Cyberpunk 2077 e o problema da falta de conformidade dos videojogos no seu lançamento

Doutrina

No passado dia 10 de Dezembro, foi lançado o muito aguardado Cyberpunk 2077, do estúdio e distribuidor polaco CD Project Red, responsável também pela muito conhecida franchise The Witcher. Após oito anos em desenvolvimento, dois adiamentos da data de lançamento e uma campanha publicitária muito intensa, os fãs puderam finalmente adquirir o videojogo. Este encontra-se disponível em lojas físicas e em lojas virtuais, como a da GOG (subsidiária da CD Project Red), a Steam, a Google Store, a Playstation Store e a Microsoft Store. O videojogo tem versões para computadores e para as consolas Playstation 4 e Xbox One, assim como para as recém-lançadas, ditas de nova geração, Playstation 5 e Xbox X e S.

No entanto, para desapontamento de muitos, o videojogo que adquiriram – sendo que 8 milhões de pessoas fizeram por pre-order, com a antecedência de muitos meses, com a promessa de alguns conteúdos bónus – tinha bastantes problemas, especialmente em termos de performance do software. Rapidamente, a Internet encheu-se de relatos de jogadores que partilhavam os bugs e glitches mais “engraçados” e absurdos. E relatos do facto de o software estar com tantos problemas que seria impossível, na realidade, utilizar o serviço digital que adquiriram, mesmo tendo computadores e equipamentos que cumprissem com os requisitos de sistema publicitados pela CD Project Red. A situação revelou-se especialmente grave nas consolas de “antiga geração”, a Playstation 4 e a Xbox One, em que os jogadores se queixaram de o videojogo não funcionar e provocar crashes em que a consola se desligava de forma inesperada e constante. Esta situação levou, inclusivamente, a que a Sony retirasse o videojogo da Playstation Store e concedesse um reembolso a todos os consumidores que o pedissem.

Mesmo com um lançamento controverso e cheio de problemas, não cumprindo o “produto” final as expectativas estabelecidas pelo marketing intenso, as promessas do estúdio e a própria descrição do produto nas lojas virtuais, a verdade é que isto não impediu que as vendas do Cyberpunk 2077 fossem um sucesso comercial gigantesco. Muitos consumidores não tiveram acesso a remédios adequados face às faltas de conformidade do software. As soluções oferecidas basearam-se, essencialmente, nas (heterogéneas) políticas comerciais das lojas físicas e das lojas virtuais, que variam de plataforma para plataforma e de Estado para Estado.

Este aparenta ser um cenário bastante problemático que, infelizmente, no caso da indústria dos videojogos, está muito longe de ser excecional. Na verdade, lançamentos desastrosos de videojogos num estado inacabado como o do Cyberpunk 2077 são mais comuns do que seria de esperar. Há, geralmente, vários casos como este por ano, ligados às maiores produtoras, com situações particularmente notórias pelo nível de embuste e mentiras flagrantes (por exemplo, No Man Sky em 2016 ou Fallout 76 em 2018). Habitualmente, nestes casos, as empresas vão lançando patches e updates durante os meses seguintes ao lançamento, que servem para reparar/consertar os principais problemas do software e para incluir funcionalidades e conteúdos que supostamente deviam ter sido incluídas no produto final já distribuído[1]. Porém, este processo pode demorar muito tempo, ou até nem se verificar de todo, existindo empresas com uma reputação conhecida de venderem videojogos inacabados, com publicidade enganosa, e que rapidamente abandonam esses projetos, optando por alocar imediatamente os seus recursos a novos produtos.

Além dos danos causados pelo lançamento de videojogos num estado inacabado, há certas práticas adotadas pelos maiores distribuidores do mercado que devem ser referidas aqui: as já referidas pre-orderse os “reviews embargos”.

Nas pre-orders, os consumidores pagam antecipadamente por um videojogo que ainda não foi lançado no mercado, sendo geralmente aliciados para tal com a inclusão de conteúdos extra-exclusivos e, por vezes, uma redução do preço.

Os “review embargos” consistem na prática das produtoras de, ao enviarem antecipadamente cópias dos seus produtos a jornalistas para estes testarem, proibirem que estes publiquem as suas avaliações até depois do lançamento oficial. Impede-se, desta forma, que os consumidores (que já pagaram pelas pre-orders) possam ser alertados do estado do produto a tempo de cancelar a sua compra. Nos casos raros em que algum jornalista “furou” o embargo, publicando o seu artigo antes de tempo, este acabou blacklistedpelas principais empresas, deixando de receber o produto para testar com antecedência.

Do ponto de vista do Direito do Consumo, toda esta controvérsia levanta várias questões interessantes.

Na ótica processual, temos as questões de saber (i) qual é a jurisdição na qual deve ser iniciada a ação, (ii) qual é a lei aplicável ao contrato e (iii) que meios de resolução extrajudicial de litígios podem ser utilizados.

Os EULA (End-User Licensing Agreements) incluem, geralmente, cláusulas sobre estas temáticas, que por vezes procuram afastar as normas especiais do Regulamento Roma I e do Regulamento Bruxelas I, o que pode levantar problemas aos consumidores.

Num plano substantivo, a Diretiva dos Direitos dos Consumidores (Diretiva 2011/83/UE) classifica os videojogos como conteúdos digitais, estabelecendo que as comunicações pré-contratuais fazem parte integrante do contrato e atribuindo um direito ao arrependimento ou à livre resolução do contrato aos consumidores nos contratos realizados à distância ou fora do estabelecimento comercial. No entanto, no seu artigo 16.º-m), estabelece que o consumidor pode abdicar deste direito nos contratos de fornecimento de conteúdos digitais que não sejam disponibilizados em suporte duradouro. Na prática, esta situação ocorre com facilidade, por via da inclusão desta cláusula nos Termos e Condições que o consumidor é “forçado” a aceitar na loja virtual.

No entanto, nem tudo está perdido para o consumidor.

Embora em muitas ordens jurídicas dos Estados Membros da União Europeia não existam normas quanto a requisitos de conformidade de serviços digitais e que atribuam direitos ao consumidor em caso de desconformidade, esta situação está em vias de resolução. Com efeito, a Diretiva 2019/770, relativa aos contratos de fornecimento de serviços e conteúdos digitais, deverá ser transposta ainda este ano, com entrada em vigor das normas de transposição a 1 de Janeiro de 2022. Ainda mais recentemente, foi aprovada a Diretiva 2020/1828, sobre as ações coletivas de proteção dos direitos dos consumidores, que irá colmatar as lacunas existentes em alguns Estados Membros e agilizar a propositura de ações para a reparação de danos causados pela violação do direito de consumo europeu e das leis nacionais, incluindo as Diretivas 2011/83/UE e 2019/770.

Assim, com a transposição destas normas e com o aprofundamento do Mercado Único Digital na União Europeia, os consumidores irão beneficiar de uma maior proteção dos seus direitos. Situações como o lançamento do Cyberpunk 2077, em que serviços digitais são distribuídos num estado inacabado sem a devida indicação, tornar-se-ão, espera-se, mais raras.

