Breve análise à proteção do consumidor em Timor-Leste

Doutrina

Após séculos de domínio colonial português e 24 anos de ocupação por parte da Indonésia, a primeira Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL) entrou em vigor em Timor-Leste a 20 de maio de 2002. Aproximando-se a celebração dos 20 anos da entrada em vigor da Constituição timorense, analisamos de forma concisa as principais características do regime de proteção dos consumidores em Timor-Leste e na sua Constituição.

Numa primeira linha, a CRDTL consagra determinados direitos dos consumidores no seu artigo 53.º:

1. Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, a uma informação verdadeira e à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos.

2. A publicidade é disciplinada por lei, sendo proibidas todas as formas de publicidade oculta, indirecta ou enganosa.

A norma constitucional de proteção dos consumidores presente na CRDTL, à semelhança do art. 78.º da Constituição da República de Angola, art. 80.º da Constituição da República de Cabo Verde e  art.º 92.º da Constituição da República de Moçambique, foi claramente inspirada no artigo 60.º da Constituição da República Portuguesa, sendo visível que o legislador timorense transcreveu quase ipsis verbis a redação que consta desse mesmo artigo 60.º.

A proteção do consumidor em Timor-Leste é conseguida sobretudo através do dever de fornecimento de bens e serviços com qualidade, isto é, conformes ao contrato e com as características e propriedades necessárias para satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que lhes atribuem. Quando os bens ou serviços adquiridos por um consumidor não estiverem conformes ao contrato, a CRDTL estabelece que o consumidor terá  direito a uma indemnização para reparar os danos decorrentes de bens ou serviços desconformes ao contrato (para além de outros direitos que poderão surgir para além deste preceito constitucional).  Não obstante, o legislador cria também um direito mais geral à informação verdadeira e à proteção da saúde, segurança e interesses económicos dos consumidores.

O n.º 2 desenvolve o direito dos consumidores a uma informação verdadeira. Esta “informação verdadeira” reporta-se às características dos bens ou serviços adquiridos, através da proibição de publicidade oculta, indireta ou enganosa que possa induzir o consumidor em erro.

A Lei n.º 8/2016, de 8 de Julho (Lei de Proteção do Consumidor) incorpora e desenvolve os princípios previstos no art. 53.º da CRDTL, tornando-se assim no principal diploma referente à proteção e defesa dos direitos dos consumidores em Timor-Leste.

O art. 1.º da Lei n.º 8/2016, de 8 de julho, refere que esta lei tem como objeto a aprovação do regime jurídico de proteção e defesa dos consumidores, definindo as funções do Estado, os direitos dos consumidores e a intervenção das associações de proteção de consumidores.

O art. 3.º estabelece como sendo consumidor a “pessoa singular ou coletiva à qual são fornecidos bens ou prestados serviços destinados ao uso não profissional, por pessoa que exerça uma atividade económica, com caráter profissional, com vista à obtenção de benefícios”. De notar que o elemento subjetivo desta noção de consumidor, para além das pessoas singulares, inclui também as pessoas coletivas, alargando de forma significante a aplicação da legislação de consumo. Esta extensão dos direitos de consumidor às pessoas coletivas pode levantar questões quanto à sua ratio legis – uma pessoa singular requer um maior nível de proteção nas suas relações de consumo do que uma pessoa coletiva, sobretudo se tivermos em conta as assimetrias de informação e de poder negocial entre o consumidor pessoa singular e o vendedor do bem ou prestador do serviço. Contudo, o alargamento do elemento subjetivo do conceito de consumidor não deixa de ser uma opção político-legislativa que não é suficiente por si só para determinar a aplicação da legislação de consumo – tem ainda de se verificar a presença dos elementos objetivo, teleológico e relacional.

O art. 7.º, com a epígrafe “qualidade dos bens e serviços”, visa garantir que os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que lhes atribuem. O período mínimo de garantia dos bens móveis é de um ano, exceto quando ao bem não seja dado um uso normal ou razoavelmente previsível e salvo prazo mais favorável acordado pelas partes. Este período é alargado para um mínimo de cinco anos no caso dos bens imóveis.

A Lei de Proteção do Consumidor consagra ainda um direito de arrependimento com fonte legal nos contratos “que resultem da iniciativa do fornecedor de bens ou do prestador de serviços fora do estabelecimento comercial, por meio de correspondência ou outros equivalentes”, pelo que apenas se aplica a estes. É estabelecido um prazo de dez dias úteis a contar da data da receção do bem ou da conclusão do contrato de prestação de serviços para o consumidor invocar este direito.

Não deixa de ser interessante referir que a Lei de Proteção do Consumidor, para além de atribuir direitos, atribui também deveres aos consumidores. Apesar de ser uma norma essencialmente programática, o art. 13.º estabelece que o consumidor tem o dever de:

“a) Respeitar os compromissos assumidos perante os fornecedores de bens e prestadores de serviços, agindo de boa-fé, com correção e seriedade;

b) Defender junto das autoridades competentes os seus interesses;

c) Atender às consequências do seu consumo face aos outros cidadãos, nomeadamente os mais vulneráveis;

d) Atender ao impacto ambiental do seu consumo;

e) Denunciar perante as autoridades competentes qualquer violação dos seus direitos.”

Quanto às associações de defesa de consumidores, estas têm um papel de destaque no que concerne a proteção dos consumidores, sendo-lhes atribuídos diversos objetivos e tarefas para alcançar este propósito.

Como indica o art. 8.º, para além do Estado ter o dever de incentivar e promover a realização de ações de sensibilização para o consumo, cabe também às associações de proteção de consumidores a promoção deste tipo de atividades. Para isso, “as associações de consumidores são dotadas de personalidade jurídica, sem fins lucrativos e com o objetivo principal de proteger os direitos e os interesses dos consumidores em geral ou dos consumidores seus associados” (art. 30.º n.º1). No catálogo de direitos atribuídos às associações de consumidores previstos no art. 31.º, destacam-se os seguintes:

“a) Estatuto preferencial para a discussão de matérias que digam respeito à política de consumidores;

c) Direito a representar os consumidores no processo de consulta e audição públicas a realizar no decurso da tomada de decisões suscetíveis de afetar os direitos e interesses daqueles;

d) Direito a solicitar, junto das autoridades administrativas ou judiciais competentes, a apreensão e retirada de bens do mercado ou a interdição de serviços lesivos dos direitos e interesses dos consumidores;

h) Direito a serem ouvidas nos processos de regulação de preços de fornecimento de bens e de prestações de serviços essenciais, nomeadamente nos domínios da água, energia, gás, transportes e comunicações, e a receber os esclarecimentos sobre as tarifas praticadas e a qualidade dos serviços, por forma a poderem pronunciar-se sobre elas;

j) Direito à presunção de boa-fé das informações por elas prestadas.”

Por fim resta referir que, apesar do enquadramento legal exposto, de várias semelhanças com a legislação em vigor em Portugal e países dos PALOP, e do catálogo de direitos atribuído aos consumidor, a legislação de defesa do consumidor em Timor-Leste “ainda não é implementada e reconhecida pelos próprios consumidores, agentes do mercado e administração pública”, como reconhece o Embaixador da União Europeia em Timor-Leste, Andrew Jacobs. Há ainda um longo caminho a percorrer para que a legislação de consumo possa efetivamente vir a ser aplicada no dia-a-dia nas relações de consumo, aplicação esta que é absolutamente fundamental para garantir a proteção dos direitos dos consumidores, conforme previsto no artigo 53.º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste.

Análise ao Regime da Prevenção e Combate à Atividade Financeira Não Autorizada e Proteção dos Consumidores

Legislação

Foi publicada, no passado dia 24 de novembro de 2021, a Lei n.º 78/2021, de 24 de novembro, que veio estabelecer o regime de prevenção e combate à atividade financeira não autorizada e proteção dos consumidores. O novo regime entrou em vigor a 1 de janeiro de 2022.

A nova lei define como atividade financeira não autorizada a tentativa ou a prática de atos ou o exercício profissional de atividade regulada pela legislação do setor financeiro, sem habilitação ou sem registo, ou de outros factos permissivos legalmente devidos ou fora do âmbito que resulta da habilitação, do registo ou desses factos.

Em primeiro lugar, cabe referir que decorre da lei um dever de abstenção a qualquer cidadão que adquira o conhecimento da publicitação, oferta, prestação, comercialização ou distribuição de produtos, bens ou serviços financeiros por pessoa ou entidade que não esteja legalmente habilitada para o efeito ou que não atue por conta de pessoa ou entidade habilitada. É ainda previsto um dever de abstenção, quanto à difusão, aconselhamento ou recomendação de produtos, bens ou serviços em causa. Deve ocorrer a comunicação destas ocorrências à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, ao Banco de Portugal e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

No que concerne à publicidade relativa a produtos, bens e serviços, esta só pode ser realizada por uma entidade devidamente habilitada ou por pessoa que atue por conta desta última.

Quanto à divulgação, transmissão ou difusão de publicidade relativa à comercialização de quaisquer produtos, bens ou prestação de serviços financeiros em órgãos de comunicação social ou sítios eletrónicos, aquando da contratação, os profissionais ou agências de publicidade, os anunciantes e intermediários de crédito deverão ter a obrigação de efetuar uma demonstração do seu registo perante o Banco de Portugal e de apresentar uma descrição sumária do cumprimento do princípio de licitude que lhes é imposto em matéria de publicidade e informação ao consumidor. Desta forma, o consumidor poderá ter um conhecimento simplificado e abrangente das entidades envolvidas, bem como das suas atividades.

