Matos, Elisa Arruda, Fabrizio Esposito, Filipa Ribas de Oliveira, Francisca Lopes, Francisco Arga e Lima, Gabriela dos Santos, Gonçalo Veiga da Silva, Guilherme Oliveira e Costa, Hatice Bilge Demir, Joana Campos Carvalho, João Pedro Pinto-Ferreira, Jorge Morais Carvalho, José Filipe Ferreira, Leonor Gambôa Machado, Lua Mota Santos, Maria Miguel Oliveira da Silva, Martim Farinha, Matilde Bettencourt, Miguel de Azevedo Moura, Natália Veiga Rebelo, Patrícia Assunção Soares, Paula Ribeiro Alves, Paulo Lacão, Pedro Ferreira, Rafael Carvalho, Sara Fernandes Garcia, Sofia Assunção Soares, Sofia Lopes Agostinho, Suzana Rahde Gerchmann e Yasmin Waetge.

Em 2021, estreámos um novo site, preparado pela Matilde Bettencourt:  https://novaconsumerlab.novalaw.unl.pt. Iniciámos igualmente a produção de uma newsletter mensal, da responsabilidade de Hatice Bilge Demir. Continuamos ainda presentes nas seguintes redes sociais: FacebookInstagramLinkedin e YouTube. Para aceder ao nosso grupo no WhatsApp e receber as novidades em primeira mão, basta seguir esta ligação.

Consumer Conference

O grande projeto de 2021 foi a realização da Consumer Conference’21, com o tema “Sustainability. Consumption”, nos dias 21 e 22 de abril.

Ao longo dos dois dias, tivemos cerca de 350 participantes.

Nos vários painéis, intervieram personalidades de vários continentes. A sessão de abertura contou com a presença da Diretora da Faculdade, Mariana França Gouveia, do Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Proteção do Consumidor, João Torres, e do Comissário Europeu para a Justiça e a Proteção do Consumidor, Didier Reynders. Participaram ainda, seguindo a ordem constante do programa, Antonino Serra-Cambaceres, Catarina de Albuquerque, Göran Finnveden, Marco B.M. Loos, Ana Barbosa, Natália Rebelo, Ana de Jesus, Anne-Lise Sibony, Samuel Becher, Carl Dalhammar, Emilia Mišćenić, Guilherme Oliveira e Costa, Marvin Henry, Maryna Henrysson, Minna Lammi, Rita Lopes, Salomé Pimentel Areias, Vasileios Rizos, William Neale, Alberto De Franceschi, Christian Twigg-Flesner, Claire Bright, Claudia Lima Marques, Evelyne Terryn, Hans-Wolfgang Micklitz, Iakovina Kindylidi, Tiago Sérgio Cabral, Joasia Luzak, Jorge Morais Carvalho, Marija Bartl, Nils Behrndt, Assunção Cristas, Francesco Montanari, Gonçalo Veiga da Silva, Jorge Moreira da Silva, Lennart Olsson, Lucia A. Reisch, Lucila de Almeida, Luís Pereira Dias, Marta Santos Silva, Tom Hartmann, Antonio Davola, Fabrizio Esposito, Francesca Gennari, Jagna Mucha e Yannick van den Berg. As notas biográficas dos oradores podem ser consultadas aqui.

A organização esteve a cargo de Ana de Jesus, Fabrizio Esposito, Gonçalo Veiga da Silva, Jorge Morais Carvalho, Maria Miguel Oliveira da Silva, Natália Veiga Rebelo e Paula Ribeiro Alves.

Os vídeos estão todos disponíveis no YouTube.

Blog

O NOVA Consumer Blog já conta com mais de 200 textos, dos quais mais de 130 foram publicados em 2021.

Se olharmos para as etiquetas, verificamos que, a par da COVID-19, há outros temas com grande relevância: arbitragem, cláusulas contratuais gerais, consumo digital, crédito ao consumo, inteligência artificial, plataformas digitais, práticas comerciais desleais, RALC, serviços públicos essenciais, sustentabilidade e venda de bens de consumo.

Escreveram textos no blog os seguintes investigadores do NOVA Consumer Lab: Afonso Leitão, Alyne Calistro, Ana Machado, André Alfar, Carlos Filipe Costa, Eduardo Freitas, Eduardo Matos, Elisa Arruda, Fabrizio Esposito, Francisca Faria Lopes, Francisco Arga e Lima, Guilherme Oliveira e Costa, Hatice Bilge Demir, Joana Campos Carvalho, Jorge Morais Carvalho, José Filipe Ferreira, Leonor Gambôa Machado, Lua Mota Santos, Maria Miguel Oliveira da Silva, Martim Farinha, Miguel de Azevedo Moura, Patrícia Assunção Soares, Paula Ribeiro Alves, Rafael Carvalho, Sara Fernandes Garcia, Sofia Assunção Soares, Sofia Lopes Agostinho e Yasmin Waetge.

Já foram também publicados textos dos seguintes autores convidados: António Pedro Pinto Monteiro, Claudia Lima Marques, Donato Maria Matera, Fernando Martins, Francesca Gennari, Jesús Mendoza Díaz, José Engrácia Antunes, Maria Raquel Guimarães, Nuno Sousa e Silva e Rosa Barceló Compte.

Na rubrica Consumo em Ação foram publicados vários casos práticos resolvidos na disciplina de Direito do Consumo por estudantes da NOVA School of Law: André Neves, Beatriz Alves, Beatriz Pereira, Carolina Silva, Diogo Sereno, Francisco Colaço, Heloísa Monte, Inês Alves, Joana Sousa, Leonor Guiomar, Luís Cruz, Luís Neves, Mariana Soeiro, Pedro Barata, Pedro Catanho, Shiping Shen e Tiago Pedro.

Podcast

O NOVA Consumer Podcast tem um novo episódio de quinze em quinze dias, às segundas-feiras.

A equipa é atualmente composta por Alyne Calistro, Ana Jorge Teixeira, Carlos Filipe Costa, Guilherme Oliveira e Costa, Jorge Morais Carvalho, Leonor Gambôa Machado, Maria Miguel Oliveira da Silva, Paula Ribeiro Alves e Sara Fernandes Garcia.

A primeira temporada terminou no dia 4 de janeiro de 2021. A segunda temporada decorreu entre 25 de janeiro e 26 de julho, tendo sido dedicada ao tema “consumo e sustentabilidade”. A terceira temporada, novamente mais generalista, estreou a 25 de outubro e irá manter-se no início de 2022.