[1] No caso da CD Project Red, quatro dias depois do lançamento do Cyberpunk 2077, esta publicou um statement neste sentido, admitindo que esconderam as falhas das versões nas consolas antigas e prometendo dois patches, em Janeiro e Fevereiro, que consertarão os problemas, assim como o direito ao reembolso a quem o pedisse. https://en.cdprojektred.com/news/important-update/

O RGPD e a nova indústria da proteção de dados

Doutrina

O Regulamento Geral da Proteção de Dados (RGPD) tem vindo, paulatinamente, a impor-se em todas as áreas do Direito e da vida. Passo a passo, o polvo estende os seus tentáculos, que começa por colar suavemente a partir da ventosa mais pequena, progredindo depois na medida em que lhe é permitido, até envolver a realidade e a sujeitar ao que se diz serem as suas regras.

O Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016 (RGPD), relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, revogou a Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, transposta para a ordem jurídica portuguesa pela Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, por sua vez revogada pela Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto que assegura a execução do RGPD na ordem jurídica nacional.

O RGPD, sob a aparência de novidade, serviu essencialmente para ultrapassar as discrepâncias nacionais na transposição da Diretiva e criar uma uniformidade transnacional. Após anos de negociações, o resultado final foi pouco diferente do que a Diretiva já previa e propiciava. Sendo quase redundante, apresentava-se desadequado a uma realidade que foi mudando ao longo das árduas negociações que se iam gorando e progredindo em concessões com vista ao acordo. A realidade continuou – e continua – a mudar, inexoravelmente, a partir da sua entrada “em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação”. Tendo esta ocorrido em 4 de maio de 2016, aquela terá ocorrido a 25 de maio do mesmo ano, tendo o RGPD previsto que “é aplicável a partir de 25 de maio de 2018”. Talvez daqui resulte a obnubilação da primeira data e a atenção que se focou na segunda.

A partir daí a proteção de dados tem-se vindo a tornar ubíqua, invadindo as áreas do Direito que têm subjacente informação e que são, potencialmente, todas. As relações de consumo, que se vão paulatinamente deslocando para o ambiente digital, encontram-se especialmente expostas, quer pela contratação em massa, quer pela intensa apetência para a produção de dados. Este é o grande problema. Numa época em que “os dados” assumiram uma omnipresença em todas as áreas, surge um instrumento que visa dominá-los ou, pelo menos, submetê-los aos rigores das checklists.

Embora o RGPD, como foi referido, tenha replicado o regime substancial da Diretiva 95/46, consagrando no essencial os mesmos princípios e direitos (acrescentando o novo direito de portabilidade dos dados), conseguiu captar a atenção global devido, principalmente, às sanções astronómicas que prevê.

De resto, criou ou desenvolveu uma estrutura burocrática gigantesca, que passa pelo novo papel das autoridades de controlo independentes e a obrigatoriedade de nomeação de um encarregado da proteção de dados, e se consubstancia numa série de trâmites e certificações, que passou a ocupar diligentemente uma multidão crescente de pessoas. Está, pois, na origem de um novo mundo de prestação de serviços salvíficos, com vista à implementação de procedimentos para serem evitadas pesadas coimas.

O RGPD criou a florescente indústria da proteção de dados.

Orçamento do Estado e linhas telefónicas de apoio ao consumidor – O princípio do fim dos “707”?

Legislação

O Orçamento do Estado para 2021, aprovado pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, tem várias normas que visam regular as relações de consumo.

Analisa-se hoje o artigo 189.º, que impõe ao Governo a aprovação, até ao final de janeiro, de legislação no sentido de “estabelecer que as chamadas efetuadas pelo consumidor para uma linha de apoio ao cliente de fornecedores de bens e prestadores de serviços não podem exceder o custo de uma chamada normal para uma linha telefónica geográfica ou móvel, exceto nos casos em que a própria chamada represente o serviço prestado ao consumidor, designadamente nos concursos que utilizam chamadas de valor acrescentado”, “impor aos operadores económicos o dever de divulgar o número ou números disponibilizados para contacto com os clientes e de obedecer a determinados critérios na sua divulgação” e “criar um regime contraordenacional para a violação das obrigações referidas nas alíneas anteriores”.

Ora, já existe legislação que proíbe que os números das linhas de apoio ao cliente excedam o custo de uma chamada normal para uma linha telefónica geográfica ou móvel.

Com efeito, o art. 9.º-D da Lei de Defesa do Consumidor (LDC) estabelece que “a disponibilização de linha telefónica para contacto no âmbito de uma relação jurídica de consumo não implica o pagamento pelo consumidor de quaisquer custos adicionais pela utilização desse meio, além da tarifa base, sem prejuízo do direito de os operadores de telecomunicações faturarem aquelas chamadas”. Este preceito transpõe o art. 22.º da Diretiva 2011/83/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores.

Chamado a pronunciar-se sobre o conceito de “tarifa base”, o Tribunal de Justiça da União Europeia – TJUE (Acórdão de 2 de março de 2017, Processo C-568/15, Acórdão Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs Frankfurt am Main) veio declarar que este “deve ser interpretado no sentido de que o custo de uma chamada relativa a um contrato celebrado e para uma linha telefónica de apoio ao cliente explorada por um profissional não pode exceder o custo de uma chamada normal para uma linha telefónica fixa geográfica ou móvel”.

É, assim, inadmissível que o número de telefone disponibilizado pelo profissional implique custos acrescidos em relação a uma chamada normal para um telefone fixo ou móvel. Não pode, por exemplo, ser disponibilizado um número iniciado por 707, devendo apenas ser admitidos os números começados por 2 ou 9 ou, naturalmente, os números gratuitos.

Esta norma aplica-se a todos os contratos de consumo, mas tem particular relevância nos contratos duradouros, nomeadamente os relativos a serviços públicos essenciais, em que a relação existente entre as partes pressupõe o estabelecimento de contactos por iniciativa do consumidor. Exemplificando, num contrato relativo a comunicações eletrónicas, a utilização da linha telefónica de apoio ao cliente do prestador de serviços não pode implicar custos para o consumidor que excedam os de uma chamada normal para um número de telefone fixo ou móvel.

Mesmo que não existisse esta regra na LDC, a disponibilização de um “707” como único meio de contacto sempre constituiria uma forma de desincentivar o consumidor a contactar o serviço de assistência, que não poderia ser tolerada pelo direito, por violação do princípio da boa-fé.

O art. 9.º-D vem, no entanto, esclarecer que, mesmo que existam outros meios de contacto, a disponibilização de uma linha telefónica não pode implicar custos acrescidos para o consumidor.

No Acórdão de 13 de setembro de 2018, Processo C-332/17, Acórdão Starman, o TJUE vem reforçar esta ideia, ao concluir que é ilícita a prática em que o profissional utiliza dois números, um sem custos acrescidos e outro com custos acrescidos, mesmo que informe os consumidores de forma adequada da existência dos dois números. O profissional apenas pode, portanto, disponibilizar números sem custos acrescidos para o consumidor.

A regra já se encontra, portanto, prevista no ordenamento jurídico português. Esperemos que seja agora garantido o seu cumprimento efetivo, até porque se prevê passar a impor aos profissionais “o dever de divulgar o número ou números disponibilizados para contacto com os clientes e de obedecer a determinados critérios na sua divulgação”.

Saúda-se, ainda, a intenção de criar um regime contraordenacional para a sua violação. Este regime deveria, aliás, ser alargado a todas as normas que, na LDC, transpõem preceitos da referida Diretiva 2011/83/EU: arts. 8.º, 9.º-A, 9.º-B e 9.º-C, além do já indicado art. 9.º-D.