A Direção-Geral do Consumidor, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica e o Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção têm o dever de remeter às autoridades de supervisão financeira competentes as reclamações dos consumidores de que tenham conhecimento, através do livro de reclamações ou pelos seus canais próprios de receção de queixas, e que estejam ou possam estar relacionadas com a tentativa ou o exercício de atividade financeira não autorizada. À Direção-Geral  do Consumidor são atribuídas as funções de promover a política de salvaguarda de direitos dos consumidores bem como coordenar e executar as medidas tendentes à sua proteção, informação e educação e apoio das organizações de consumidores. Na área da publicidade, é a entidade reguladora, fiscalizando e instruindo processos de contraordenação.

A presente lei define também que os órgãos de comunicação social e sites com caráter comercial, editorial, noticioso ou outro, assim como os profissionais ou agências de publicidade ficam incumbidos de verificar a veracidade da informação prestada. Em certos casos, devem recusar a divulgação das mensagens publicitárias e devem comunicar imediatamente à autoridade de supervisão financeira competente o pedido recusado, incluindo o conteúdo da publicidade e os dados de identificação do requerente. O incumprimento das presentes regras é punível com uma coima que poderá variar entre 1.750,00€ e 45.000,00€ dependendo se o infrator é pessoa singular ou pessoa coletiva.

Caso existam motivos justificados para concluir que a entidade requerente da publicidade, de alguma forma, usurpou a identidade e/ou fez a utilização devida do seu nome, os órgãos de comunicação ou sítios eletrónicos deverão consultar diretamente a autoridade de supervisão competente, por forma a confirmar a veracidade da identidade da entidade registada e a sua legitimidade para promover o anúncio publicitário.

Em relação aos conservadores, notários, solicitadores, advogados, oficiais de registo ou câmaras de comércio e indústria que intervenham em atos, contratos ou documentos que possam estar relacionados com, entre outros, a tentativa ou o exercício de atividade financeira não autorizada em contratos de locação financeira, como sejam contratos de mútuo, este passam a ter o dever de proceder à consulta do registo público de entidades autorizadas, disponível no sítio do Banco de Portugal e de fazer constar do documento a celebrar se o ato, contrato ou documento em causa é ou não celebrado no âmbito do exercício de uma atividade financeira reservadas a entidades habilitadas junto daquele regulador, divulgando aos outorgantes e fazendo constar do documento a informação obtida.

É importante notar que, a partir de 1 de março de 2022, os notários, solicitadores e advogados passam a ter de comunicar eletronicamente ao Banco de Portugal, relativamente à informação sobre escrituras públicas, documentos particulares autenticados ou documentos com a assinatura por si reconhecidas, em todo o tipo de atos acima elencados nas alíneas a) a e) do n.º 1 do art. 4.º da Lei n.º 78/2021, com exceção daqueles em que intervém por conta de entidades autorizadas pelos supervisores financeiros.

Embora a Lei não o preveja de forma direta, o Banco de Portugal deverá criar uma base de dados onde irá registar os dados comunicados.

É também criado um dever de menção especial nos contratos de mútuo civil, no valor superior a 2.500,00€ euros, sendo que a entrega do dinheiro mutuado é obrigatoriamente realizada através de instrumento bancário, nomeadamente cheque ou transferência bancária, devendo constar do documento assinado pelo mutuário, ou em escritura pública ou em documento particular autenticado, consoante a forma legal do contrato aplicável, a menção da data e do instrumento bancário utilizado, bem como das informações necessárias à sua rastreabilidade documental ou informática.

Por fim, salienta-se que, em caso de tentativa ou promoção de atividade financeira não autorizada, as autoridades de supervisão financeira podem determinar preventivamente o bloqueio do acesso a sítios eletrónicos (takedown), o bloqueio do protocolo de Internet (IP) ou do sistema de nomes de domínio (DNS) ou a remoção de determinado conteúdo específico ilícito, que tenham por objeto a tentativa ou a promoção ou comercialização de produtos e bens ou a prestação de serviços financeiros por entidades não habilitadas.

A Lei n.º 78/2021 apresenta ainda um artigo específico destinado à informação aos consumidores. A Lei prevê que as decisões condenatórias em processo penal ou contraordenacional transitadas em julgado e relativas à tentativa ou ao exercício de atividade financeira não autorizada são publicitadas, por extrato ou na íntegra, nos sítios das autoridades de supervisão financeira, nos termos da legislação setorial aplicável, devendo esta informação incluir a identificação da pessoa ou entidade objeto de processo penal ou contraordenacional pela tentativa ou prática de atividade financeira não autorizada, a tipologia da infração e a sanção aplicada. A Direção-Geral do Consumidor e os supervisores do sistema financeiro podem celebrar protocolos de cooperação com vista à eficaz aplicação da presente Lei, cooperando em tudo o que se afigurar necessário para o efeito.

The Implementation of the Directives 2019/771 and 2019/770 in the Italian Consumer Code

Doutrina

By Giovanna Capilli, Associate Professor of Private Law – San Raffaele University Rome

The Italian legislator has implemented the Directives (EU) 2019/771 of the European Parliament and of the Council of 20 May 2019 (relating to certain aspects of contracts for the sale of goods, which amends Regulation (EU) 2017/2394 and Directive 2009/22/EC, and repealing Directive 1999/44/EC – hereinafter ‘Dir. 2019/771’) and (EU) 2019/770 of the European Parliament and of the Council of 20 May 2019 (relating to certain aspects of supply contracts of digital content and digital services – hereinafter ‘Dir. 2019/770’) respectively with Legislative Decree n. 170/2021 and Legislative Decree n. 173/2021 and it modified the consumer code.

After the unsuccessful proposed Regulation for a Common European Sales Law (CESL), the European Parliament decided to use the instrument of the directive in order to enhance the growth of electronic commerce in the internal market and to establish a genuine digital single market.

The general objective of the two “twin” directives is to get a uniform regulation in the Member States on the sale of goods (including digital ones) and the supply of digital content and services, although the directive contains the possibility to derogate in some cases, so probably there will be other differences between member states (see: S. Pagliantini, Contratti di vendita di beni: armonizzazione massima, parziale e temperata della dir. UE 2019/771, in Giur. it., 2020, 1, F. Bertelli, Armonizzazione massima della Dir. 2019/771 UE e le sorti del principio di maggior tutela del consumatore, in Eur. Dir. Priv., 2019, 953).

One of the main innovations of the new Italian consumer rules is connected to the notion of good which is no longer defined as a ‘consumer good’, but only “good” which includes digital goods or goods that incorporate or are interconnected with digital content or services (Internet of Things).

The Italian implementation cannot be said to be optimal; in fact, the consumer code was modified simply by transposing the directives and keeping them separate without carrying out any coordination work.

Thus, from a textual point of view, the regulation of contracts concerning the sale of goods (including digital ones) is contained in articles 128 to 135- septies and it is separate from the regulation of contracts for the supply of digital content and digital services which is contained in articles 135 – octies to 135- vicies ter  (For further information see: G. Capilli – R. Torino, Codice del consumo: le novità per i contratti di vendita e fornitura di beni digitali, Milan, 2022).

Among the most important innovations we can point out the elimination of the concept of “presumption of conformity”. In fact, subject and objective requirements are expressly regulated and both are necessary for the good to be considered compliant.

In particular, the requirement of “durability” (or, according to some authors, “duration” would have been better: see A. De Franceschi, La vendita di beni con elementi digitali, Napoli, 2021, p. 87, p. 87), introduced by the European legislator among objective compliance requirements is due to the desire to favor a longer “useful life of the goods” in the perspective of more sustainable consumption models from an environmental point of view, and represents the ability of the product to maintain its functionality and the performance required through normal use.

With reference to goods with digital elements, IT security becomes one of the fundamental requirements of the product or service.

In case of goods with digital elements, the seller will be liable for any lack of conformity of the digital content or digital service that occurs or manifests itself within two years from the time of delivery of the goods with digital elements and if the contract provides for a continuous supply. For more than two years, the seller is liable for any lack of conformity of the digital content or digital service that occurs or manifests itself in the period of time during which the digital content or digital service must be supplied under the sales contract (see art. 133 of the Italian consumer code).

A product with digital elements by its nature requires updates which are generally agreed in the sales contract to improve and enhance the element of digital content or digital service incorporated therein, expand its functionality, adapt it to technical developments and protect it from new threats to the security or serve other purposes.

Consequently, for this type of goods, the seller, who is generally responsible for the lack of conformity existing at the time of delivery of the goods, will also be responsible for the failure to supply the updates agreed in the contract, but also for the incompleteness and the defectiveness of updates over which it may not have effective control.

From this point of view, the seller’s liability becomes much more strict and it is not compensated by a contextual strengthening of the right of redress.

It should also be noted that in the case of goods with digital elements, the provision pursuant to art. 133 consumer code, paragraph 2, must be connected with that contained in art. 135 quaterdecies consumer code, with the consequence that if there is a lack of conformity, a concurrent liability of the seller and the professional (producer) could arise.

It should be noted that in the case of the supply of goods with digital content, it is probable that the digital elements are provided by a third party and not by the final seller. The contract could involve three parties: consumer, seller who supplies the good and another person who supplies the digital content that allows the good to operate.

The issues about updates are very complicated; the consumer should have the freedom to choose to install an update or not, but his decision could influence the seller’s liability and the consumer right to take remedies for lack of conformity.