Temporada 1 – Generalista

  1. Jorge Morais Carvalho, Diretor do NOVA Consumer Lab (22 de junho de 2020)
  2. Teresa Moreira, Diretora do Serviço das Políticas da Concorrência e dos Consumidores da UNCTAD (6 de julho)
  3. Maria Cristina Portugal, Presidente do Conselho de Administração da ERSE (20 de julho)
  4. Paula Ribeiro Alves, Jurista e Doutoranda nos temas da IA, Big Data e Privacidade (3 de agosto)
  5. Antonino Serra Cambaceres, Advocacy Manager na Consumers International (17 de agosto)
  6. Carlos Ferreira de Almeida, Professor Catedrático Jubilado de Direito Privado na NOVA (31 de agosto)
  7. Claudia Lima Marques, Professora de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (14 de setembro)
  8. Mário Beja Santos, Escritor e Pioneiro de Defesa do Consumidor (28 de setembro)
  9. Armando Flores, Cofundador do Centro de Defesa do Consumidor de El Salvador (12 de outubro)
  10. Isabel do Carmo, Médica Especialista em Endocrinologia, Diabetes e Nutrição (26 de outubro)
  11. Juliana Pereira da Silva, Presidente do Instituto de Pesquisas e Estudos da Sociedade de Consumo (9 de novembro)
  12. Direito do Consumo em Portugal e no Brasil – Uma conversa entre investigadores do NOVA Consumer Lab (23 de novembro)
  13. Sandra Passinhas, Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (7 de dezembro)
  14. Juan Trimboli, Presidente da Fundación Ciudadana por un Consumo Responsable do Chile (21 de dezembro)
  15. Mariana França Gouveia, Diretora da NOVA School of Law (4 de janeiro de 2021)

Temporada 2 – Consumo e Sustentabilidade

  1. Catarina Barreiros, Criadora do Blog e Podcast Do Zero (25 de janeiro)
  2. Marta Santos Silva / Luísa Cortat, Universidade de Maastricht/KU Leuven e Universidade UN Flores – Programa Green Talents (8 de fevereiro)
  3. Helen Duphorn, Country Retail Manager at IKEA (22 de fevereiro)
  4. Tiago Melo Cartaxo, Professor Convidado da NOVA School of Law (8 de março)
  5. Episódio Especial, Investigadores (15 de março)
  6. Raquel Vareda, Médica de Saúde Pública e Doutoranda em Saúde Internacional (22 de março)
  7. Assunção Cristas, Professora da NOVA School of Law (5 de abril)
  8. Sofia Guedes Vaz, Engenheira e Filósofa Ambiental (19 de abril)
  9. Filipe Morato Gomes, Viajante e Autor do Blog Alma de Viajante (3 de maio)
  10. João Joanaz de Melo, Engenheiro do Ambiente, Professor e Fundador do GEOTA (17 de maio)
  11. Gil Ubaldo, Coorganizador da Greve Climática Estudantil (31 de maio)
  12. Salomé Pimentel Areias, Fundadora da Fashion Revolution em Portugal (14 de junho)
  13. Maria Miguel Oliveira da Silva, Investigadora em direito do consumo e direitos humanos (28 de junho)
  14. Claire Bright, Professora da NOVA School of Law (12 de julho)
  15. Vasco Becker-Weinberg, Professor e investigador da NOVA School of Law em Direito do Mar (26 de julho)

Temporada 3 – Generalista

  1. António Pinto Monteiro, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (25 de outubro)
  2. Marta Ferreira, Assistente Convidada na FFUP e Criadora do Blog A Pele Que Habito (8 de novembro)
  3. Rute Couto, Professora no IPB e Vice-Presidente da apDC (22 de novembro)
  4. Pedro Hartung, Diretor Jurídico do Instituto ALANA (6 de dezembro)
  5. Sónia Queiróz Vaz, Sócia Co-coordenadora do Departamento de PI-TMT da Cuatrecasas (20 de dezembro)

Talks

Foram realizadas quatro NOVA Consumer Talks durante o ano de 2021.

– 13 de janeiro de 2021 | Mandatory Mediation in Consumer Disputes | João Pedro Pinto-Ferreira & Pablo Cortés (University of Leicester). Moderadora: Joana Campos Carvalho. Disponível no YouTube.

– 3 de fevereiro de 2021| 13h | Reviews and Endorsements in Digital Marketplaces | Pedro Ferreira, Madalena Narciso (Maastricht University) & Christoph Busch (Osnabrück University). Moderador: Jorge Morais Carvalho. Disponível no YouTube.

– 3 de março de 2021 | 13h | E-Commerce in the European Union and in China | Natália Veiga Rebelo, Jiangqiu Ge (Fudan University) & Geraint Howells (NUI Galway & University of Manchester). Disponível no YouTube.

– 20 de outubro de 2021 | 13h | Primeiras Notas sobre o Decreto-Lei n.º 84/2021.

Livros e artigos

Em 2021, foram publicados os seguintes artigos com indicação de filiação ao centro:

– Martim Farinha, “Modifications on the digital content or digital service by the trader in the Directive (EU) 2019/770“, in RED – Revista Electrónica de Direito, Vol. 25, n.º 2, 2021, pp. 84-111;

– Maria Miguel Oliveira da Silva, “A exploração laboral no setor têxtil e o direito do consumidor à informação: Que convergência?“, in RED – Revista Electrónica de Direito, Vol. 25, n.º 2, 2021, pp. 334-357;

– Jorge Morais Carvalho & Martim Farinha, “Os Desafios do Mercado Digital para o Direito dos Contratos de Consumo à Luz do Direito Europeu”, in Direito do Consumidor e Novas Tecnologias, Fórum, Belo Horizonte, 2021, pp. 309-327;

– Jorge Morais Carvalho, “O Regime Português das Cláusulas Contratuais Gerais”, in Revista de Direito do Consumidor, n.º 135, 2021, pp. 257-334;

– Jorge Morais Carvalho, “The Premature Obsolescense of the New Deal for Consumers”, in EuCML – Journal of European Consumer and Market Law, Vol. 10, n.º 3, 2021, pp. 85-88;

– Jorge Morais Carvalho, Francisco Arga e Lima & Martim Farinha, “Introduction to the Digital Services Act, Content Moderation and Consumer Protection”, in Revista de Direito e Tecnologia, Vol. 3, n.º 1, 2021, pp. 71-104;

– Jorge Morais Carvalho, “Sentenças Airbnb Ireland e Star Taxi App, Conceito de Serviço da Sociedade da Informação e Regulação de Plataformas Digitais”, in Revista de Direito Comercial, 2021, pp. 481-510.