2020 – Um ano estranho, mas muito produtivo no NOVA Consumer Lab

Eventos

Fazemos hoje aqui no blog um balanço do ano de 2020 no NOVA Consumer Lab. 2020 foi um ano marcado pela pandemia, mas também por combates intensos e determinantes para o mundo em que vivemos. Além da COVID-19, o (combate ao) racismo, a sustentabilidade e o digital estiveram na agenda em quase todos os países do globo.

O NOVA Consumer Lab aproveitou o primeiro confinamento para intensificar e diversificar as suas atividades, tendo sido este o ano em que começamos os projetos do blog, do podcast e das talks.

A equipa cresceu, contando hoje com vinte e seis investigadores: Alyne Calistro, Ana Jorge Teixeira, Ana Machado, André Alfar Rodrigues, Edgar Palma, Eduardo Freitas, Elisa Arruda, Fabrizio Esposito, Filipa Ribas de Oliveira, Francisca Lopes, Francisco Arga e Lima, Gabriela Hiwatashi dos Santos, Gonçalo Veiga da Silva, Joana Campos Carvalho, João Pedro Pinto-Ferreira, Jorge Morais Carvalho, José Filipe Ferreira, Maria Miguel Oliveira da Silva, Martim Farinha, Matilde Bettencourt, Natália Veiga Rebelo, Paula Ribeiro Alves, Pedro Ferreira, Sofia Lopes Agostinho, Suzana Rahde Gerchmann e Yasmin Waetge.

Estamos presentes nas seguintes redes sociais: Facebook, Instagram, Linkedin e YouTube. Para aceder ao nosso grupo no WhatsApp e receber as novidades em primeira mão, basta seguir esta ligação.

 

Blog

Iniciado em abril, em pleno confinamento, o NOVA Consumer Blog já conta com 65 posts, distribuídos ao longo do ano. A legislação COVID-19 dominou os primeiros meses, enquanto nos últimos meses a categoria dominante passou a ser a da jurisprudência. Olhamos também bastante para o direito europeu, por um lado, e para uma pesquisa própria, dominando temas mais tecnológicos, como a inteligência artificial.

Se olharmos para as etiquetas, verificamos que o tema dominante é a COVID-19. Outros temas, relacionados ou não com este, foram tratados de forma recorrente no nosso blog, destacando-se a inteligência artificial, o consumo digital, a contratação à distância, a venda de bens de consumo, o crédito ao consumo, o turismo, incluindo viagens organizadas e alojamento local e a resolução alternativa de litígios de consumo, em especial, a arbitragem.

Escreveram textos no blog, além de um autor convidado (António Pedro Pinto Monteiro), dez dos nossos investigadores (Jorge Morais Carvalho, José Filipe Ferreira, Paula Ribeiro Alves, Martim Farinha, Yasmin Waetge, Maria Miguel Oliveira da Silva, Ana Machado, André Alfar, Fabrizio Esposito e Francisco Arga e Lima).

 

Podcast

O NOVA Consumer Podcast tem um novo episódio de quinze em quinze dias, às segundas-feiras, tendo sido publicado o primeiro no início do Verão, a 22 de junho.

A primeira temporada, mais generalista, terá quinze episódios, sendo publicado o último, já gravado, com Mariana França Gouveia, no dia 4 de janeiro de 2021. Com um grupo de entrevistados bastante diversificado, atravessamos fronteiras e um oceano, entrevistando personalidades relevantes na área do consumo e em áreas conexas.

  1. Jorge Morais Carvalho, Diretor do NOVA Consumer Lab (22 de junho)
  2. Teresa Moreira, Diretora do Serviço das Políticas da Concorrência e dos Consumidores da UNCTAD (6 de julho)
  3. Maria Cristina Portugal, Presidente do Conselho de Administração da ERSE (20 de julho)
  4. Paula Ribeiro Alves, Jurista e Doutoranda nos temas da IA, Big Data e Privacidade (3 de agosto)
  5. Antonino Serra Cambaceres, Advocacy Manager na Consumers International (17 de agosto)
  6. Carlos Ferreira de Almeida, Professor Catedrático Jubilado de Direito Privado na NOVA (31 de agosto)
  7. Claudia Lima Marques, Professora de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (14 de setembro)
  8. Mário Beja Santos, Escritor e Pioneiro de Defesa do Consumidor (28 de setembro)
  9. Armando Flores, Cofundador do Centro de Defesa do Consumidor de El Salvador (12 de outubro)
  10. Isabel do Carmo, Médica Especialista em Endocrinologia, Diabetes e Nutrição (26 de outubro)
  11. Juliana Pereira da Silva, Presid. do Instituto de Pesquisas e Estudos da Sociedade de Consumo (9 de novembro)
  12. Direito do Consumo em Portugal e no Brasil – Uma conversa entre investigadores do NOVA Consumer Lab (23 de novembro)
  13. Sandra Passinhas, Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (7 de dezembro)
  14. Juan Trimboli, Presidente da Fundación Ciudadana por un Consumo Responsable do Chile (21 de dezembro)
  15. Mariana França Gouveia, Diretora da NOVA School of Law (4 de janeiro)

A segunda temporada, que terá início a 18 de janeiro de 2021, será dedicada à ligação entre consumo e sustentabilidade, um tema que irá estar no centro de parte das nossas atividades nos próximos meses.

 

Talks

As NOVA Consumer Talks realizam-se, à distância e em inglês, na primeira quarta-feira de cada mês, tendo como objetivo promover a discussão sobre os temas de investigação de cada um dos membros da nossa equipa. Além de um investigador do NOVA Consumer Lab, são sempre convidados dois investigadores/professores de universidades estrangeiras.

A primeira sessão (The Crossroads Between Data Protection and Consumer Law) realizou-se no dia 7 de outubro e teve como intervenientes Francisco Arga e Lima (NOVA Consumer Lab), Madalena Narciso (Maastricht University) & Martin Schmidt-Kessel (Universität Bayreuth), com moderação de Jorge Morais Carvalho.

No dia 4 de novembro, teve lugar a segunda sessão (Virtual Goods and European Consumer Law), com participação de Martim Farinha (NOVA Consumer Lab), Przemyslaw Palka (Yale Law School) & Vanessa Mak (Leiden University), com moderação de Jorge Morais Carvalho. O vídeo da sessão está disponível no YouTube.

Elisa Schenfel de Arruda (NOVA Consumer Lab), Giuseppe Versaci (Università di Siena) & Frederik Zuiderveen Borgessius (iHub, Radboud University) foram os intervenientes da sessão de 9 de dezembro (Who is afraid of personalised prices?), que contou com a moderação de Fabrizio Esposito e também se encontra publicada no YouTube.

A 6 de janeiro de 2021, teremos a próxima Talk, sobre “Mandatory Mediation in Consumer Disputes”, com João Pedro Pinto-Ferreira (NOVA Consumer Lab), Iris Benohr (Queen Mary University of London) & Pablo Cortés (University of Leicester) e moderação de Joana Campos Carvalho. As inscrições podem ser feitas aqui.

 

Jornada

No dia 6 de maio, teve lugar a I Jornada do NOVA Consumer Lab, na qual os investigadores do centro apresentaram os seus temas de investigação, sob o olhar atento de cerca de 200 participantes.

A abertura do evento contou a presença de Mariana França Gouveia, Diretora da NOVA School of Law, e de João Torres, Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor.