In case of goods with digital content, consumer protection becomes rather articulated and complex if it takes into account that these goods could need updates for themselves, but also because they need to be compatible with a new digital environment.

Certainly, the consumer’s decision to proceed with the updates must be aware, especially considering that the lack of safety updates could lead to damage third parties and consumer could be held responsible.

In this regard, it is debated if there is an obligation to update by the consumer.

Another aspect that has been highlighted (see A. De Franceschi, op. cit., p. 93) is in which ways the seller must keep the consumer informed of the necessary updates indicated by art. 130, paragraph 2, consumer code if more time is spent from the contract and from the delivery.

The new art. 133 consumer code fixes in two years from the delivery of goods the seller’s liability for any lack of conformity and this provision also applies to goods with digital elements.

For goods with digital elements, based on the new art. 133, paragraph 2, consumer code when the sales contract provides a continuous supply of the digital content or digital service for a period of time, the seller is also liable for any lack of conformity of the digital content or digital service that occurs or became apparent within two years of the time when the goods with digital elements were delivered.

Where the supply of the digital content or digital service provides for a continuous supply for more than two years, the seller shall be liable for any lack of conformity of the digital content or digital service that occurs or becomes apparent within the period of time during which the digital content or digital service is to be supplied under the sales contract.

The new article 133 of consumer code confirms the previous provision establishing that the action of warranty expires within twenty-six months from the delivery of the goods and this solution is necessary to overcome the paradox of the simultaneous termination of the guarantee and the right to take action to enforce it (G. Capilli, Garanzie e rimedi nelle vendite ai consumatori, in I contratti del consumatore (edited by G. Capilli), Torino, 2021).

With reference to second hand goods, as in the previous regulations, (v. paragraph 4 of art. 133 consumer code) it is possible to determine a different period for warranty but not less than one year and it is possible to determine that limitation also for the action of warranty (see for a comment: G. Capilli, Termini di garanzia e termini di prescrizione nella vendita di beni (anche usati) ai consumatori, in M. Astone (edited by), Il diritto dei consumatori nella giurisprudenza della Corte di Giustizia Europea, Pisa, 2020, p. 61).

With the new provision contained in article 133 consumer code, the warranty and prescription period for second hand goods may be limited to a period of not less than one year, and this because a different treatment of second-hand goods was deemed justifiable; contractual freedom is encouraged, at the same time the consumer is assured of being informed both of the nature of the good as second-hand and of the liability period or the shortened limitation period (see recital 43 of directive 2019/771).

The new article 135 consumer code change the rules on the burden of proof; the preview legislation indicated six months as a time in which the lack of conformity could appear, while now the time is one year.This means that during this period the burden of proof is on the seller that needs to demonstrate that the product is in conformity. Although the EU legislator had left the states free to (maintain or) introduce a two-year term, the Italian legislator did not take this option also because it is applied in few Member States. So that, without prejudice to evidence to the contrary, it is assumed that any lack of conformity that occurs within one year from the time the good was delivered already existed on that date, unless this hypothesis is incompatible with the nature of the good (i.e. in case of perishable goods such as flowers or goods that can only be used once) or with the nature of the lack of conformity (i.e. a lack of conformity that can only result from an action by the consumer or from an evident external cause which occurred following the delivery of the goods to the consumer).

In the event of a lack of conformity, a fundamental principle is codified: the consumer must be able to choose the most appropriate remedy, but his freedom of choice is not absolute, but rather limited by a series of circumstances which must be considered, in a collaborative perspective between the parties and in good faith in the execution of the contract, precisely in order to avoid making excessive and unjustified burdens fall on the seller. Therefore, the following must be considered: a) the value the goods would have if there were no lack of conformity; b) the significance of the lack of conformity; c) whether the alternative remedy could be provided without significant inconvenience to the consumer.

The seller at the time of the communication of the defect can offer the consumer any remedy but this is not binding for the consumer who will be free to refuse it and choose another one.

It should be noted, among the regulatory changes, that in compliance with the invitation contained in recital 46 and in order to ensure that consumers have a higher level of protection, it is eliminated the obligation to notify the defect (in the preview regulation the consumer ought to notify the defect in the term of two-month from the discover).

Another question that is resolved by the new legislation is that relating to possible and repeated defects that may affect the same good. In this case, consumers could obtain a price reduction or resolution despite the seller’s attempt to restore the conformity of the good.

These are situations in which it is justifiable that the consumer needs to have a price reduction or to terminate the contract immediately. If it can be considered normal to allow the seller (with reference to specific goods, for example because they are very expensive) to bring the goods into conformity, it is also true that when a lack of conformity becomes apparent subsequently the trust of the consumer on the seller’s ability to bring the goods into conformity cannot be maintained.

The consumer may request the proportional reduction of the price or to terminate the contract if the lack of conformity is so serious as to justify the request for such remedies.

The question, therefore, is to verify when a lack of conformity can be considered “so serious” as to allow the immediate termination of the contract or the reduction of the price.

The EU legislator, through this provision, wanted to allow the consumer a faster way to terminate the contract if, due to the seriousness of the defect, he is not interested in retaining the good. “Exit” from the contract, however, facilitated by the fact that the consumer, based on the provisions of paragraph 2 of art. 135 quater, could terminate the contract with a direct declaration to the seller containing the manifestation of the will to terminate the sales contract, this is a hypothesis of out-of-court resolution (eg in the case of delivery of aliud pro alio) which should be coordinated with the provisions of art. 61 of the Italian consumer code.

The consumer shall have the right to withhold payment of any outstanding part of the price or a part thereof until the seller has fulfilled the seller’s obligations, so the Italian legislator has expressly recalled the article 1460 of the civil code, but has also made use of the option referred to in paragraph 7 of art. 13 of the directive, which provides that the Member States can establish whether and to what extent, upon the occurrence of the lack of conformity, the consumer’s cooperation may affect his right to avail himself of the remedies.

Finally, it should be noted that the provision contained in article 135 septies incorporates the provisions of art. 3, paragraph 6, as well as art. 4 in relation to the level of harmonization, and clarifies the relationship between the rules contained in the civil code and in the consumer code. So the consumer code will be applied in the case of B2C sales of goods, while the civil code will be applied for the question concerning the formation, validity and effectiveness of contracts, including the consequences of termination of the contract and compensation for damage

Quem pode escrever no Livro de Reclamações?

Jurisprudência

No final do ano transato, o Tribunal da Relação do Porto (TRP) pronunciou-se sobre recurso de sentença que, mantendo decisões administrativas da ASAE, aplicou à sociedade arguida duas coimas no valor de € 3.750,00/cada, pela prática da contraordenação prevista no art. 3.º-1-b) do DL n.º 156/2005, de 15 de setembro, e condenou a mesma, após cúmulo jurídico, numa coima única, de € 5.000,00.

Fazendo uma síntese da demanda em causa, de acordo com os factos provados, na madrugada de 19.11.2017, os participantes “C” e “G” quiseram aceder ao interior de estabelecimento (discoteca), aberto ao público e em funcionamento, explorado pela sociedade arguida, o que foi negado por porteiro daquela. Ato contínuo, cada um dos participantes solicitou o Livro de Reclamações, o qual também lhes foi negado pelo funcionário, pelo que, a pedido dos denunciantes e ao abrigo do disposto no art. 3.º-4 do DL n.º 156/2005, uma patrulha da PSP deslocou-se ao local, sem que, contudo, tenha logrado remover a recusa da sociedade arguida em facultar o Livro de Reclamações, nesta ocasião manifestada pelo gerente daquela.

Nas conclusões das alegações de recurso, a sociedade arguida defendeu, no essencial, que, para efeitos do DL n.º 156/2005, os participantes “C” e “G” não podiam ser qualificados como “consumidores ou utentes”, na medida em que tal qualificação jurídica pressupõe a conclusão de uma relação de consumo com o profissional, o que, no caso, não chegou a verificar-se, donde faltaria pressuposto constitutivo do “direito a reclamar” dos referidos denunciantes.

Ora, em face das conclusões do recurso, a questão a resolver pelo TRP consistia em aferir se os participantes “C” e “G” deviam (ou não) qualificar-se como “consumidores ou utentes”, atento o facto de não terem sido admitidos a ingressar no interior do estabelecimento explorado pela sociedade arguida.

A este respeito, o TRP, subscrevendo integralmente a sentença recorrida, começou por apelar à ratio legis do DL n.º 156/2005 expressa no seu Preâmbulo, onde se pode ler o seguinte: “[o] livro de reclamações constitui um dos instrumentos que tornam mais acessível o exercício do direito de queixa, ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu. (…) A justificação da medida (…) prendeu-se com a necessidade de tornar mais célere a resolução de conflitos entre os cidadãos consumidores e os agentes económicos, bem como de permitir a identificação, através de um formulário normalizado, de condutas contrárias à lei. É por este motivo que é necessário incentivar e encorajar a sua utilização, introduzindo mecanismos que o tornem mais eficaz enquanto instrumento de defesa dos direitos dos consumidores e utentes de forma a alcançar a igualdade material dos intervenientes a que se refere o artigo 9.º da Lei n.º 24/96, de 31 de julho” [negrito nosso]. Como se refere, muito assertivamente, no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 10.03.2010, “[o] princípio base que sustenta a exigência do livro de reclamações vai assim muito além da mera possibilidade de em concreto ser dado ao utente/cliente a possibilidade de ver o seu caso concreto ser resolvido, na medida em que está subjacente em toda a evolução legislativa a garantia de uma boa prestação de serviços ao consumidor em geral nomeadamente, na possibilidade de fiscalização efectiva do modo como se prestam os serviços”. Ademais, coloca-se também a necessidade de enfrentar, adequadamente, a tendencial resistência dos fornecedores de bens e prestadores de serviços a proceder à imediata entrega do Livro de Reclamações aos utentes ou consumidores que dele pretendam fazer uso.