O n.º 222 da revista Vida Judiciária (setembro/outubro 2021) é dedicado ao direito do consumo, tendo contado com a colaboração do NOVA Consumer Lab.

Inclui uma entrevista com Jorge Morais Carvalho e artigos dos seguintes investigadores: Ana Machado, Carlos Filipe Costa, Francisco Arga e Lima, Jorge Morais Carvalho, José Filipe Ferreira, Maria Miguel Oliveira Silva, Martim Farinha, Matilde Bettencourt, Paula Ribeiro Alves, Sofia Lopes Agostinho, e Yasmin Waetge.

O NOVA Consumer Lab colaborou ainda na Newsletter temática “Arbitragem e Direito do Consumo”, publicada pelo Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados.

Anuário

O número de 2020 do Anuário foi publicado no início de 2021.

Inclui nove artigos, dos quais quatro em inglês – Shannon König (“Regulation of Ride-Hailing Companies in Germany and Portugal”), Pedro Fonseca Barros Ferreira (“Reviews and Endorsements in Online Marketplaces and Consumer Protection”), Gabriela Hiwatashi dos Santos (“A “New Deal for Consumers”? The European Regulatory Framework for Online Search Queries and Rankings under the Omnibus Directive (Directive (EU) 2019/2161)”) e Helena Gonçalves de Lima (“Burden of Proof of (Lack of) Conformity in Directive 2019/770: A Comparison with the Directive 2019/771”) – e cinco em português – José Engrácia Antunes (“O Regime Geral da Contratação de Consumo”), Alyne Grazieli Calistro (“Responsabilidade Civil dos Influenciadores Digitais”), Francisca Faria Lopes (“COVID-19 e o Avião Que Nunca Chegou a Descolar”), Paula Ribeiro Alves (“Sensibilidade e Bom Senso – Comentário ao Acórdão do TJUE no Caso Orange (Processo C-61/19), Relativo aos Requisitos do Consentimento para Tratamento de Dados Pessoais”) e Jorge Morais Carvalho (“Conformidade do Bem com o Contrato no Regime Português da Venda de Bens de Consumo”).

O número de 2021 já se encontra em fase avançada de produção. Irá contar com os seguintes textos:

(i) Articles in English

– Online Marketplaces and Information Duties: the Liability Gap of the New Article 6a (d) of the Consumers Rights Directive – Adriana Alves Henriques

– The Dutch versus the EU: the consumer-induced legal shifts of sustainable and resource-oriented initiatives in the Netherlands – Tom Hartmann

(ii) Artigos em Português

– A responsabilidade dos prestadores de mercados em linha na venda de bens, conteúdos e serviços digitais − o conceito de “influência decisiva” – Sara Fernandes Garcia

– A erosão da propriedade e o direito ao conserto no Brasil – Laís Bergstein

– O Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro: análise crítica e empírica – Ana Francisca Pinto Dias e Carlos Filipe Costa

– As contas de serviços mínimos bancários – Cláudia M. Alves

(iii) Teses de Mestrado

– Personalised prices: striving for transparency from a data protection and european consumer law perspective – Elisa Schenfel de Arruda

– E-contracts B2C: O confronto entre as regras de transferência do risco e o direito de arrependimento – João Pinto Monjardino

– A proteção do consumidor em contratos digitais: análise dos contratos celebrados com dados pessoais como contraprestação – Matilde Bettencourt

Academia do Consumo para os CIAC

A primeira fase do projeto da Academia do Consumo para os CIAC, projeto da Jurisnova, financiado pelo Fundo para a Promoção dos Direitos dos Consumidores, incluiu a realização de formação à distância.

A coordenação executiva está a cargo de Joana Campos Carvalho, João Pedro Pinto-Ferreira, Jorge Morais Carvalho e Maria Miguel Oliveira da Silva.

Integram o projeto técnicos dos seguintes municípios: Matosinhos, Seia, Vila Nova de Famalicão, Figueira da Foz, Vila do Conde, Guarda, Marco de Canaveses, Palmela, Trofa, Santa Maria da Feira, Setúbal, Póvoa de Varzim, Loures, Guimarães, Beja, Tomar, Soure, Oliveira de Azeméis, Porto, Lousada, Coimbra, Abrantes, Lagos, Santo Tirso, Alvito, Mirandela, Tavira, Alentejo Litoral, Braga, Vila Nova de Cerveira, Vizela, São João da Madeira, Vila Nova de Gaia, Baião, Sesimbra, Seixal, Resende, Mafra, Valongo, Maia, Amarante, Sintra, Miranda do Corvo, Cascais (duas entidades), Mangualde, Açores, Funchal, Albufeira, Monção, Valença, Arcos de Valdevez, Viana do Castelo e Paços de Ferreira.

Participam também técnicos de alguns centros de arbitragem: TRIAVE, CNIACC, CIAB, CACRC, CICAP e CASA.

As vinte sessões de formação lecionadas na primeira fase foram articuladas com a Direção-Geral do Consumidor e tiveram por objeto os temas e estruturas que seguidamente se enumeram:

1. 12.1.2021

Abertura

Introdução à formação e ao Direito do Consumo

2. 19.1.2021

Lei de Defesa do Consumidor e conceito de consumidor

3. 26.1.2021

Impacto da COVID-19 no Direito do Consumo

4. 2.2.2021

Cláusulas contratuais gerais

5. 9.2.2021

Indicação de preços

Redução de preços

6. 23.2.2021

Práticas comerciais desleais

Trocas e devoluções

7. 2.3.2021

Contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento

8. 16.3.2021

Crédito ao consumo

9. 23.3.2021

Contratos digitais

10. 30.3.2021

Fornecimento de conteúdos e serviços digitais

11. 13.4.2021

Indemnizações no Direito do Consumo

12. 20.4.2021

Rotulagem e segurança dos produtos

13. 27.4.2021

Proteção de dados pessoais e contratos de consumo

14. 4.5.2021

Venda de bens de consumo

15. 11.5.2021

Serviços públicos essenciais

16. 18.5.2021

Gestão das reclamações pelas empresas

17. 25.5.2021

Gestão das reclamações pelas entidades reguladoras e fiscalizadoras

18. 1.6.2021

Resolução alternativa de litígios de consumo

19. 8.6.2021

Gestão das reclamações pelos centros de arbitragem

20. 15.6.2021

Livro de Reclamações

Balanço da 1.ª fase e perspetivas futuras A segunda fase do projeto inclui a realização de quatro sessões de formação presencial. Decidiu-se realizar quatro sessões em quatro locais diferentes do território de Portugal continental, com o objetivo de abranger a maioria dos CIAC (Albufeira, Lisboa, Santa Maria da Feira e Vizela). As sessões foram realizadas entre 22 de outubro e 16 de dezembro, tendo os temas sido articulados com a Direção-Geral do Consumidor.