A moderação esteve a cargo de Sandra Passinhas, Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e de Bruno Miragem, Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Os temas apresentados foram os seguintes (incluindo ligação para o vídeo):

A Exploração Laboral no Mundo e o Direito do Consumidor à Informação em Particular (Maria Miguel Oliveira da Silva);

Economia Circular, Product-Service Systems e Proteção do Consumidor (Gonçalo Veiga da Silva);

Condomínio-Consumidor: Comentário ao Ac. do STJ, de 10 de dezembro de 2019 (José Filipe Ferreira);

Covid 19 e o Avião que Nunca Chegou a Descolar (Francisca Lopes);

A Interrupção indevida do Fornecimento de Energia Elétrica – Regime Sancionatório e Responsabilidade Civil (Eduardo Freitas);

Responsabilidade Civil dos Influenciadores Digitais (Alyne Calistro);

Quadro Regulatório Aplicável ao E-Commerce na União Europeia e na China (Natália Rebelo);

Estrutura Contratual da Plataforma TaskRabbit (Suzana Rahde Gerchmann);

Entre o Direito do Consumo e a Proteção de Dados Pessoais: O Caso do Facebook (Francisco Arga e Lima);

Obsolescência Programada: Existe um Dever de Atualização do Software? (Edgar Palma);

Os Bens Virtuais e o Direito do Consumo Europeu (Martim Farinha);

Sandbox Regulatório como Ferramenta de Proteção aos Consumidores (Yasmin Waetge).

 

Conferências, palestras e aulas

No dia 15 de março, por ocasião do Dia Mundial dos Direitos dos Consumidores, organizamos o webinário “As Cinquenta Sombras das Garantias: Venda de Bens de Consumo em Portugal” (Jorge Morais Carvalho).

O “Cycle of Seminars on Digital Contracts” decorreu entre os dias 18 de março e 18 de maio, integrado na disciplina de Digital Contracts, regida por Jorge Morais Carvalho. O cartaz foi este:

– Data as Counter-Performance in Consumer Contracts – Madalena Narciso, Maastricht University;

– Personalisation of Prices and Modernisation of Consumer Law – Fabrizio Esposito, Université Catholique de Louvain;

– Digital Contracts and Information Requirements – Arno R. Lodder, Vrije Universiteit Amsterdam;

– Digital Contracts and Services of General Economic Interest – Lucila de Almeida, Tel Aviv University & European University Institute (Florence School of Regulation/Robert Schuman Centre for Advanced Studies);

– Termination of the Contract and Destination of Data and Content Generated by Users of Digital Services – Sergio Cámara Lapuente, Universidad de La Rioja;

– 3D-printing from the Perspective of Commercial and Consumer Contracts – Christian Twigg-Flesner, University of Warwick;

– Data as Digital Wealth: Raw Data, Inferred Data and Data Processing Algorithms | José Antonio Castillo Parrilla, Universidad del País Vasco.

No dia 12 de dezembro, teve lugar o evento Regulating Innovation Roundtable, com abertura por Jorge Morais Carvalho e João Vieira dos Santos (Legal Hackers Lisbon) e participação de Maria Eduarda Gonçalves (ISCTE-IUL), Ronald Leenes (Tilburg Law School), Teresa Moreira (Head, Competition and Consumer Policies Branch, UNCTAD) e Teresa Rodríguez-de-las-Heras Ballell (Universidad Carlos III de Madrid), com moderação de Fabrizio Esposito.

 

Livros e artigos

Em 2020, foram publicados três livros com referência ao NOVA Consumer Lab:

Manual de Direito do Consumo, 7.ª edição, Almedina, 2020 (de Jorge Morais Carvalho);

Casos Práticos Resolvidos de Direito do Consumo, Vol. II, Almedina, 2020 (com coordenação de Jorge Morais Carvalho e Maria Miguel Oliveira da Silva). Esta obra reúne 40 novos casos práticos sobre Direito do Consumo, resolvidos à luz da legislação nacional e europeia por 52 autores ligados à NOVA School of Law e ao NOVA Consumer Lab;

Legislação de Direito do Consumo, Almedina, 2020 (compilação por Jorge Morais Carvalho).

Foram ainda publicados os seguintes artigos com indicação de filiação ao centro:

– Jorge Morais Carvalho, “Consumer ADR in the European Union and in Portugal as a Means of Ensuring Consumer Protection”, in Christine Riefa & Séverine Saintier (eds.), Vulnerable Consumers and the Law – Consumer Protection and Access to Justice, Routledge, 2020, pp. 193-207.

– Jorge Morais Carvalho & Martim Farinha, “Goods with Digital Elements, Digital Content and Digital Services in Directives 2019-770 and 2019-771”, in Revista de Direito e Tecnologia, Vol. 2, n.º 2, 2020, p. 257-270.

– Jorge Morais Carvalho, “Introducción a las Nuevas Directivas sobre Contratos de Compraventa de Bienes y Contenidos o Servicios Digitales”, in Esther Arroyo Amayuelas & Sergio Cámara Lapuente (eds.), El Derecho Privado en el Nuevo Paradigma Digital, Colegio Notarial de Cataluña/Marcial Pons, 2020, pp. 31-47.

– Jorge Morais Carvalho & João Pedro Pinto-Ferreira, “Reflexão sobre a Arbitragem e a Mediação de Consumo na Lei de Defesa do Consumidor – A Lei n.º 63/2019, de 16 de Agosto”, in Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação, n.º 13, 2020, pp. 9-35.

– Jorge Morais Carvalho, “Contratos de Compraventa de Bienes (Directiva 2019771) y Suministro de Contenidos o Servicios Digitales (Directiva 2019770) – Ámbito de Aplicación y Grado de Armonización”, in Cuadernos de Derecho Transnacional, Vol. 12, n.º 1, 2020, pp. 930-940.

– Jorge Morais Carvalho, “Resolução Alternativa de Litígios de Consumo por Entidades Reguladoras”, in Garantia de Direitos e Regulação: Perspectivas de Direito Administrativo, AAFDL, Lisboa, 2020, pp. 567-584.

 

Anuário

O primeiro número do Anuário do NOVA Consumer Lab, referente a 2019, foi publicado em janeiro de 2020, incluindo artigos de Bruno Miragem, José Antonio Castillo Parrilla, Fabrizio Esposito e Madalena Narciso e as teses de mestrado de Eduardo Freitas, José Filipe Ferreira e Miguel Vieira Ramos.

O número de 2020 encontra-se em processo de paginação. Inclui nove artigos, dos quais quatro em inglês – Shannon König (“Regulation of Ride-Hailing Companies in Germany and Portugal”), Pedro Fonseca Barros Ferreira (“Reviews and Endorsements in Online Marketplaces and Consumer Protection”), Gabriela Hiwatashi dos Santos (“A “New Deal for Consumers”? The European Regulatory Framework for Online Search Queries and Rankings under the Omnibus Directive (Directive (EU) 2019/2161)”) e Helena Gonçalves de Lima (“Burden of Proof of (Lack of) Conformity in Directive 2019/770: A Comparison with the Directive 2019/771”) – e cinco em português – José Engrácia Antunes (“O Regime Geral da Contratação de Consumo”), Alyne Grazieli Calistro (“Responsabilidade Civil dos Influenciadores Digitais”), Francisca Faria Lopes (“COVID-19 e o Avião Que Nunca Chegou a Descolar”), Paula Ribeiro Alves (“Sensibilidade e Bom Senso – Comentário ao Acórdão do TJUE no Caso Orange (Processo C-61/19), Relativo aos Requisitos do Consentimento para Tratamento de Dados Pessoais”) e Jorge Morais Carvalho (“Conformidade do Bem com o Contrato no Regime Português da Venda de Bens de Consumo”). Será publicado em janeiro de 2021.