Neste encalço, prossegue o aresto em análise, com apoio no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.04.2017, exaltando que, da interpretação e aplicação conjugadas dos n.ºs 1 e 3 do art. 3.º do DL n.º 156/2005 resulta que o dever de o fornecedor de bens ou prestador de serviços apresentar imediatamente ao consumidor ou utente o Livro de Reclamações não se compadece com qualquer espécie de condicionamento, nomeadamente “considerações sobre os motivos das reclamações ou a legitimidade de quem as apresenta”. Tais aspetos apenas podem ser suscitados e discutidos no âmbito do procedimento espoletado pelo preenchimento da folha de reclamação, porquanto o profissional “não pode ser juiz de si próprio, estando-lhe absolutamente vedada a recusa de apresentação do livro seja com que fundamento for”.

E quanto à questão da alegada falta de qualidade subjetiva de “utentes ou consumidores” suscitada em relação aos participantes, estribando-se no disposto pelo art. 2.º-1 do DL n.º 156/2005, o TRP adere ao entendimento segundo o qual a disciplina normativa daquele diploma “(…) está concebida para as situações em que os estabelecimentos se encontram abertos ao público e em funcionamento e em que o consumidor está em condições de adquirir o bem ou serviço”, com vista à manutenção de “relações de clientela”, o que, como é bom de ver, não pode ter lugar na hipótese de o estabelecimento se encontrar encerrado (inaplicável na situação dos autos), mas já se verifica no cenário, alternativo, de uma pessoa ingressar no interior de uma loja física imbuída do espírito de realizar alguma compra, mas não chegar a fazê-lo. Nesta segunda situação conjeturada, apesar de não chegar a haver lugar à celebração de uma relação jurídica de consumo, não deixamos ter um “consumidor” para os efeitos do DL n.º 156/2005, a quem assiste, de modo inequívoco, o direito a solicitar a apresentação imediata do Livro de Reclamações.

Por conseguinte, e em suma, para efeitos de delimitação do âmbito subjetivo de aplicação do DL n.º 156/2005 – e exclusivamente para estes efeitos, atenta a definição diversa apresentada no art. 2.º-1 da Lei-Quadro de Defesa do Consumidor – deve entender-se por consumidor “toda e qualquer que pessoa com interesse em adquirir um produto ou serviço, e que com esse propósito se dirige a um estabelecimento de venda de bens ou prestação de serviços” – como preconizado no acórdão aqui em análise –, abarcando esta noção os “potenciais clientes” que apenas pretendem que lhes seja prestado um serviço ou fornecido um determinado bem, ainda que tal, efetivamente, não tenha lugar, donde tal qualidade não podia deixar de ser reconhecida aos participantes “C” e “G”, os quais apenas não acederam ao interior do estabelecimento da sociedade arguida porque esta lhes vedou o ingresso.

Una Nueva Distribución de la Responsabilidad Contractual en la Regulación Española de los Viajes Combinados

Doutrina

Por Josep Maria Bech Serrat, Profesor Titular de Derecho Civil, Universidad de Girona

1. Las modificaciones contenidas en los artículos 13 a 17 de la Ley 4/2022

El pasado martes día 1 de marzo el Boletín Oficial del Estado español publicó la Ley 4/2022, de 25 de febrero, de protección de los consumidores y usuarios frente a situaciones de vulnerabilidad social y económica. Los artículos 13 a 17 de la norma modifican algunos preceptos legales de la regulación de los viajes combinados y servicios de viaje vinculados contenida en el Real Decreto legislativo 1/2007, de 16 de noviembre, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios.

Las modificaciones se refieren al alcance de la exclusión de los viajes combinados y servicios de viaje vinculados que tienen carácter ocasional del ámbito de aplicación de la regulación, a un deber de informar expresamente de la no sujeción al régimen legal general de todos los supuestos excluidos (modificación del art. 150.2), a la noción de falta de conformidad (modificación de la letra k) del art. 151.1), a las lenguas oficiales en que debe redactarse la información precontractual (modificación del art. 153.3), a la empresa que puede cancelar el contrato (modificación del art. 160.3) y a la distribución de la responsabilidad contractual entre organizador y minorista (modificación del art. 161.1).

Sin duda, la nueva distribución de responsabilidad contractual entre organizador y minorista es el tema más relevante y, a mi juicio, podrá ser objeto de un considerable debate.

2. La nueva distribución de responsabilidad contractual entre el organizador y el minorista

2.1. Una responsabilidad parciaria como regla general, y una responsabilidad solidaria excepcionar en caso de una falta de gestión de la reclamación

El primer párrafo del art. 161.1 establece, como regla general, una responsabilidad parciaria entre estos sujetos (“[l]os organizadores y los minoristas de viajes combinados responderán frente al viajero del correcto cumplimiento de los servicios de viaje incluidos en el contrato en función de las obligaciones que les correspondan por su ámbito de gestión del viaje combinado, con independencia de que estos servicios los deban ejecutar ellos mismos u otros prestadores”). Valoro positivamente el nuevo criterio de distribución de responsabilidad, en línea con el vigente en muchos países europeos.   

No obstante, tal vez para contrarrestar los efectos de un régimen de responsabilidad más severo para el viajero que el propio de una responsabilidad solidaria, el segundo párrafo obliga a los minoristas a tramitar en todo caso las reclamaciones, de modo que el asunto deja de formar parte de los acuerdos voluntarios integrantes de los contratos de gestión interempresarial (“[n]o obstante lo anterior, el viajero podrá dirigir las reclamaciones por el incumplimiento o cumplimiento defectuoso de los servicios que integran el viaje combinado indistintamente ante organizadores o minoristas, que quedarán obligados a informar sobre el régimen de responsabilidad existente, tramitar la reclamación de forma directa o mediante remisión a quien corresponda en función del ámbito de gestión, así como a informar de la evolución de la misma al viajero aunque esté fuera de su ámbito de gestión”).  

Además, el párrafo tercero del art. 161.1 prevé una excepción a la regla de la responsabilidad parciaria en los términos siguientes: “[l]a falta de gestión de la reclamación por parte del minorista supondrá que deberá responder de forma solidaria con el organizador frente al viajero del correcto cumplimiento de las obligaciones del viaje combinado que correspondan al organizador por su ámbito de gestión. De igual modo, la falta de gestión de la reclamación por parte del organizador supondrá que deberá responder de forma solidaria con el minorista frente al viajero del correcto cumplimiento de las obligaciones del viaje combinado que correspondan al minorista por su ámbito de gestión”.

En este caso el legislador impone, excepcionalmente, una responsabilidad solidaria y obliga al sujeto responsable a indemnizar daños y perjuicios que en realidad son consecuencia del incumplimiento de obligaciones que no forman parte de su ámbito de gestión del viaje, que asumió la otra empresa frente al viajero, aspecto que a mi modo de ver será controvertido; y cabe entender que las reglas de representación directa e indirecta quedan a salvo de la regulación.

2.2. Una responsabilidad por culpa en el incumplimiento de la obligación de gestión de la reclamación, con inversión de la carga de la prueba

El párrafo cuarto del art. 161.1 emplea un criterio de culpa para imputar el incumplimiento de la obligación de gestión de la reclamación al sujeto responsable, y la responsabilidad solidaria se acompaña asimismo de una inversión de una carga de la prueba: “[e]n estos supuestos, le corresponderá al minorista u organizador, en su caso, la carga de la prueba de que ha actuado diligentemente en la gestión de la reclamación y, en cualquier caso, que ha iniciado la gestión de la misma con carácter inmediato tras su recepción”. Está claro, pues, que el debate se focaliza en el nivel de diligencia empleado por la empresa para atender la reclamación del pasajero, otro aspecto que a menudo no podrá resolverse con facilidad, aunque el criterio de imputación de la culpa y la inversión de la carga de la prueba me parecen adecuados.

2.3. Unos derechos de repetición 

El párrafo quinto del art. 161.1 regula un primer derecho de repetición a ejercer frente al otro sujeto responsable solidario: “[q]uien responda de forma solidaria ante el viajero por la falta de gestión de la reclamación tendrá el derecho de repetición frente al organizador o al minorista al que le sea imputable el incumplimiento o cumplimiento defectuoso del contrato en función de su respectivo ámbito de gestión del viaje combinado”.

Y, por último, el párrafo sexto del art. 161.1 contempla un segundo derecho de repetición, en este caso a ejercer por parte del organizador o minorista contra terceros: “[c]uando un organizador o un minorista abone una compensación, en función de su ámbito de gestión, conceda una reducción del precio o cumpla las demás obligaciones que impone esta ley, podrá solicitar el resarcimiento a terceros que hayan contribuido a que se produjera el hecho que dio lugar a la compensación, a la reducción del precio o al cumplimiento de otras obligaciones”. En la medida que las causas de exoneración de una reducción del precio y de una indemnización por daños y perjuicios no coinciden –como se desprende de los apartados 1 y 3 del art. 162, respectivamente–, una equiparación entre ambos remedios frente a una falta de conformidad a los efectos de “solicitar el resarcimiento a terceros” también podrá dar lugar a opiniones contrapuestas.