As principais alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-G/2021, de 10 de dezembro, ao Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março: breve análise do regime das práticas comerciais desleais

Legislação

O Decreto-Lei n.º 109-G/2021, de 10 de dezembro, que entrará em vigor no dia 28 de maio de 2022, procede à transposição parcial da Diretiva (UE) 2019/2161, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro[1], relativa à defesa dos consumidores, e altera, entre outros diplomas[2], o Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março[3], que prevê o regime de repressão das práticas comerciais desleais em Portugal.

Com efeito, importa assinalar que à introdução das alterações previstas pela Diretiva 2019/2161, também conhecida como “Diretiva Omnibus”, subjaz o reconhecimento da necessidade de prever novas regras que regulem as relações de consumo estabelecidas em ambiente digital. No âmbito desta Diretiva encontra-se prevista a implementação de um conjunto de medidas, com vista a reforçar a defesa dos direitos dos consumidores, dando-se um passo em frente na atualização do regime das práticas comerciais comerciais, cujo teor se revelou, até o momento, insuficiente para dar resposta aos desafios que resultam da revolução tecnológica e digital[4].

O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 109-G/2021, de 10 de dezembro, prevê as alterações introduzidas ao Decreto-Lei n.º 57/2008. Em concreto, é alterado a definição de «produto»[5] na alínea c) do artigo 3.º deste diploma, cujo teor passa a incluir, além dos bens e serviços, os conteúdos e serviços digitais. São ainda aditadas como alíneas m) e n) ao artigo 3.º, no âmbito das quais se prevê, respetivamente, os conceitos de «classificação»[6] e de «mercado em linha»[7].

É aditada a alínea c) ao elenco de ações enganosas previsto n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 57/2008, no âmbito da qual é qualificada como ação enganosa “qualquer atividade de promoção comercial de um bem como sendo idêntico a um bem comercializado noutros Estados-Membros, quando esse bem seja significativamente diferente quanto à sua composição ou características, exceto quando justificado por fatores legítimos e objetivos”. A introdução desta prática no elenco de ações enganosas permite uma maior clarificação dos consumidores, dos profissionais e das autoridades nacionais competentes sobre o tipo de práticas comerciais que são consideradas desconformes à lei, assegurando maior harmonização no tratamento das questões que se suscitam neste âmbito e evitando a criação de situações de dúvida quanto à qualificação destas práticas comerciais como desleais. 

De igual modo, o elenco das ações consideradas enganosas em quaisquer circunstâncias é alvo de aditamento das alíneas n), bb), cc) e dd) ao artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 57/2008. Passam a integrar este elenco as ações que envolvam anúncios e classificação de ofertas, revenda de bilhetes e, ainda, práticas relacionadas com revisões em linha, adaptando-se, assim, o regime a novas exigências inerentes à proteção dos consumidores contra práticas comerciais desleais em ambiente digital.

É removida a referência ao mecanismo de tratamento das reclamações[8] constante da alínea d) do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 57/2008 referente à informação considerada substancial para efeitos de apresentação de uma proposta contratual ou de convite a contratar e, no mesmo preceito legal, é introduzida a alínea f), a qual prevê o dever de dever de o prestador do mercado em linha informar o consumidor se o terceiro que oferece os bens ou serviços através de seu mercado em linha é ou não um profissional, com base nas declarações prestadas por esse terceiro ao prestador do mercado em linha.

É de salientar, no que concerne à aplicação de mecanismos a que os consumidores lesados poderão recorrer em virtude da existência de práticas comerciais desleais, a eliminação da referência ao regime da anulabilidade dos contratos prevista no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 57/2008, passando este artigo a prever o exercício alternativo dos direitos à redução adequada do preço ou à resolução do contrato, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais (n.ºs 1 e 2), e, bem assim, o ressarcimento dos danos em que os consumidores tenham incorrido, nos termos gerais previstos para o instituto da responsabilidade civil (artigos 483.º e seguintes e 798.º e seguintes do Código Civil).

Por fim, de acordo com o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 109-G/2021, de 10 de dezembro, é aditado o artigo 10.º-A ao Decreto-Lei n.º 57/2008, relativo à matéria das pesquisas e avaliações de produtos efetuadas pelos consumidores, no âmbito do qual se consagra o dever de os mercados em linha informarem os consumidores sobre os principais parâmetros determinantes da classificação das propostas apresentadas em resultado das pesquisas daqueles (n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º-A), bem como o dever de referirem se as avaliações efetuadas por consumidores que são por si disponibilizadas são verificadas e de que forma o são.

Com efeito, a introdução das alterações suprarreferidas ao regime das práticas comerciais desleais parece encontrar correspondência com o sentido de “missão” empregue pela União Europeia ao longo do tempo, tendente a reforçar a proteção em matéria de defesa dos direitos dos consumidores. Este reforço da defesa dos direitos dos consumidores e, por conseguinte, de progressiva reposição do equilíbrio na relação entre profissional e consumidor tem-se traduzido na adoção de medidas legislativas que vêm sendo atualizadas em função da evolução e desenvolvimento do mercado digital.

A este propósito, cumpre assinalar que o almejado reforço de proteção dos direitos dos consumidores parece ser alcançado com as alterações legislativas em apreço, como o que representa não apenas uma inegável modernização do regime legal, ao permitir uma aproximação entre a letra da lei e o plano da realidade prática, como a harmonização do regime aplicável pelos Estados-Membros, salvaguardando que os consumidores beneficiam plenamente dos seus direitos ao abrigo do direito da União Europeia.

Diante do exposto, concluir que a atualização do regime das práticas comerciais desleais presta um contributo relevante para o reforço dos direitos dos consumidores, não só ao potenciar a harmonização do regime aplicável pelos Estados-Membros e, por conseguinte, o bom funcionamento do mercado único europeu, como ainda ao permitir a densificação do conceito de consumidor, fruto da constante evolução do mercado digital a que temos vindo a assistir.