 

Consumer Conference

Foi lançada ainda em 2020 a primeira pedra da Consumer Conference, cuja primeira edição se irá realizar nos dias 21 e 22 de abril de 2021, tendo como tema “Sustainability. Consumption”.

Encontra-se em curso um Call for Papers, que termina no dia 5 de fevereiro de 2021. Consulte todas as informações no site.

 

Inquérito sobre preços personalizados

Lançamos em setembro de 2020 um inquérito, dirigido a todas e a todos, no qual se pretende estudar a opinião das pessoas sobre preços personalizados.

O projeto é coordenado por Fabrizio Esposito e Elisa Arruda (que também defendeu este ano, com grande sucesso, a sua tese de mestrado neste tema), com participação de Leonor Bettencourt.

Já temos mais de trezentas respostas, mas seria muito importante chegar às quatrocentas, número ideal para a extração de conclusões cientificamente válidas. O inquérito pode ser preenchido aqui.

 

Atendimento telefónico

Entre setembro de 2008 e setembro de 2020, prestamos serviços de informação e encaminhamento do consumidor através de atendimento telefónico, no âmbito de uma relação contratual entre a NOVA School of Law e a Direção-Geral do Consumidor.

No âmbito do atendimento telefónico, era prestada informação genérica relativa a questões relacionadas com o Direito do Consumo, procedendo-se também ao encaminhamento dos consumidores para meios de resolução alternativa de litígios e entidades reguladoras.

No total, foram atendidas 78 682 chamadas, das quais 4126 entre janeiro e setembro de 2020.

 

Formação avançada

Em abril de 2020, promoveu-se um E-Curso sobre o Regime Contratual das Plataformas Digitais, com coordenação de Jorge Morais Carvalho e Joana Campos Carvalho.

Neste curso, que contou com cerca de 30 participantes, procedeu-se a uma análise aprofundada dos vários contratos ligados às plataformas: (i) contrato entre o fornecedor de bens e serviços e a plataforma; (ii) contrato entre o fornecedor e o utilizador/consumidor; (ii) contrato entre o fornecedor e o utilizador.

Em novembro, ainda no domínio da formação avançada, teve início a Academia do Consumo para os CIAC (centros de informação autárquicos ao consumidor), projeto preparado pela JURISNOVA e pelo NOVA Consumer Lab, com a colaboração da Direção-Geral do Consumidor e o apoio do Fundo para a Promoção dos Direitos dos Consumidores. A participação no projeto é totalmente gratuita para os CIAC e para os seus colaboradores.

O projeto tem a duração de dois anos e inclui três fases sucessivas:

Fase 1 – Formação Online | Entre janeiro e junho de 2021

Fase 2 – Formação Presencial | A partir de meados de 2021

Fase 3 – Consultoria | A partir do final de 2021

Jogador de póquer online: consumidor ou profissional?

Jurisprudência

No Processo C‑774/19, o TJUE foi chamado a pronunciar-se sobre a qualificação como consumidor de um jogador de póquer online.

Antes de mais, cumpre enquadrar a relação jurídica em causa. Trata-se de um contrato celebrado entre uma pessoa singular (B. B.) e uma sociedade comercial com sede em Malta (Personal Exchange International Limited, doravante “PEI”), com recurso a cláusulas contratuais gerais por esta pré-elaboradas. O contrato tem como objeto a prestação de serviços de jogos de fortuna e azar em linha, no sítio de internet www.mybet.com.

O litígio surgiu na sequência de a “PEI” haver retido uma quantia depositada na conta de jogador de B. B., por este ter, alegadamente, incumprido uma obrigação decorrente daquele contrato, “ao criar uma conta de utilizador suplementar, para a qual utilizou o nome e os dados de A. B.”.

Ora, perante isto, B. B. propôs uma ação contra a “PEI” nos tribunais eslovenos. A sociedade maltesa invocou a incompetência internacional do tribunal, exceção julgada improcedente nas decisões das duas primeiras instâncias nacionais desse Estado-Membro, ambas alvo de recurso. Assim, o pedido de decisão prejudicial foi apresentado ao TJUE pelo Supremo Tribunal da Eslovénia.

O TJUE foi chamado a interpretar o artigo 15.°-1 do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (aplicável por o litígio se reportar a factos anteriores a 10 de janeiro de 2015; v. artigo 81.º do Regulamento (UE) n.° 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012).

A questão era saber qual o tribunal internacionalmente competente para dirimir aquele conflito plurilocalizado. B. B., entendia serem os tribunais eslovenos, por considerar ser consumidor (artigos 15.º-1 e 16.º-1 do Regulamento (CE) n.° 44/2001). Já a “PEI” entendia serem os tribunais malteses, segundo a regra geral de competência, prevista no artigo 2.º-1 do mesmo Regulamento, nos termos da qual “as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado”, uma vez que entendem que B. B. deve ser considerado jogador de póquer profissional (solução que resultaria também do clausulado pré-elaborado pela “PEI” e assinado, sem qualquer margem negocial, por B. B.).

Estamos, portanto, perante uma questão processual/adjetiva que depende de uma questão material/substantiva: para aferirmos qual o tribunal competente para dirimir o litígio em causa temos que determinar, primeiramente, se podemos considerar esta relação como uma relação de consumo.

Note-se que o TJUE vem defendendo uma interpretação restritiva das normas excecionais relativas à competência internacional, concluindo que só os contratos celebrados fora e independentemente de qualquer atividade ou finalidade de ordem profissional, unicamente com o objetivo de satisfazer as próprias necessidades de consumo privado de um indivíduo, são abrangidos pelo regime previsto pelo referido regulamento em matéria de proteção do consumidor enquanto parte considerada mais fraca, ao passo que essa proteção não se justifica em casos de contratos que incluem algum objetivo ligado a uma atividade profissional.

Está na altura de introduzirmos alguns elementos fáticos que, segundo o Supremo Tribunal esloveno, serão importantes para a solução da questão:

  1. B. teve de aceitar as condições gerais apresentadas pela “PEI” por ser economicamente mais fraco e juridicamente menos experiente;
  2. B. não declarou oficialmente a atividade de jogador de póquer profissional;
  3. B. não propôs a sua atividade a terceiros mediante remuneração, nem teve patrocinadores;
  4. B. vive dos rendimentos provenientes dos jogos de póquer desde 2008;
  5. B. jogava póquer, em média, 9 horas por dia útil;
  6. B. ganhou cerca de € 227 000 em aproximadamente 13 meses (perto de € 17 450 por mês).

Recentrando a questão, o TJUE teve que decidir se um particular que adere a um clausulado pré-elaborado por um profissional e que não declarou oficialmente a sua atividade, nem ofereceu essa atividade a terceiros enquanto serviço remunerado ainda pode ser considerado consumidor, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º do Regulamento (CE) n.° 44/2001, quando esse particular joga o jogo em causa durante um grande número de horas por dia e obtém ganhos significativos daí provenientes.