O futuro dos carregadores na U.E. – A proposta de alteração da Diretiva 2014/53/EU

Doutrina

A proposta de Diretiva, do Parlamento Europeu e do Conselho, que altera a Diretiva 2014/53/EU, promete ser um diploma relevante para o dia-a-dia dos consumidores. Desde logo, deixará de ser necessário dedicar uma gaveta para os diferentes carregadores, adaptadores e cabos com diferentes entradas. Mas, sobretudo, o destaque está no impacto ambiental que a medida acarreta. De acordo com a informação disponibilizada, só em 2018, os dispositivos de carregamento foram responsáveis por cerca de 11 mil toneladas de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos, ditando que existisse, por parte da União Europeia, uma intervenção para dar resposta a este problema.

O desenvolvimento da proposta de diretiva

O processo de desenvolvimento da proposta em apreço teve o seu início em 2019, com um estudo de avaliação de impacto sobre carregadores de dispositivos portáteis. Este estudo concluiu que, para alcançar os objetivos ambientais propostos, seria necessário complementar a adoção de um carregador comum com a venda de carregadores em separado (unbundling).
Em 2020, foram comissionados dois estudos relativos ao tema: uma avaliação de impacto sobre o unbundling de carregadores e um estudo de suporte técnico sobre o carregamento sem fios (wireless charging).
Com esta base, a Comissão propôs, a 23 de setembro de 2021, a alteração da Diretiva 2014/53/EU relativa à harmonização da legislação dos Estados-Membros respeitante à disponibilização de equipamentos de rádio no mercado. Resumidamente, esta proposta contempla:

que a regra seja a não inclusão de carregadores com a aquisição de um novo equipamento de rádio;
o USB-C como o carregador comum entre telemóveis, altifalantes, câmaras digitais, tablets e outros equipamentos de rádio e respetivos acessórios;
mais informação para os consumidores sobre as características dos carregadores, se suportam fast charging, e quais os requisitos necessários para carregar um determinado dispositivo.

Recentemente, a 21 de janeiro de 2022, a proposta sofreu algumas alterações no Conselho da União Europeia, com destaque para o reforço do direito à informação e procedimentos a adotar face a futuras soluções de carregamento.

As críticas à proposta

Com o desenvolvimento da proposta, naturalmente, surgiram objeções, em particular dos agentes de mercado mais condicionados. A Apple, a principal afetada por esta alteração, considera que a proposta “sufoca a inovação”, em vez de a promover, indicando que uma solução comum pode ser prejudicial para os consumidores. A oposição da Apple é, por sua vez, alvo de frequente escrutínio por parte dos consumidores, visto que a Apple tem vindo a integrar, por iniciativa própria, o USB-C nos seus portáteis e tablets, mantendo o Lightning apenasnos seus telemóveis. Deste modo, dentro do próprio ecossistema desta empresa, podemos verificar inconsistência nas opções de carregamento.
A propósito da inovação, o já mencionado estudo de avaliação de impacto, de 2019, nas observações finais, indica que qualquer solução ao problema envolve trade-offs. Como exemplo, o estudo denota que implementar um conector comum nos dispositivos pode implicar efeitos negativos na inovação, ao reduzir os incentivos para as empresas investirem na pesquisa e desenvolvimento de tecnologia de carregamento. Não obstante, o mesmo estudo dispensa estes receios, referindo que “as consequências destas restrições parecem mais significativas em teoria do que na prática, atendendo à forma como o mercado está a evoluir presentemente, e ao interesse das empresas em garantir interoperabilidade”[1].

O unbundling

A grande novidade em relação ao texto normativo prévio prende-se com a introdução do art. 3.º-A à Diretiva 2014/53/EU, que prevê que, caso um operador económico ofereça aos consumidores e outros utilizadores finais a possibilidade de adquirir equipamentos de rádio em conjunto com um dispositivo de carregamento, é igualmente oferecida a possibilidade de adquirir o equipamento de rádio sem qualquer dispositivo de carregamento. Assim, os consumidores que já têm carregadores USB-C em casa, podem optar por adquirir apenas o equipamento de rádio, o que poderá trazer vantagens no que concerne ao preço final do produto e reduzir a sua pegada ecológica.

Direito à informação e rotulagem

Como consequência da implementação da regra anterior, acresce a responsabilidade em matéria de direito à informação. Se não incluir o carregador, e conforme à nova redação do art. 10.º, n.º 8, o dispositivo de rádio deve conter informação sobre as capacidades de carregamento e sobre qual o respetivo dispositivo de carregamento compatível. O mesmo artigo versa, no primeiro parágrafo, sobre a necessidade de incluir, de forma clara e percetível, uma descrição dos acessórios, componentes e software, que permitam o normal funcionamento do equipamento de rádio.

Relembrando a intervenção do Conselho da U.E., a recente alteração à proposta contempla neutralidade linguística nos elementos visuais de rotulagem, como pode ser visível nos pictogramas presentes nas partes III e IV do anexo.
Conforme à Parte III do anexo, para o consumidor identificar se o carregador vem incluído com o seu equipamento de rádio, deverá verificar na embalagem se, ao lado direito do símbolo do adaptador de corrente, está uma caixa com uma checkmark a verde. Na ausência desta sinalização, e estando a caixa em branco, o consumidor fica advertido de que o carregador não está incluído.
Na minha perspetiva, esta opção de pictograma poderá não ser suficientemente clara para muitos consumidores. O recurso à omissão de um símbolo, para efeitos da identificação da ausência de um bem, poderá ser um mecanismo de menor eficácia, quando comparado com o uso de um símbolo de negação (Ex: uma cruz por cima do símbolo do adaptador de corrente, ou outra sinalização semelhante).
Em relação à etiqueta presente na parte IV do anexo, esta servirá para que o consumidor consiga identificar os requisitos de energia para carregamento normal e carregamento rápido.
A etiqueta poderá conter “USB PD”[2] se um determinado dispositivo de rádio contemplar este protocolo de carregamento.

Sobre o futuro

Outras soluções de carregamento, como o wireless charging, são tratadas pela proposta de alteração da Diretiva. Sobre este ponto, os considerandos 9 e 13 apresentam uma visão de futuro, a propósito da matéria em apreço, ao indicarem a necessidade de adaptação consoante o progresso tecnológico e os desenvolvimentos do mercado. A incerteza sobre se a interoperabilidade poderá ser contornada através do wireless charging, é antecipada com a adição do n.º 4 ao atual art. 3 da Diretiva. Este número confere a flexibilidade necessária para a União Europeia poder aquedar a Diretiva “à luz do progresso técnico”, habilitando a Comissão a adotar atos delegados com vista à “alteração, aditamento ou supressão de categorias ou classes de equipamentos de rádio” e de “especificações técnicas, incluindo referências e descrições, relativas aos recetores de carregamento e aos protocolos de comunicação de carregamento, para cada categoria ou classe de equipamento de rádio em causa”. Nestes termos, quando for necessário proceder à revisão dos standards e a adequar as classes de equipamentos, a transição tenderá a ser menos morosa por existir uma moldura capaz se adaptar aos tempos.


[1] Tradução de minha autoria. Texto original: “the implications of these constraints seem more significant in theory than in practice, in view of the way the market is evolving at present, and companies’ own interest in ensuring interoperability”. Impact Assessment Study on Common Chargers of Portable Devices, página 143, disponível em: https://op.europa.eu/en/web/eu-law-and-publications/publication-detail/-/publication/c6fadfea-4641-11ea-b81b-01aa75ed71a1

[2] O USB PD é um protocolo que permite maiores velocidades de carregamento, ajustar a voltagem, otimizar a gestão de energia entre múltiplos acessórios, entre outras vantagens técnicas.

Comunicações Eletrónicas de Marketing Direto: Diretriz 2022/1 da CNPD

Legislação

Imaginemos que comprámos uma mangueira para regar a nossa estimada horta. Passados uns dias da referida compra, recebemos da mesma empresa um e-mail colorido e repleto de imagens apelativas a publicitar um sistema de aspersores, especificamente recomendado para ávidos apreciadores de jardinagem como nós. Inversamente, podemos imaginar que recebemos da mesma empresa um e-mail a sugerir uma promoção única de aquecimentos centrais, em nada relacionado com o nosso passatempo preferido. Imaginações à parte, ambas as situações não são análogas e põem em causa questões que, embora semelhantes, na sua diferença integram pontos de grande relevância para a análise do fenómeno das comunicações eletrónicas de marketing direto.

Embora o marketing direto no contexto digital não seja uma novidade para muitos de nós, importa relembrar que consiste numa estratégia de promoção de um produto ou serviço por parte de uma empresa e tem como target um potencial cliente. Este método pressupõe um interesse prévio do titular dos dados, por exemplo, através da aquisição no passado de um certo produto, podendo esta compra abrir a porta a uma futura relação contratual motivada pelo envio de sugestões que, potencialmente, despertem um novo interesse ao titular dos dados ou, alternativamente, da prestação de consentimento para o envio de comunicações de marketing direto.

No entanto, o problema poderá surgir com a maneira como as empresas utilizam os dados pessoais dos titulares dos dados. Uma vez que os primeiros atuam como responsáveis pelo tratamento dos dados pessoais, as comunicações de marketing direto podem estar sujeitas a certas limitações derivadas da legislação sobre proteção de dados pessoais, consoante as circunstâncias do caso concreto.