[1] Doravante designada por Diretiva 2019/2161. Esta Diretiva procede à alteração da Diretiva 93/13/CEE do Conselho e das Diretivas 98/6/CE, 2005/29/CE (relativa às práticas comerciais desleais e sobre a qual nos debruçamos no texto presente) e 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, a fim de assegurar uma melhor aplicação e a modernização das regras da União em matéria de defesa dos consumidores.

[2] Lei n.º 24/96, de 31 de julho, Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de abril, Decreto-Lei n.º 70/2007, de 26 de março, Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro e Decreto Regulamentar n.º 38/2012, de 10 de abril.

[3] Doravante designado por Decreto-Lei n.º 57/2008.

[4] Com relevo para o tema que nos ocupa, vide artigo 3.º da Diretiva 2019/2161, onde se encontra previsto o elenco de alterações introduzidas à Diretiva 2005/29/CE, objeto de transposição parcial pelo Decreto-Lei n.º 109-G/2021, de 10 de dezembro.

[5] «Produto» define-se como qualquer bem ou serviço, incluindo bens imóveis, conteúdos e serviços digitais, bem como direitos e obrigações.

[6] «Classificação» define-se como “a importância relativa atribuída aos produtos, tal como apresentados, organizados ou comunicados pelo profissional, independentemente dos meios tecnológicos utilizados para essa apresentação, organização ou comunicação”.

[7] «Mercado em linha» define-se como “um serviço com recurso a software, nomeadamente um sítio eletrónico, parte de um sítio eletrónico ou uma aplicação, explorado pelo profissional ou em seu nome, que permita aos consumidores celebrar contratos à distância com outros profissionais ou consumidores”.

[8] O Considerando n.º 40 da Diretiva 2019/2161 prevê que “os requisitos de informação previstos no artigo 7.º, n.º 4, da Diretiva 2005/29/CE, incluem a prestação de informações ao consumidor sobre a política de tratamento das reclamações do profissional. As conclusões da avaliação de qualidade do direito em matéria de defesa dos consumidores e de comercialização mostram que essa informação é mais pertinente durante a fase pré-contratual, a qual é regulada pela Diretiva 2011/83/UE. O requisito de fornecer essas informações nos convites a contratar durante a fase de publicidade nos termos da Diretiva 2005/29/CE deverá, por conseguinte, ser suprimido.”


As ações inibitórias e a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide: breves reflexões

Doutrina

O Direito do Consumo tem assumido uma preponderância cada vez maior na sociedade que hoje conhecemos. Tal relevância é, desde logo, demonstrada pela consagração no art.º 60.º da Constituição da República Portuguesa dos direitos dos consumidores.

Em pleno século XXI, o grau de conhecimento dos consumidores relativo aos seus direitos e ao modo de efetivação dos mesmos tem vindo a aumentar. No atual quadro legislativo nacional, assume especial relevância o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro (doravante LCCG), que instituiu o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, no âmbito do qual se pretende, particularmente, destacar a consagração do regime jurídico das ações inibitórias. Com relevância para o presente texto é de sublinhar o art.º 25.º da LCCG, no qual, sob a epígrafe “Acção inibitória, se prevê o seguinte: “As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15.º, 16.º, l8.º, 19.º, 21.º e 22.º podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares”.

Conforme bem explica João Alves, identificam-se duas importantes finalidades e tipologias das ações inibitórias: “na acção inibitória repressiva, pretende-se fazer cessar a violação de um interesse difuso e o seu objecto é a abstenção da continuação dessa violação. Na acção inibitória preventiva, procura-se prevenir a violação de um interesse difuso, o seu objecto é a abstenção dessa violação[1].

Por conseguinte, a nossa opção temática centrar-se-á numa breve análise do regime das ações inibitórias no âmbito do processo civil, em especial na sua relação com uma das causas de extinção da instância, designadamente, a da impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (art.º 277.º, al. e) do Código de Processo Civil – adiante denominado por CPC). 

Assim, imaginemos, do ponto de vista prático, que o Ministério Público (na posição processual de Autor) intenta uma ação inibitória contra uma determinada empresa (que ocupa a posição processual de Ré nos autos), na qual peticiona a declaração de nulidade de um conjunto de cláusulas contratuais e a condenação da empresa em abster-se de se prevalecer das referidas cláusulas e da sua utilização em contratos futuros. Nesta hipótese, quando a ação inibitória foi intentada encontravam-se em vigor um conjunto de documentos contratuais com cláusulas contratuais gerais de teor abusivo. Contudo, após a propositura da ação e no decurso da mesma, os referidos documentos foram sendo sucessivamente alterados e substituídos, na medida em que se verificou a necessidade de conformar o conteúdo de todos os clausulados dos documentos contratuais com as novas exigências legais e regulamentares e com as novas regras emanadas das entidades de supervisão.

Neste contexto, na hipótese em equação, a principal questão sob análise é a seguinte: o facto de uma determinada empresa (Ré), após a propositura da ação e durante o seu decurso ter eliminado ou alterado as cláusulas dos documentos contratuais, que o Ministério Público reputava de abusivas, pode tornar inútil a própria decisão final sobre a demanda judicial?

Esta matéria reveste particular interesse teórico e prático, sendo que entendemos que será controverso apontar uma solução consensual e unânime para todas as ações inibitórias que estejam ou venham a correr os seus termos nos Tribunais. Assim, parece-nos estar em causa a função predominantemente preventiva da ação inibitória e a própria utilidade da decisão que venha a ser proferida pelo Tribunal enquanto pressuposto do interesse processual. Veja-se, a título ilustrativo, o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.º 403/09.5TJLSB.L1.S1, proferido em 11/04/2013, na parte em que afirma o seguinte: “[…] a questão da utilidade das acções inibitórias não pode ser dissociada, de modo algum, da efectiva utilização dos clausulados contratuais gerais, que eventualmente violem a LCCG, por parte do predisponente, sendo certo que demonstrada a cessação daquela aplicação, e a sua substituição por novos clausulados, poderá ficar comprometida a apreciação judicial da acção inibitória, seja por se entender verificar uma situação de inutilidade superveniente da lide, caso as cláusulas sejam alteradas já no decurso da acção (287.º, al. e), do CPC), seja por se entender que ocorre ilegitimidade processual ou falta de interesse em agir (do MP), se o clausulado tiver sido modificado/alterado ainda antes da instauração da acção inibitória (arts. 493.º, n.º 2, 494.º e 495.º, do CPC)”.