Na decisão, o TJUE não considerou determinante o facto de B. B. ter ganho quantias significativas graças a jogos de póquer online, entendendo que, por razões de previsibilidade e segurança jurídica, não fixando o Regulamento um limiar quantitativo quanto ao seu âmbito de aplicação, não se pode limitá-lo em função dos montantes ganhos, ademais tratando-se de um jogo de fortuna e azar, em que tanto as perdas como os ganhos são imprevisíveis e potencialmente avultados.

O Tribunal considerou também irrelevantes os alegados conhecimentos que B. B. possui e que lhe permitiram obter tão significativos ganhos, relembrando que para a qualificação como consumidor releva a posição contratual na relação em causa e não a sua informação e conhecimentos respeitantes ao objeto mediato do contrato (convoque-se o exemplo clássico do sapateiro que adquire um par de sapatos numa loja de um centro comercial).

Por fim, o TJUE relativizou o facto de B. B. jogar com muita regularidade (média de 9 horas por dia útil), considerando mais relevante não ter declarado oficialmente a atividade profissional de jogador de póquer e não ter oferecido essa atividade a terceiros enquanto serviço remunerado.

Assim, concluiu que B. B. poderia ser considerado consumidor e que os tribunais eslovenos eram internacionalmente competentes para dirimir o seu litígio com a “PEI”.

Quanto à bondade da decisão, poder-se-á apenas questionar se, mais do que os elevados montantes ganhos e a regularidade com que B. B. jogava, não deveria ter pesado na decisão do Tribunal o facto de B. B. ter como única fonte de rendimentos o jogo de póquer. Contrariamente às restantes, esta circunstância não foi escalpelizada pelo TJUE, e talvez fosse o mais forte indício a favor da tese de que a relação em causa não fosse de consumo, principalmente tendo em consideração o entendimento restritivo que o TJUE vem fazendo do conceito de consumidor para os efeitos que interessam neste caso: a competência internacional.

Independentemente disso, não podemos deixar de notar que, embora B. B. possa não ser profissional, atendendo aos proveitos retirados do jogo online (cerca de € 17.500/mês), amador não seria certamente.

O “Efeito SHEIN” e o consumo Fast-Fashion

Doutrina

Recentemente publicamos em nosso Blog um texto bastante interessante sobre o “efeito Netflix” no consumo, além de outros que, voltados à análise comportamental do consumidor, têm nos conduzido a pesquisas cada vez mais profundas sobre o tema e suas consequências, sobretudo no contexto da pandemia de COVID-19 e dos (re)confinamentos.

Hoje, a análise se debruça sobre o “efeito Shein” no consumo e em como o modelo fast-fashion tem alterado a indústria da moda, em oposição a um consumo consciente e sustentável, e gerado uma explosão de vendas.

Influenciadoras digitais, youtubers, famosas do mundo todo e uma pesada rede de anúncios pulverizados pelas redes sociais tem disparado as vendas da marca chinesa Shein, que se tornou no maior operador de moda do mundo, puramente online, em termos de vendas de produtos de marca própria, de acordo com os dados da Euromonitor citados pela agência Reuters.

Só em setembro deste ano, a app da Shein foi descarregada 10,3 milhões de vezes a nível global, de acordo com os dados da Sensor Tower, também citados pela agência Reuters.

A marca, vagamente criticada pela opacidade de suas informações, uma vez que não apresenta qualquer Código de Ética, Declaração contra escravidão e nem mesmo sustenta bandeiras como a da produção sustentável em favor da natureza e dos animais, não é a única entre as muitas marcas a integrarem o modelo fast-fashion de estímulo ao consumo desenfreado que merecem uma análise em nosso Blog e estão com as vendas em crescimento diário.

Mas afinal, o que é o fast-fashion e por que isso importa? Fast-fashion é o nome em inglês para o modelo de negócios adotado entre marcas da indústria da moda como Zara, H&M, Levis e até mesmo Nike, constantes de inúmeras listas sobre o assunto e baseada sobretudo em 5 pilares: intermediários ocultos, margens de vendas em quantidade, material de origem desconhecida, mão de obra barata e pouquíssima transparência negocial.

Trata-se, sobretudo, de um termo utilizado para designar a tendência desse mercado, disseminado mundialmente a partir dos anos 70, em que os produtos são produzidos de forma a causar a sensação de exclusividade, com foco em consumidores sujeitos a altíssima pressão de compra e que tem por objeto produtos que possam ser descartados em grande velocidade.

Enquanto, por um lado, é preciso se conscientizar que a compra de roupas possa estar tanto a preencher necessidades de cunho emocional, quanto resolver problemas específicos de compra[1], por outro, é preciso atentar às marcas que se destacam em uma das atividades mais poluentes do mundo, em razão da utilização de tinturas de baixa qualidade, insolúveis e produtos à base de metais pesados. A indústria da moda produz 20% das águas residuais do mundo e 10% das emissões globais de carbono. Isso é mais do que todos os voos internacionais e transporte marítimo combinados.

Além disso, apesar dos benefícios que pode trazer ao mercado, como maior rentabilidade, geração de empregos e produtos a custo acessível, é preciso estar ciente de que, por trás dos preços baixos e tamanha diversidade, muitas destas marcas despontam também na utilização do trabalho escravo e infantil pelo mundo, a despender muito mais dinheiro em anúncios do que em garantias e direitos trabalhistas.

Por fim e não menos importante, é preciso notar as lógicas socioeconômicas e culturais que moldam as subjetividades contemporâneas e afetam a mentalidade do consumidor. “Não existe nada mais contagioso do que a psicologia”[2].  Bens duráveis tornam-se cada dia mais descartáveis, utilizados por curto período de tempo. Influenciados por tantos fatores, incluindo anúncios dinâmicos feitos com features automatizadas, as marcas de fast-fashion souberam, sobretudo durante a pandemia, dar visibilidade para peças que estavam tendo alta procura e abusaram da ansiedade do consumidor.

Agora resta-nos convidar o leitor a uma autoanálise, como um chamado à consciência, sobre o quanto estamos sujeitos aos efeitos “Shein”, “Netflix” e tantos outros que o Direito muitas vezes assiste sem, entretanto, conseguir acompanhar. O problema não é consumir, mas é não pensar no consumo!

[1] FRINGS, G.S. (2012). Moda: do conceito ao consumidor (9a ed.). Porto Alegre: Bookman.

[2] GARY, Romain. A vida pela frente (La vie devant soi) (1ª ed.). 2019, E-book – Kindle.

Encomendei um casaco. A caixa chegou vazia. E agora?

Doutrina

Propomos hoje no nosso blog um desafio simples do ponto de vista dos factos, mas complexo do ponto de vista do direito. Imaginemos que um consumidor encomendou um casaco através de um site e, no dia indicado, recebeu em sua casa a encomenda. Ao abrir a encomenda, verificou que a caixa estava vazia, não contendo qualquer casaco. Partamos do princípio de que a caixa se encontrava em perfeitas condições, não havendo sinais de ter sido aberta durante o transporte. O vendedor alega que o casaco foi colocado dentro da caixa e não quer enviar um novo casaco ao consumidor.

Tendo sido celebrado um contrato de compra e venda, o consumidor/comprador tem direito à entrega da coisa, neste caso o casaco. Desde logo, nos termos do art. 879.º-b) do Código Civil, um dos efeitos essenciais da compra e venda é “a obrigação de entregar a coisa”, a que corresponde o direito subjetivo do comprador a que esta lhe seja entregue. Também o art. 9.º-B da Lei de Defesa do Consumidor, que trata do prazo da prestação em contratos de consumo, estabelece que “o fornecedor de bens deve entregar os bens (…)”.