Nesse sentido, e após a receção pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) de um elevado número de denúncias relacionadas com comunicações não solicitadas, a Autoridade de Controlo Nacional na área de proteção de dados publicou, no passado dia 4 de fevereiro, a Diretriz/2022/1 sobre comunicações eletrónicas de marketing direto. Assim, a CNPD veio estabelecer algumas orientações para os responsáveis pelo tratamento dos dados e para os seus subcontratantes, tendo em vista a proteção do titular dos dados objeto destas comunicações diretas.

A CNPD destacou, atendendo ao disposto na Lei da Privacidade nas Comunicações Eletrónicas (Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto), que os fundamentos de licitude aos quais os responsáveis pelo tratamento (empresas) podem recorrer para o envio de comunicações eletrónicas de marketing direto são: o consentimento (no geral) e os interesses legítimos (apenas em alguns casos específicos).

Retomando o nosso exemplo inicial, imaginemos que adquirimos no passado uma mangueira da empresa XPTO, existindo assim uma relação prévia da XPTO connosco. O fundamento de licitude dependerá da incidência deste marketing: se for sobre produtos ou serviços análogos aos adquiridos, não será necessário o consentimento do titular dos dados, uma vez que se considera existir um interesse legítimo; pelo contrário, se for sobre produtos ou serviços diferentes dos que já adquirimos, o envio destas comunicações requer consentimento prévio e expresso do titular dos dados.

Assim, se a empresa XPTO nos quiser enviar comunicações sobre aspersores de rega, poderá fazê-lo sem solicitar o nosso consentimento (o tal interesse legítimo), no entanto, se as comunicações versarem sobre aquecimentos centrais, a XPTO necessitará do nosso consentimento, prestado de forma livre e inequívoca para o efeito.

Outro cenário possível será a utilização destes métodos de marketing direto quando não existe uma relação anterior entre a empresa e o titular dos dados, caso em que o destinatário destas comunicações necessita de dar o seu consentimento prévio para o caso. Esta é a situação em que nunca tivemos qualquer relação prévia com a empresa XPTO, pelo que esta última, caso queira enviar alguma comunicação, tem de antes solicitar o nosso interesse na mesma, sob a forma de consentimento, que deverá ser livre, específico, informado e inequívoco.

A CNPD adianta também que, independentemente das circunstâncias, o titular dos dados tem de ter sempre a possibilidade de recusar, de uma maneira fácil, intuitiva e sem qualquer custo associado, a utilização dos seus dados para efeitos de marketing direto. Está aqui em causa o direito de oposição, regulado no artigo 21.º do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e no n.º 3 do artigo 13.º-A da Lei da Privacidade nas Comunicações Eletrónicas, pelo que este direito poderá ser concretizado através de meios de opt-out/unsubscribe, devendo estas opções estar disponíveis tanto no momento de recolha dos dados como no momento de envio de todas as comunicações posteriores.

Já mencionamos que este mesmo consentimento tem de seguir as regras constantes do artigo 7.º do RGPD, nomeadamente, ser específico para um determinado fim, nunca podendo ser genérico. Desta forma, a CNPD dá-nos outra indicação: as entidades não podem usar, para fins de marketing direto, uma base de dados que um subcontratante tenha previamente obtido, pelo que o consentimento não será suficientemente específico nesse caso, dado que será prévio ao momento de contratação e não referente ao responsável pelo tratamento em concreto.

Consequentemente, a CNPD reforça que, na recolha de consentimentos, estes não podem ser ambíguos nem pouco transparentes na sua redação, devendo ser solicitados ao titular dos dados diretamente pela empresa (mesmo que através de subcontratante), que será o responsável pelo tratamento dos dados pessoais em causa. É ainda sublinhado que o tratamento de dados no âmbito de marketing direito é, em geral, de larga escala, pelo que os responsáveis devem tomar medidas de controlo e de mitigação de riscos, nomeadamente ponderar a realização de Avaliações de Impacto sobre a Proteção de Dados, de forma que se sejam respeitados os princípios basilares do RGPD.

Em suma, nunca será demais relembrar que, quer sejam mangueiras, aspersores ou aquecimentos centrais, é sempre importante fazer uma análise prévia da relação contratual e definir a estratégia de marketing direto com base nesses termos, sob pena de serem levadas a cargo atividades menos protetoras dos dados pessoais dos titulares dos dados. Como já dizia Bertrand Russell, “in all affairs it is a healthy thing now and then to hang a question mark on the things you have long taken for granted”.

Os novos prazos máximos dos contratos de crédito à habitação

Legislação

No passado dia 31 de janeiro, o Banco de Portugal (BdP) divulgou, através de comunicado, a emissão de uma recomendação macroprudencial relativa ao estabelecimento de novos limites à maturidade máxima das novas operações de crédito à habitação em função da idade dos mutuários.

Seguindo esta orientação, a partir de 1 de abril de 2022, a maturidade máxima dos créditos à habitação deve ser de 40 anos, para mutuários com idade inferior ou igual a 30 anos. Já para quem tem entre 30 e 35 anos, o prazo máximo recomendado desce para 37 anos. Para os mutuários com mais de 35 anos, o prazo máximo de contrato deve ser de 35 anos.

A este propósito, note-se que, já em julho de 2018, o supervisor tinha adotado uma recomendação dirigida à atividade de concessão de novos créditos a consumidores destinados à habitação, com garantia hipotecária ou equivalente, e ao consumo, através da qual introduziu limites a alguns dos critérios usados na aferição da solvabilidade dos mutuários. Nessa ocasião, determinou, ainda, que os novos contratos de crédito à habitação deveriam convergir do prazo máximo de 40 anos para uma convergência média de 30 anos.

No entanto, desde então, a prática na concessão de crédito não tem sido consentânea com esse desiderato. Segundo o Relatório de Acompanhamento da Recomendação Macroprudencial sobre Novos Créditos a Consumidores do BdP, publicado em março de 2021, verificou-se que, em dezembro de 2020, mais de 69% das novas operações de crédito à habitação apresentavam uma maturidade entre 30 e 40 anos. Relativamente à evolução da maturidade média das novas operações do crédito à habitação, apesar da diminuição de 33,5 anos para 32,6 anos entre julho de 2018 e dezembro de 2019, observou-se uma tendência de aumento em 2020. Assim, no final de 2020, a maturidade média fixou-se em 33,2 anos, um valor superior ao do limiar de 30 anos previsto para o final de 2022.

Ademais, entre 2018 e 2019, enquanto na generalidade dos países da União Europeia, a maturidade média das novas operações de crédito à habitação se situava entre 20 e 25 anos, entre nós, a maturidade média era superior a 30 anos.

Nessa sede, o próprio supervisor reconheceu que “a manutenção da maturidade média das novas operações de crédito à habitação em níveis elevados implica um risco acrescido para as instituições por implicar que as exposições de crédito ficarão vulneráveis a flutuações do ciclo económico e financeiro durante um período mais longo”. Adicionalmente, “maturidades mais elevadas diminuem a flexibilidade de reestruturação de créditos para mutuários em dificuldades financeiras”.

Em acréscimo, no Relatório de Estabilidade Financeira, publicado em dezembro de 2018, o BdP dava conta de que, na época, cerca de 62% do stock de crédito à habitação estava associado a mutuários cuja idade seria superior a 65 anos no momento do fim do contrato.

O retrato atual, é, por isso, preocupante: os portugueses contraem crédito à habitação relativamente tarde e preferem prazos extensos. O resultado no futuro? É fácil de antecipar: devedores, possivelmente, já retirados da sua vida ativa, mas ainda a braços com prestações mensais relativas ao contrato de crédito à habitação.

Neste cenário, já em final de 2018, o Governador do BdP de então, Carlos Costa, destacava que “a baixa taxa de poupança dos particulares constitui uma vulnerabilidade especialmente relevante em Portugal em face do envelhecimento da população e de um sistema público de Segurança Social que tem associado uma expectável redução significativa do rendimento desde o momento da reforma”. Esse risco, referia, aumenta “num contexto em que as famílias ainda apresentam um endividamento elevado e, sobretudo, com maturidades longas que ultrapassam a vida ativa dos mutuários”.

Assim, a recomendação do BdP, recentemente divulgada, emerge como uma tentativa de inversão deste ciclo, consolidando a posição já assumida em 2018. A lógica subjacente é a de encurtar o tempo máximo do empréstimo, em face da idade dos mutuários, de molde a procurar evitar que estes fiquem “presos” a compromissos creditícios até idade avançada, numa altura em que, expectavelmente, terão menos rendimentos para fazer face a essas despesas, em função da evolução conhecida do valor das pensões de reforma.

De resto, esta questão pode ter implicações práticas, desde logo, no papel que a habitação própria assume no quadro do complemento dos rendimentos na fase da reforma. Com efeito, para os proprietários livres de encargos, a habitação satisfaz as necessidades de alojamento a baixo custo. No entanto, ela pode ainda ser encarada como um ativo de salvaguarda, dado que, através de uma possível venda e da mudança para uma casa de menores dimensões, em face das novas necessidades familiares, é possível obter liquidez para complementar o valor da reforma, o que para aqueles que ainda mantêm obrigações associados à compra da habitação não se verifica[1].

Naturalmente, a medida macroprudencial não é vinculativa, mas o BdP alerta que continuará a monitorizar o cumprimento da recomendação e poderá adotar medidas adicionais para atingir o objetivo de convergência da maturidade média dos novos contratos de crédito à habitação para 30 anos, até ao final de 2022.