De facto, a finalidade das ações inibitórias, ao contrário das ações que envolvem um consumidor individual, é a de analisar o caráter abusivo de uma cláusula suscetível de ser incorporada em contratos futuros e não de uma cláusula inserida num contrato concreto já celebrado. Por conseguinte, a natureza preventiva das ações inibitórias envolve fundamentalmente a apreciação, em abstrato, de cláusulas relativas a contratos não celebrados, o que significa que tal suscetibilidade de utilização futura necessita de ser comprovada judicialmente. Nesse sentido, cremos que poderão estar reunidas as condições para que a ação inibitória seja extinta por inutilidade superveniente da lide, nos termos e para os efeitos da al. e) do art.º 277.º do CPC.

Por último, parece-nos ainda importante relacionar esta matéria com o regime previsto no art.º 611.º do CPC, que consagra o princípio da atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes. Na hipótese equacionada supra, considerando que a empresa alterou as cláusulas constantes nos documentos contratuais após a propositura da ação inibitória, então é defensável dizer-se que o Tribunal deverá ter em consideração, aquando da prolação da sentença, tais alterações contratuais, na medida em que uma decisão judicial deve reportar-se à situação existente no momento em termina a discussão da causa. Neste sentido, atendendo ao princípio do dispositivo e ao princípio ínsito no art.º 611.º do CPC é de considerar que uma decisão judicial não deve ser alheia às situações fácticas que se verificam até à data em que a mesma é proferida, o que significa que pode haver fundamento suficiente para que a ação seja julgada extinta por inutilidade superveniente da lide.


[1] JOÃO ALVES, “Algumas notas sobre a tramitação da ação inibitória de cláusulas contratuais gerais”, in Revista do CEJ, n.º 6, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, 2007, p. 76.

Campanhas publicitárias de Natal e o abuso da vulnerabilidade infantil

Doutrina

Com a aproximação das festas de fim de ano é também chegado o período das luzes alucinantes, das músicas cativantes, das cores chamativas e da exploração do lúdico infantil. Por consequência, é também chegado o momento das campanhas de Natal voltadas especificamente a estimular o consumo massivo de produtos e serviços, justamente no período em que muitas das famílias assistem em seus lares ao recebimento das tão esperadas bonificações financeiras de fim de ano.

Voltadas a atrair a atenção de todo e qualquer consumidor durante os meses de novembro e dezembro, as campanhas de promoção de vendas de Natal são difundidas de forma ainda mais assertiva e por vias cada vez mais expansivas para atingir um número maior de consumidores. Merece, entretanto, especial atenção a publicidade que, neste período, faz uso de um grande apelo psicológico voltando-se às crianças.

De repente, temos bonecas, carrinhos, computadores portáteis, roupas, sapatos, jogos e um infindável número de produtos a despontarem exponencialmente nas listas infantis para o “Papai Noel”, se revelando, curiosamente, logo a seguir a anúncios publicitários que apontam para a necessidade de compra.

Explorando o uso de ferramentas de captação da atenção por meio de estímulos auditivos e visuais, esta modalidade de publicidade explora o desenvolvimento psicológico e cognitivo das crianças, exigindo-lhes o processamento, para além de experiências sensoriais, das perceções relacionadas ao consumo. Não são apenas luzes a piscar e músicas a tocar para atrair crianças, mas também o acompanhamento do processo de formação da figura “criança-consumidora” que está envolvida neste trabalho publicitário.

De acordo com o trabalho desenvolvido por Mônica Almeida Alves, nomeadamente, Marketing infantil – um estudo sobre a influência da publicidade televisiva nas crianças, ainda em 2011, as crianças ultrapassam quatro fases no crescimento enquanto consumidoras, sendo a primeira relacionada à observação do espaço e conduta de compra normalmente realizada pelos pais. Já a fase a seguir, próxima aos 2 anos, envolve a capacidade de conexão entre publicidade por imagem e produtos expostos fisicamente no mercado. Na terceira fase, já próxima dos 4 anos, por sua vez, as crianças detêm, de forma mais clara, o conhecimento sobre a relação entre publicidade, produto e loja, passando a possuir uma lista de anseios que parte no desejo, mas só é levada a cabo com a aquisição do produto.

Por fim, já inseridas em uma quarta fase, as crianças passam a ser consumidoras, adquirindo diretamente elas próprias, ou já identificando claramente, por meio de pedidos direcionados aos pais, os produtos que poderiam vir a lhes satisfazer os anseios.

Acompanhando este processo de desenvolvimento, as agências publicitárias e empresas percebem o enorme potencial relacionado às crianças, sobretudo se visto sob uma perspetiva futura de que os “pequenos” de hoje, tornar-se-ão “grandes consumidores” dentro de alguns anos. Trata-se de uma fidelização a longo prazo voltada não somente a produtos infantis, mas à captação psicológica de potenciais consumidores.

Mais ainda, como fator agravante para este cenário, ressalta-se o fato de que para além dos meios televisivos, atualmente as crianças possuem como vício os programas emitidos também via streaming, na Internet e nas telas de seus computadores ou ainda de seus smartphones. Vale dizer, cada dia mais, as publicidades voltadas a jovens e crianças assentam-se na exploração do reconhecimento público e na definição da identidade almejada nesta fase da vida.

Ainda que a publicidade voltada aos jovens e crianças tenha elementos identificadores próprios, como o aludido uso de cores, sons e animações, não precisamos mais do que cinco minutos diante de um anúncio para perceber que algumas características comuns a toda a espécie de propaganda se repetem. Este é o caso especialmente notável do denominado “efeito priming”, que se trata de uma ação cerebral de reprocessamento de informações já contidas na memória sobre determinados produtos, marcas ou serviços e decorrente da constante repetição do estímulo publicitário em diferentes formatos e vias, provocando-nos emoções e sentimentos até mesmo nostálgicos.

Ferramentas psicológicas nesse sentido, obviamente, não reguladas em lei, são utilizadas de forma muito mais evidente nas propagandas de final de ano, justamente para estimular a fixação a longo prazo da marca ou produto. É como lembrar das músicas que nossas avós nos cantavam nas noites de Natal, mas desta vez com slogans de uma marca que nos pareçam engraçados ou ainda com o jingle de fim de ano em algum supermercado ou loja de mobiliários que, passados anos, nunca nos sairão da cabeça. E é este mesmo o propósito.