A primeira questão que se coloca neste caso consiste em saber qual das partes tem o ónus da prova da entrega (ou da não-entrega).

A regra geral do Código Civil (art. 342.º) é a de que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, enquanto “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”.

O comprador invoca o direito à entrega, resultante da celebração do contrato de compra e venda, pelo que lhe cabe fazer prova da celebração do contrato e, se for o caso, de cláusulas específicas acordadas relativas à entrega.

Ao vendedor cabe fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do comprador à entrega. Neste caso, cabe-lhe, portanto, provar que já entregou o casaco (ou dito de outra forma, que já cumpriu a obrigação de entrega), o que constitui um facto extintivo do direito à entrega.

Portanto, a prova da entrega incumbe ao vendedor.

Esta conclusão está longe de resolver o problema. A segunda questão é a seguinte: de que forma pode o vendedor provar que entregou o casaco? Bastará fazer prova do envio da encomenda? Já vimos que, no caso que estamos a analisar, a encomenda foi enviada e chegou ao seu destino. Relativamente a este aspeto, não há qualquer divergência entre as partes. Só que, segundo o comprador, nada estava dentro da caixa. Ou seja, está provado o envio de uma caixa, mas não o conteúdo dessa caixa. Temos aqui uma situação paralela à carta registada com aviso de receção, em que se prova o envio da carta, mas não necessariamente o seu conteúdo.

Nos termos do art. 607.º-5 do Código de Processo Civil, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.

Esta análise terá de ser feita pelo julgador em cada caso, tendo em conta a prova produzida, mas é difícil não defender que se deduza do facto envio de uma encomenda o facto de que o conteúdo dessa encomenda é a coisa encomendada. Esta dedução desprotege, no entanto, o comprador a quem não tenha sido entregue o casaco.

Este caso revela como todo o sistema de contratação online se baseia em grande parte na confiança entre as pessoas. O problema começa nos casos em que as partes deixam de confiar e, nesse caso, os litígios podem ser impossíveis de resolver de forma justa e compreensível.

Publication alert: Dziubak is a Fundamentally Wrong Decision

Jurisprudência

To protect consumers against unfair terms, Article 6(1) Unfair Contract Terms Directive (UCTD) makes unfair terms inapplicable. For example: the contract includes an unfair penalty clause for early termination? The consumer does not have to pay anything for early termination. Kásler and Káslerné Rábai carved an exception to this rule: national judges can substitute unfair terms when not doing so would have excessively negative consequences for the consumer.

In Dziubak, the Court of Justice of the European Union (hereinafter, “the Court”) was asked to develop this exception further. In a recent publication in the European Review of Contract Law, I explain that the Court – with all due respect – got it fundamentally wrong. This blogpost summarizes the main mistakes in this decision.

What is ultimately at stake in Dziubak is nothing less than the level of protection enjoyed by consumers under EU law and the institutional autonomy of Member States. The Court restricted both legal values with surprisingly poor reasoning. Two of the questions asked by the national judge deserve particular attention. First, to what extent Article 6(1) allows the judge to change “the form of the legal relationship”. Second, whether one could rely on “national provisions not of supplementary law but of a general nature”.

In essence, the answers to these two questions are fundamentally wrong because they: 1) misquote both the directive and a relevant precedent; 2) rely on party autonomy in an asymmetric relation; 3) fail to consider basic EU law principles such as sincere cooperation and effectiveness, but also the institutional autonomy that directives grant to the Member States; 4) finally, the Court ignores the pertinent submission of the professional about the content of national law. Let us consider these points in turn.

1) The Court misquotes the UCTD in holding that the only provisions of national law that can be presumed to be fair are those that “have been subject to a specific assessment by the legislature”. Actually, the relevant provision and recital of the UCTD mention the “provisions or principles of international conventions” as well as the “provisions of the Member States which directly or indirectly determine the terms of consumer contracts”. Do you have a specific assessment by the legislature of a principle of international conventions or of provisions that indirectly determine the terms of contracts? Not necessarily, if at all.

Moreover, the Court cites Dunai to hold that the specific term under consideration in Dziubak belongs to the main subject matter of the contract. The problem is that Andriciuc had explained exactly why this is not the case! Long story short, the Court quoted the wrong paragraph of Andriciuc (43 instead of 40) in past decisions. This error led to an obvious mistake in Dziubak.

2) EU consumer law is premised on the existence of an imbalance in the relationship between consumers and professionals. The asymmetrical character of the relationship justifies suspicion over the fairness of the exchange. It is thus perplexing that both the Advocate General and the Court show preoccupation for an “intervention capable of altering the balance of interests sought by the parties and excessively encroaching on contractual autonomy”.

3) On multiple occasions, the Court has invoked the need to ensure the effectiveness of consumer rights to limit the institutional autonomy of Member States. The most famous example of this trend is the ex officio doctrine – the duty of judges to review of their own motion contract terms. This move is accompanied with suspicion by some commentators, as it touches upon the procedural autonomy of Member States. It is thus perplexing that, without carefully identified grounds in EU law, the Court stepped over the institutional autonomy of Member States enshrined in directives – the choice of how to best allocate the power to protect the rights granted by directives in the national legal system.

4) Finally, the professional had pointed out that there was a provision of national law that is clear enough to be applicable even under the strict parameters given by the Court. This is the case since the provision relied upon in Kásler and Káslerné Rábai to fill the gap was obviously vaguer than the one mentioned by the professional in the present case.

For the reasons sketched here and the additional ones that you can read in the European Review of Contract Law, Dziubak is a fundamentally wrong decision and it belongs to the dustbin of history.

Digital Services Act e Digital Markets Act – Novas regras europeias para os serviços digitais e para os mercados digitais

Legislação

Por Jorge Morais Carvalho e Martim Farinha

 

O dia que muitos aguardavam com ansiedade chegou. A Comissão Europeia apresentou um projeto ambicioso de reforma da legislação em matéria de serviços digitais e de mercados digitais (o Digital Services Act package, na versão em inglês).

Os principais objetivos elencados pela Comissão para este pacote legislativo passam pela proteção dos consumidores, por um lado, e pela existência de mercados digitais mais justos e eficientes, por outro lado.

O pacote inclui, no essencial, duas propostas de regulamento:

Proposta de Regulamento Serviços Digitais (explicação aqui);

Proposta de Regulamento Mercados Digitais (explicação aqui).

A análise de todos estes documentos pressupõe um trabalho de leitura minucioso e exaustivo, pelo que deixamos aqui apenas algumas notas gerais ligadas ao impacto que algumas normas poderão ter na regulação das relações de consumo.

Seguindo a lógica do diploma, o Digital Services Act regula os serviços de intermediação em linha, que incluem, entre outros, os serviços de hospedagem (hosting), que por sua vez incluem, entre outros serviços, as plataformas em linha (mercados em linha, lojas de aplicações, plataformas da economia colaborativa e redes sociais), que por sua vez incluem, entre outros serviços, as plataformas em linha de grande dimensão (consideradas como tais se tiverem um número igual ou superior a 45 milhões de utilizadores).

O Digital Services Act vem assim atualizar e complementar a Diretiva sobre o Comércio Eletrónico (Diretiva 2000/31/EC), um dos principais diplomas europeus de caráter horizontal em serviços digitais nos últimos 20 anos, que há muito tempo era objeto de apelos de reforma devido a todas as transformações que se têm verificado na Internet e na forma como consumidores, empresas e plataformas interagem nesta.