No imediato, para os consumidores, esta solução, de cariz essencialmente preventivo, encerra uma mensagem clara: um prazo menor para pagar um crédito significa prestações mensais mais elevadas. Esta preocupação acrescida, associada a uma possível subida das taxas de juro, em face de uma previsível escalada da inflação, podem adiar os planos de quem pensava comprar casa no futuro próximo, contribuindo para contrariar a tendência de crescimento que se vinha assinalando nas novas operações de crédito à habitação.


[1] Neste sentido, Romana Xerez, Elvira Pereira e Francielli Dalprá Cardoso, Habitação Própria em Portugal numa Perspetiva Intergeracional, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2019, página 39.

Internet das Coisas e os desafios de um futuro não tão distante

Doutrina

A designação é genérica e, sem dúvida alguma, abstrata, mas a Internet das Coisas (‘IdC’, ou, em inglês e como é mais conhecida, Internet of Things – ‘IoT’) apresenta-se como um setor que, embora ainda longe da sua maturidade, já faz parte do quotidiano da maioria dos consumidores. Foi, pois, com o propósito de “compreender melhor o setor da IdC para os consumidores, o panorama da concorrência, as tendências emergentes e potenciais questões relacionadas com a concorrência” que a Comissão Europeia lançou, em 16.7.2020, um inquérito setorial sobre a IdC cujo Relatório Final (‘Relatório’) foi recentemente publicado[1].

Uma possível, mas provavelmente incompleta, definição breve de IdC aponta a mesma como um sistema de dispositivos informáticos relacionados entre si com a capacidade de transferir dados através de uma rede sem necessidade de interação humana podendo ser monitorizados ou controlados remotamente via internet. É, no fundo, tornar os objetos comuns em objetos “inteligentes”, como acontece, por exemplo, com relógios ou eletrodomésticos.

O inquérito setorial conduzido pela Comissão teve uma participação interessante e do seu âmbito foram excluídos os veículos conectados, telemóveis inteligentes e tablets. O Relatório assenta em 5 pilares, cujas principais conclusões se apresentarão de seguida.

Em primeiro lugar, ao nível das características dos produtos e serviços da IdC, o Relatório conclui que o número de dispositivos e serviços “inteligentes” tem vindo a crescer, oferecendo, assim, mais opções para os consumidores. Atualmente, os assistentes de voz assumem-se como um dos motores do desenvolvimento dos produtos e serviços da IdC, pois é através de assistentes como a Alexa (Amazon), Siri (Apple) ou Google Assistant que os utilizadores conseguem aceder às mais diversas funcionalidades que os dispositivos “inteligentes” oferecem.

Seguidamente, o Relatório descreve as principais características da concorrência no setor, identificando, entre outros, “o custo do investimento em tecnologia e a situação da concorrência como os principais obstáculos à entrada ou expansão no setor da IdC para os consumidores” (Relatório, §13). O principal problema parece situar-se a montante, ou seja, no mercado dos assistentes de voz, onde, de acordo com os inquiridos, não são esperados novos operadores de mercado (pelo menos no curto prazo), fruto dos elevados custos de desenvolvimento e operação. É, pois, esta situação que conduz a que a estratégia comercial da maioria das demais empresas assente no desenvolvimento dos seus produtos e serviços “inteligentes” com a integração de um dos três principais assistentes de voz. Contudo, qual bola de neve, esta estratégia comercial, ainda que compreensível e racional, agudiza a incapacidade destas empresas em competirem, a montante, com os atuais players do mercado dos assistentes de voz; resultando, também, em problemas a jusante, pois estes últimos operadores têm também uma forte oferta de produtos e serviços “inteligentes”, beneficiando da sua integração vertical e ecossistemas próprios.

De facto, a interoperabilidade nos ecossistemas da IdC é, de igual modo, uma peça-chave deste setor para que seja assegurado, por um lado, o uso pleno das funcionalidades de que os consumidores podem usufruir e, por outro, o aumento das opções de escolha de produtos e serviços “inteligentes”, combatendo a concentração da oferta em alguns fornecedores. A este respeito, são os sistemas operativos e os assistentes de voz que desempenham o papel primordial na ligação dos diferentes ecossistemas da IdC. Contudo, os problemas apontados acima quanto à concentração do poder de mercado a montante em poucas empresas também se fazem sentir aqui, pois são empresas como a Google ou a Apple que impulsionam a integração dos seus sistemas operativos ou assistentes de voz noutros produtos/serviços “inteligentes”. De acordo com o Relatório, estas empresas impõem processos de certificação que, regra geral, controlam de forma unilateral e as várias especificações que permitem a interoperabilidade são disponibilizados mediante a celebração de um contrato que, de acordo com a maioria dos inquiridos, não são abertos a negociação, a não ser que se trate de uma contraparte com forte poder negocial.

Numa outra vertente, o Relatório também se foca nas normas e processo de normalização, ou seja, uma componente mais técnica com o propósito de estabelecer as normas pertinentes para a integração e ligação de dispositivos, assim como aquelas que devem garantir a qualidade e segurança das comunicações no âmbito da IdC. Os inquiridos apontam para uma grande variedade de normas, mas encontram-se divididos entre aqueles que apelam a uma maior homogeneidade destas normas e aqueles que entendem que a normalização não é sinónimo de melhores condições.

Por fim, a matéria dos dados (pessoais e não só) na IdC foi também abordada pelo Relatório, o qual dá conta de uma grande recolha de dados seja por introdução manual, seja de forma automática, por exemplo através do funcionamento em segundo plano. Um dos exemplos dados pelo Relatório (§28) é o de um sistema de aquecimento “inteligente” que pode ser capaz de “recolher dados sobre a temperatura e a qualidade do ar dentro de casa, o movimento, o momento em que o sistema de aquecimento é ligado e desligado, podendo igualmente registar o momento em que os utilizadores saem e entram em casa”. Como este exemplo, há vários outros dispositivos que têm uma presença constante na vida e nas casas dos consumidores, o que lhes confere um valor acrescentado bastante interessante, nomeadamente para a criação de perfis de utilizador, entre outros fins. Ainda que muitos dos inquiridos indiquem que esta oportunidade comercial se encontra num estado embrionário, a mesma deve ser acompanhada com atenção para que cumpra a legislação aplicável e de modo a preservar a confiança dos consumidores, a confidencialidade, bem como o acesso aos dados e a sua integridade.

O Relatório descreve um setor complexo, em franco crescimento e com vários desafios que devem ser trabalhados desde início, pois, como nos ensina a sabedoria popular, o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. É inequívoco que os assistentes de voz se assumem como o produto mais avançado no domínio da IdC e que poderá moldar o futuro deste setor. Como é evidente, tal questão, aliada à estrutura concorrencial que este mercado parece apresentar e à falta de incentivo para a entrada de novos operadores no mesmo, configura um dos principais desafios concorrenciais, nomeadamente através de potenciais práticas negociais abusivas que o Relatório já parece sugerir. Daqui também pode derivar um outro problema cada vez mais comum no direito da concorrência: o self-preferencing. Será importante garantir que dispositivos “inteligentes” com sistema operativo ou assistente de voz de uma empresa não sugiram, numa lógica preferencial, produtos ou serviços dessas mesmas empresas.

Em suma, o Relatório apresenta-se como uma primeira boa fotografia do setor e que, espera-se, já terá impacto em algumas iniciativas legislativas da União Europeia no âmbito da propriedade industrial e mercados digitais (Relatório, §52). Será interessante ir acompanhando os desenvolvimentos neste âmbito, de modo a garantir o sempre difícil equilíbrio entre o progresso tecnológico e as obrigações legais aplicáveis.


[1] Relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, relatório final – inquérito setorial sobre a Internet das Coisas para os consumidores {SWD(2022) 10 final}, de 20.1.2022 (COM(2022) 19 final. Disponível aqui.

Proibição de bloqueio geográfico injustificado e de outras formas de discriminação nas transações eletrónicas para os consumidores das Regiões autónomas dos Açores e da Madeira

Doutrina

No passado dia 10 de janeiro, foi publicada, em Diário da República, a Lei n.º 7/2022, em vigor a partir de 11 de março (art. 11.º), a qual visa proibir os comerciantes[1] que disponibilizam bens ou prestam serviços em território nacional, através de uma página na internet e/ou de aplicações móveis[2], de desenvolverem práticas de bloqueio geográfico (geoblocking) ou outras formas de discriminação nas transações em linha, baseadas, direta ou indiretamente, no local de residência ou de estabelecimento do consumidor (pessoa singular ou coletiva[3]), quando situado nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

O referido diploma visa suprir uma lacuna subsistente mesmo após a adoção do Regulamento (UE) 2018/302 do Parlamento Europeu e do Conselho de 28 de fevereiro de 2018, cuja execução, no que tange às obrigações de designação das entidades responsáveis pela aplicação, fiscalização e prestação de assistência aos consumidores e à definição de um regime sancionatório que, de uma forma efetiva, proporcionada e dissuasora, garantisse o seu cumprimento, foi assegurada, na ordem jurídica interna, através da publicação do Decreto-Lei n.º 80/2019, de 17 de junho.