Ocorre, entretanto, que a nível legal, desde 2007, o Parlamento Europeu vem tratando de coordenar os Serviços de Comunicação Social e Audiovisual oferecidos pelos Estados-Membros, como se denota através da Directiva 2007/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007. Mais ainda o Código da Publicidade de Portugal, que vem a estabelecer diferentes tipos de regras relacionadas à publicidade, tem especial secção voltada às restrições ao conteúdo da publicidade com detido cuidado sobre o tema “menores”.

Através de seu Art.14º, o Código determina que a publicidade especialmente dirigida a menores deve ter sempre em conta a sua vulnerabilidade psicológica, abstendo-se de explorar suas fragilidades. Deverá ainda a propaganda abster-se de explorar a inexperiência e falta de maturidade típica do grupo destinatário. E, por fim, não poderá ainda explorar a confiança que as crianças e jovens venham a depositar em seus pais ou tutores, denotando, nomeadamente, que fica impedido o uso de ferramentas publicitárias que distorçam a confiança existente entre pais e filhos, na tentativa de persuasão em favor da aquisição de um produto ou serviço.

Indo ainda um pouco mais longe, vemos que o Art. 12°, e) do Regime das Práticas Comerciais Desleais, por sua vez, consagra como prática agressiva em qualquer circunstância “incluir em anúncio publicitário uma exortação directa às crianças no sentido de comprarem ou convencerem os pais ou outros adultos a comprar-lhes os bens ou serviços anunciados”.

Não sugerimos desligar a TV, retirar das crianças os aparelhos telefônicos, nem mesmo impedi-las de viver e associar tudo o que lhes será demonstrado e oferecido durante o processo de desenvolvimento, crescimento e sociabilização. Não! Mas para já, fica reforçada a necessidade de detida atenção na influência que a psicologia publicitária possa ter sobre os menores.

Práticas discriminatórias e direito ao esquecimento no contrato de seguro: as alterações introduzidas pela Lei n.º 75/2021 de 18 de novembro

Legislação

O presente texto foi redigido em co-autoria por Lua Mota Santos e Patrícia Assunção Soares.

Recentemente, a Lei n.º 75/2021, de 18 de novembro veio reforçar o acesso ao crédito e a contratos de seguros por pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde[1] ou de deficiência, alterando a Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto (disponível aqui), e o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, doravante “RJCS”, e disponível aqui).

Na verdade, eram comuns os casos em que, por exemplo, o facto de se ter padecido de uma doença oncológica no passado dificultava, de forma determinante, o acesso a seguros de saúde ou de vida, ou até mesmo o acesso ao crédito. Eram, por isso, frequentes as situações em que alguém que tivesse ultrapassado um cancro numa idade muito jovem visse, mais tarde, a possibilidade de lhe ser concedido um crédito à habitação bastante limitada[2].

Por outro lado, a jurisprudência já vinha clarificando e insistindo na importância desta proibição de discriminação. Por exemplo, veja-se, a propósito de um caso relacionado com uma doente oncológica a quem havia sido recusada a celebração de um seguro de vida, o Acórdão da Relação do Porto de 23 de fevereiro de 2016 (disponível aqui) que refere o seguinte: “Mas o facto gerador (a morte) ocorrerá necessariamente, seja qual for a origem, para qualquer dos dois proponentes, razão pela qual se considera totalmente injustificada a discriminação quanto ao autor a este respeito, pois em termos clínico-oncológicos o mesmo conseguiu debelar a doença oncológica de que padeceu”.

No fundo, já existe entre nós, desde 2006, uma proibição de discriminação nestas situações[3]. No entanto, subsistia por resolver uma questão: no que aos seguros diz respeito, aquando da celebração de um contrato, verifica-se a obrigação de mencionar problemas de saúde anteriores na declaração inicial de risco (artigo 24.º do RJCS), sendo que estes factos eram dificilmente ignorados pelas seguradoras, que se alicerçavam na indeterminabilidade dos conceitos utilizados na Lei n.º 46/2006.

Deste modo, uma das inovações da Lei n.º 75/2021 é, neste plano, a consagração de um direito ao esquecimento. Assim, prevê o artigo 3.º n.º 2 da referida Lei que, decorrido um certo lapso temporal[4], não poderá ser recolhida nenhuma informação de saúde relativa à situação de risco agravado de saúde ou de deficiência por parte das instituições de crédito ou seguradoras, em contexto pré-contratual.

Deste modo, e à luz do n.º 1 do mesmo artigo, é garantido que estas pessoas (i) não podem ser sujeitas a um aumento de prémio de seguro ou exclusão de garantias de contratos de seguro, e que (ii) nenhuma informação de saúde relativa à situação médica que originou o risco agravado de saúde ou a deficiência pode ser recolhida ou objeto de tratamento pelas instituições ou seguradores em contexto pré-contratual.

A Lei n.º 75/2021, de 18 de novembro também alterou o RJCS nas matérias referentes às práticas discriminatórias e à temática da cessação do contrato de seguro. Neste sentido, importa verificar quais as alterações relevantes introduzidas no que concerne às práticas discriminatórias. Identificam-se, nomeadamente, as seguintes:

1. A remissão para a Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, que proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde (novo artigo 15.º, n.º 2 do RJCS);

2. A sujeição à supervisão da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) das práticas e técnicas de avaliação, seleção e aceitação de riscos próprias do segurador para efeitos de celebração, execução e cessação do contrato de seguro, que não estejam proibidas, estatuindo-se, pelo artigo 15.º-A do RJCS, que as mesmas devem ser objetivamente fundamentadas, tendo por base dados estatísticos e atuariais rigorosos considerados relevantes para a técnica seguradora;

3. A prestação de informação, por parte do Segurador, com base nos dados obtidos, sobre o rácio entre os fatores de risco específicos e os fatores de risco de uma pessoa em situação comparável, mas não afetada por aquela deficiência ou risco agravado de saúde, nos termos do n.º 3 a 6 do artigo 178.º do RJCS[5], no caso de recusa de celebração de um contrato de seguro ou de agravamento do prémio em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde e sem dependência de pedido nesse sentido (novo artigo 15.º, n.º 3 do RJCS);

4. A proibição das práticas que discriminem a saúde mental, física ou psíquica aquando da celebração, execução e cessação do contrato (novo artigo 15.º, n.º 10 do RJCS).