As regras a que estão sujeitas as categorias de prestadores de serviços de intermediação em linha identificados vão sendo cada vez mais exigentes, atingindo o grau mais elevado, naturalmente, nas plataformas de grande dimensão (v. arts. 10.º e segs.).

Uma das normas mais relevantes no que respeita à proteção do consumidor é a do art. 5.º-3, que estabelece que a isenção de responsabilidade dos prestador de serviços de hospedagem “não se aplica no que respeita à responsabilidade nos termos da legislação de defesa do consumidor de plataformas em linha que permitam aos consumidores celebrar contratos à distância com profissionais, sempre que tal plataforma em linha apresente o elemento específico de informação ou permita de outra forma que a transação específica em causa leve um consumidor médio e razoavelmente bem informado a acreditar que a informação, ou o produto ou serviço objeto da transação, é fornecida pela própria plataforma em linha ou por um destinatário do serviço que atue sob a sua autoridade ou controlo”.

A proposta de regulamento também prevê a implementação de obrigações de monitorização e de due dilligence das plataformas digitais, quanto à eliminação de conteúdos e serviços ilegais, incluindo mecanismos para a denúncia (flag) destes pelos consumidores e outros utilizadores das plataformas (art. 11.º), criando a figura dos denunciantes de confiança (trusted flaggers), e, em contrapartida, sistemas para a contestação destas denúncias e subsequente remoção de conteúdos ou serviços pelos visados (art. 17.º). As decisões de remoção de conteúdo e as sanções aplicadas aos utilizadores têm de ser devidamente jusitificadas. A liberdade de expressão e a transparência das decisões tomadas no âmbito destes litígios foram assim acauteladas pela Comissão, que afasta a solução de filtros de upload, não se pretendendo que a arbitrariedade, o abuso e a censura se tornem a regra.

As plataformas também terão de identificar claramente as empresas e os agentes económicos que utilizem os seus serviços para chegar aos consumidores (know your business customer), assumindo um papel relevante em matérias como o combate ao contrabando e à contrafação ou a comercialização de produtos perigosos.

A utilização de algoritmos para a gestão, envio e partilha de conteúdos e serviços digitais, incluindo a colocação de anúncios, também passará a ter novas regras. Os consumidores têm de ser informados de forma clara e percetível sobre os principais parâmetros utilizados no que respeita à seleção das pessoas a quem é dirigida a publicidade.

O Digital Markets Act visa regular uma parte das plataformas em linha de grande dimensão, que designa de gatekeepers, sendo um diploma enquadrável essencialmente no direito da concorrência.

O art. 1.º-1 estabelece, desde logo, que “o presente regulamento estabelece regras harmonizadas que garantem mercados concorrenciais e equitativos no setor digital em toda a União onde os gatekeepers estão presentes”. Nos termos do art. 3.º-1, uma plataforma (incluindo motores de busca, redes sociais, partilha de vídeo, comunicação interpessoal, sistemas operativos, nuvem, publicidade) será designada gatekeeper se tiver um impacto significativo no mercado interno, explorar um serviço que sirva de importante porta de entrada para utilizadores empresariais para chegar aos utilizadores finais e tiver (ou ser previsível que venha a ter) uma posição sólida e duradoura nas atividades que desenvolve.

O diploma visa garantir aos profissionais que dependem destes gatekeepers para o exercício da sua atividade um maior equilíbrio na relação. Pretende-se que exista um ambiente negocial mais justo, sem cláusulas abusivas ou práticas desleais. Os consumidores serão protegidos por via indireta, como é regra no direito da concorrência.

Entre as práticas que passam a ser expressamente proibidas para os gatekeepers estão a impossibilidade de impedir que os consumidores removam as aplicações pré-instaladas, de agregar dados pessoais recolhidos e tratados em dois serviços diferentes (ainda que do mesmo gatekeeper) sem o devido consentimento do titular [1] e favorecer os seus próprios serviços e conteúdos face a terceiros nas suas plataformas.

O valor das coimas para o incumprimento do regime poderá chegar a 10% do volume de negócios anual total da empresa a nível mundial, em conformidade com os valores do regime da Diretiva ECN + (UE) 2019/1, de harmonização do direito da concorrência.

[1] Essencialmente, o que se verificou no caso da autoridade alemã contra a Facebook, em que esta foi acusada da prática de abuso de posição dominante por agregar os dados pessoais dos utilizadores do Facebook, do Instagram e do Whatsapp. https://www.bundeskartellamt.de/SharedDocs/Entscheidung/EN/Fallberichte/Missbrauchsaufsicht/2019/B6-22-16.pdf?__blob=publicationFile&v=4

The Queen’s Gambit e o Efeito Netflix no consumo

Doutrina

O Gambito de Dama é uma abertura de xadrez, um livro de Walter Tevis, de 1983, uma série da Netflix baseada naquele livro, ambos de título original “The Queen’s Gambit”, e um fenómeno de vendas extraordinário.

A série, criada por Scott Frank e Allan Scott, tendo como conselheiro Garry Kasparov, estreou a 23 de outubro e tem o título português “O Gambito da Rainha”, numa errada tradução literal, já que o xadrez em português não tem rainhas, mas damas, pela prosaica razão de que nas marcações o “r” pertence ao rei. É o mais recente fenómeno de sucesso avassalador, e merecido, de um conjunto de episódios, no caso sete, do que até há pouco se poderia chamar série televisiva e que hoje se conhece pelo nome da marca que a produz, já que é visualizada, além da televisão, em vários outros dispositivos fixos e móveis.

O sucesso de uma série com difusão global – como é o caso das produções da Netflix – tem um enorme impacto no consumo global. Em primeiro lugar, há o consumo em massa da própria ficção e, depois, há a indução ao consumo de adjacentes de diversa ordem. O que atualmente, em plena pandemia agravada de Covid-19, com o confinamento generalizado que impede as atividades em geral e o consumo clássico em particular, significa aceleramento desenfreado dos fenómenos digitais.

É neste contexto que, cerca de um mês depois da estreia, começou a circular na internet, uma espécie de cartaz com a imagem da inconfundível protagonista Beth Harmon que nos olha, como sempre, intensamente. Tem o título “O Efeito Netflix” e enumera vários factos que, de tão extraordinários, originaram uma partilha intensa em várias redes sociais, encontrando-se alguma variação de imagem e conteúdo.

Informa-se nesse(s) post(s) que, desde a estreia, a série foi vista em 62 milhões de lares em todo o mundo, a procura de tabuleiros de xadrez no Ebay aumentou 250%, a pesquisa por “como jogar xadrez” no Google atingiu o pico da época, o livro que a inspira tornou-se best seller 37 anos após a sua publicação e o número de jogadores no site chess.com aumentou 500%.

Por isso, e mesmo não sabendo se os números são rigorosos ou, sequer, verdadeiros, deixo aqui duas questões que me surgiram, admitindo o pressuposto de que a série influencia bastante o fenómeno do consumo e muitos consumidores. Primeira, como se qualificam juridicamente as séries? Segunda, que regulamentação as enquadra e ao consumo que desencadeiam?

O mundo atual é de uma tal complexidade e evolui a uma tal rapidez que, quando estamos prestes a encontrar uma resposta, vemos que a pergunta já é outra.