Além das inovações e alterações já referidas, a Lei n.º 75/2021 introduziu ainda dois aditamentos ao RJCS. O primeiro está previsto no artigo 15.º-A e diz respeito ao acordo nacional de acesso ao crédito e aos seguros, aí se prevendo a celebração de um acordo entre o Estado e as associações setoriais representativas de instituições de crédito, sociedades financeiras, sociedades mútuas, instituições de previdência e empresas de seguros e resseguros, bem como das organizações nacionais que as representam, relativas ao acesso ao crédito e a contratos de seguros por parte de pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência.[6]

Nestes termos, destacamos dois dos objetivos deste Acordo: (i) garantir a não discriminação no acesso ao crédito à habitação e ao crédito aos consumidores, e (ii) assegurar que as instituições já mencionadas tenham em conta os direitos, liberdades e garantias das pessoas que tenham um histórico clínico com as características já apresentadas.

No que concerne aos seguros, a lei prevê também como objetivo do Acordo o desenvolvimento de um mecanismo de mediação entre os seguradores e as instituições de crédito e as pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência (novo artigo 15.º, n.º 10 do RJCS). Assim, qualquer pessoa que tenha superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência tem direito a beneficiar do referido acordo na contratação de seguros obrigatórios ou facultativos associados aos referidos créditos[7].

O segundo aditamento introduzido no RJCS, correspondente ao artigo 15.º-B, prevê uma equiparação entre as pessoas que superaram situações de risco agravado e as que, apesar de terem comprovadamente cessado a fase de tratamentos ativos, ainda tenham de realizar tratamentos coadjuvantes (n.º 1).

Por último, é ainda de salientar a alteração introduzida em matéria de cessação do contrato prevista no artigo 217.º do RJCS, por via da qual se passa a determinar que, em caso de não renovação do contrato ou da cobertura, e se o risco não estiver coberto de forma proporcional por um contrato de seguro posterior, o segurador não poderá, nos dois anos subsequentes e até que se esgote o capital seguro no último período de vigência do contrato, recusar a cobertura decorrente das prestações resultantes de doença manifestada, de outros cuidados de saúde relacionados ou outro facto ocorrido na vigência do contrato.

Em suma, com a Lei n.º 75/2021, de 18 de novembro, que entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2022, e de acordo com as alterações supra identificadas, o legislador teve como objetivo essencial a promoção e defesa dos valores de igualdade e proibição da discriminação das pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência no acesso aos contratos de seguro e ao crédito, estabelecendo, através das alterações vertidas no presente texto, medidas de proteção conducentes a esse fim.


[1] Com relevância para este efeito, a Lei n.º 75/2021 alterou o artigo 3.º alínea c) da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto passando a definir o conceito de “Pessoas com risco agravado de Saúde” como sendo aquelas que “sofrem de toda e qualquer patologia que determine uma alteração orgânica ou funcional, de longa duração, evolutiva, potencialmente incapacitante e que altere a qualidade de vida do portador a nível físico, mental, emocional, social e económico e seja causa potencial de invalidez precoce ou de significativa redução de esperança de vida.”

[2] Trata-se de uma alteração bastante aguardada, sobretudo pelos sobreviventes de cancro pediátrico ou outros doentes que tenham superado situações de risco agravado de Saúde, conforme divulgado pela Liga Portuguesa contra o Cancro.

[3] Deve ser ressalvado que este tipo de práticas discriminatórias já constava da Lei n.º 46/2006, cujo sumário, aliás, esclarecia que esta lei “proíbe e pune a discriminação em razão a deficiência e da existência de risco grave de saúde”.

[4] Embora nos termos do novo artigo 15.º-A, n.º 7 do RJCS, e a propósito do Acordo Nacional de Acesso ao Crédito e a Seguros, possam ser concedidos prazos mais favoráveis ao consumidorem sede de direito ao esquecimento, o artigo 3.º, n.º 2 da Lei n.º 75/2021 prevê os seguintes prazos: i) 10 anos desde o término do protocolo terapêutico, no caso de risco agravado de saúde ou deficiência superada; ii) Cinco anos desde o término do protocolo terapêutico, no caso de a patologia superada ter ocorrido antes dos 21 anos de idade; iii) Dois anos de protocolo terapêutico continuado e eficaz, no caso de risco agravado de saúde ou deficiência mitigada.

[5] O artigo 178.º do RJCS tem como epígrafe “Informação sobre exames médicos” e os n.º 3 a 6 da referida norma estabelecem o seguinte: “3 – O resultado dos exames médicos deve ser comunicado, quando solicitado, à pessoa segura ou a quem esta expressamente indique. 4 – A comunicação a que se refere o número anterior deve ser feita por um médico, salvo se as circunstâncias forem já do conhecimento da pessoa segura ou se puder supor, à luz da experiência comum, que já as conhecia. 5 – O disposto no n.º 3 aplica-se igualmente à comunicação ao tomador do seguro ou segurado quanto ao efeito do resultado dos exames médicos na decisão do segurador, designadamente no que respeite à não aceitação do seguro ou à sua aceitação em condições especiais. 6 – O segurador não pode recusar-se a fornecer à pessoa segura todas as informações de que disponha sobre a sua saúde, devendo, quando instado, disponibilizar tal informação por meios adequados do ponto de vista ético e humano.”

[6] A este propósito importa referir que a Lei n.º 75/2021, de 18 de novembro alterou o artigo 9.º, n.º 1 da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto prevendo que “a prática de qualquer ato discriminatório referido no capítulo II da presente lei ou a violação do acordo que concretiza o disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, por pessoa singular constitui contraordenação punível com coima graduada entre 5 e 10 vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, sem prejuízo do disposto no n.º 5 e da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.” Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito prevê-se que “a prática de qualquer ato discriminatório referido no capítulo II da presente lei ou a violação do acordo que concretiza o disposto no artigo 15.º -A do Decreto -Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, por pessoa coletiva de direito privado ou de direito público constitui contraordenação punível com coima graduada entre 20 e 30 vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, sem prejuízo do disposto no n.º 5 e da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.”

[7] Estão, no entanto, excluídos deste âmbito, os beneficiários do regime de concessão de crédito bonificado à habitação a pessoa com deficiência, aprovado pela Lei n.º 64/2014, de 26 de agosto (nos termos do n.º 3 e 4).