Com efeito, o Regulamento (UE) 2018/302, cujo objetivo consiste em prevenir o bloqueio ou restrição do acesso às interfaces em linha de um comerciante que opera num Estado-Membro dirigido a clientes (consumidores e empresas, em especial as micro, pequenas e médias empresas, que recebem serviços ou adquirem bens, ou procuram fazê-lo, na União, com o objetivo exclusivo de utilização final) de outros Estados-Membros que pretendem realizar transações transfronteiriças (o denominado “bloqueio geográfico”), assim como outras formas de discriminação direta ou indireta com base na nacionalidade ou no local de residência ou no local de estabelecimento dos clientes[4], não se aplica a situações meramente internas, em que todos os elementos de conexão de uma transação (nomeadamente, a nacionalidade, o local de residência ou o local de estabelecimento do cliente ou do comerciante, o local de execução, os meios de pagamento utilizados na transação ou na oferta, bem como a utilização de uma plataforma em linha) estão circunscritos num único Estado-Membro (art. 1.º, n.º 2).

Assim, com o propósito de conferir plena eficácia às disposições do art. 20.º da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006 (“Diretiva Serviços”), transposta para o ordenamento jurídico nacional através do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, e conferir especial proteção aos consumidores das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores que, de forma recorrente, se veem impedidos de aceder a bens fornecidos ou serviços prestados de forma essencialmente automatizada “após comunicação do seu domicílio, ou, similarmente, avisados da indisponibilidade de envio de bens para as ilhas” e, por essa via, são alvo de práticas discriminatórias que acentuam as desigualdades estruturais já determinadas pela insularidade e pelo caráter ultraperiférico das Regiões Autónomas e colocam em crise o princípio constitucional da continuidade territorial (arts. 5.º, 6.º, 225.º-2, e 229.º-1, todos da CRP), a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira apresentou à Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 71/XIV/2.

À semelhança do Regulamento europeu, a Proposta de Lei n.º 71/XIV/2 e a Lei n.º 7/2022 que veio a ser aprovada, sob a forma de decreto (para publicação), no termo do processo legislativo, pretenderam abordar as principais práticas discriminatórias operadas pelos comerciantes na atividade de disponibilização de bens ou de prestação de serviços com recurso a tecnologias de informação, arrumando-as em três grupos (arts. 4.º a 6.º): 1) acesso às interfaces online[5]; 2) acesso a bens e serviços; 3) não discriminação por razões relacionadas com o pagamento[6].

Concretizando: em primeiro lugar, a fim de garantir a igualdade de tratamento e evitar a discriminação entre clientes de Portugal Continental e das Regiões Autónomas, os comerciantes que disponibilizam bens ou prestam serviços em território nacional não podem bloquear nem restringir, por meio de medidas de caráter tecnológico ou qualquer outro, o acesso do consumidor às suas interfaces online por razões relacionadas com o seu local de residência ou com o local de estabelecimento em território nacional (art. 4.º-1). Embora a existência de diferentes versões das suas interfaces em linha, dirigidas a consumidores de Portugal Continental e das Regiões Autónomas não resulte vedada, o redirecionamento de um cliente de uma versão da plataforma em linha para outra versão, diferente daquela a que o mesmo tentou aceder inicialmente, com fundamento no seu local de residência ou no seu local de estabelecimento em território nacional, é proibida, salvo se o consumidor consentir expressamente nesse redirecionamento (art. 4.º-2 e 3). O consentimento expresso do cliente deverá ser considerado válido para todas as visitas subsequentes do mesmo consumidor à mesma interface em linha, sem prejuízo de dever resultar sempre salvaguardada a possibilidade de aquele retirar esse consentimento em qualquer momento. As proibições impostas nos n.ºs 1 e 2 não são aplicáveis na eventualidade de o bloqueio, a restrição de acesso ou o redirecionamento se revelarem necessários para assegurar o cumprimento de obrigações legais impostas pelo Direito da União Europeia ou pelo ordenamento jurídico português às quais as atividades do comerciante se encontram sujeitas (art. 4.º-4).

Em segundo lugar, com o fito de permitir que os clientes das Regiões Autónomas possam participar em transações nas mesmas condições que os clientes fixados em Portugal Continental e, por essa via, disponham de acesso pleno e equitativo aos diversos bens e/ou serviços oferecidos, os comerciantes não podem aplicar condições gerais de acesso aos bens e/ou serviços diferentes em função do local de residência ou do local de estabelecimento do consumidor em território nacional (art. 5.º-1)[7] e têm a obrigação de disponibilizar condições de entrega dos seus bens ou serviços para a totalidade do território nacional (art. 5.º-2). A proibição prevista no n.º 1 do art. 5.º não deverá, porém, ser entendida como afetando a aplicação de qualquer limitação territorial ou de outra natureza relativamente à assistência pós-venda ou a serviços pós-venda oferecidos pelo comerciante ao cliente. Por sua vez, a norma impositiva do n.º 2 do mesmo art. 5.º também não deverá ser interpretada no sentido de impor uma obrigação suplementar de suportar custos de transporte e de montagem/desmontagem para além do estabelecido no contrato, em conformidade com o Direito nacional e com o Direito da União Europeia, pelo que não obsta a que os comerciantes proponham condições de entrega distintas em função do local de residência ou do local de estabelecimento do consumidor, nomeadamente quanto ao custo da entrega (art. 5.º-3).

Em terceiro e último lugar, sem prejuízo de, em princípio, serem livres de decidir os meios de pagamento que pretendem aceitar[8], os comerciantes não podem aplicar diferentes condições a operações de pagamento[9], no âmbito dos instrumentos de pagamento por si aceites, por razões relacionadas com o local de residência ou de estabelecimento do consumidor em território nacional, o local de domiciliação da conta de pagamento[10] ou o local de estabelecimento do prestador de serviços de pagamento (art. 6.º-1). Sem embargo, os comerciantes não ficam impedidos de cobrar encargos não discriminatórios pela utilização de um instrumento de pagamento, nos termos do já referido Regulamento (UE) n.º 2018/302, os quais não podem exceder os custos diretos suportados pelo comerciante para emissão de ordem de pagamento através de dispositivo personalizado ou conjunto de procedimentos acordados entre o utilizador e o prestador de serviços de pagamento (art. 6.º-3). E, bem assim, quando tal se justifique por razões objetivas, a proibição imposta no n.º 1 do art. 6.º também não impede que o comerciante suspenda a entrega dos bens ou a prestação do serviço até receber uma confirmação de que a operação de pagamento foi devidamente iniciada (art. 6.º-2)[11].

A fiscalização do cumprimento das normas previstas na Lei n.º 7/2022 compete à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica e às autoridades regionais com competência no âmbito da fiscalização económica (Autoridade Regional das Atividades Económicas, na Região Autónoma da Madeira, e Inspeção Regional das Atividades Económicas, na Região Autónoma dos Açores) – art. 7.º.

Uma derradeira consideração para recordar que, por força do disposto pelo art. 7.º do DL 24/2014, de 14 de fevereiro, nos sítios na Internet dedicados ao comércio eletrónico é obrigatória a indicação, de forma clara e legível, o mais tardar no início do processo de encomenda, da eventual existência de restrições geográficas ou outras à entrega e aos meios de pagamento aceites.


[1] “Comerciante” é, aqui, entendido como qualquer pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, com representação social ou não em território nacional, que atua, ainda que por intermédio de outra pessoa, com fins que se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional (art. 2.º, al. e)).

[2] Releva, aqui, a noção de “serviços prestados por via eletrónica”, i.e., serviços prestados pela Internet ou por meio de uma rede eletrónica cuja natureza torna a sua prestação essencialmente automatizada, envolvendo um nível muito reduzido de intervenção humana e impossível de assegurar sem recorrer às tecnologias da informação (art. 2.º, al. a)). Os serviços prestados por via eletrónica incluem, por exemplo, serviços de computação em nuvem (cloud), armazenamento de dados fora de linha, alojamento de sítios Web e fornecimento de barreiras de proteção, utilização de motores de busca e diretórios da Internet.

[3] “Consumidor” é, aqui, entendido como qualquer uma pessoa singular ou coletiva, residente ou com sede em território nacional, a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com caráter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios (art. 2.º, al. b)).

[4] Outros critérios de distinção que conduzam ao mesmo resultado que a aplicação de critérios diretamente baseados na nacionalidade ou no local de residência (independentemente do facto de o cliente em causa estar presente, de forma permanente ou temporária, noutro Estado-Membro), ou no local de estabelecimento dos clientes podem ser aplicados, nomeadamente, com base em informações que indiquem a localização física dos clientes, tais como o endereço IP quando ligado a uma interface em linha, o endereço para a entrega dos bens, a escolha do idioma ou o Estado-Membro em que o instrumento de pagamento do cliente tiver sido emitido.

[5]Interface online” é, aqui, entendida como qualquer forma de software, incluindo um sítio Web ou uma parte dele e as aplicações, nomeadamente móveis, explorada por um comerciante ou por outrem em seu nome, que proporciona aos consumidores o acesso aos bens ou serviços do comerciante para efeitos da realização de uma transação que tem por objeto esses bens ou serviços (art. 2.º, al. d)). Constitui contraordenação leve a violação do disposto no art. 4.º, punida com coima de € 50 a € 1500 ou de € 100 a € 5000, consoante o agente seja pessoa singular ou coletiva (arts. 8.º-1 e 9.º-1).

[6] Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos arts. 5.º e 6.º, punidas com coima de € 250 a € 3000 ou de € 500 a € 25 000, consoante o agente seja pessoa singular ou coletiva (arts. 8.º-2 e 9.º-2).

[7] Por “condições gerais de acesso” entendem-se os “termos e condições” e outras informações, incluindo os preços líquidos de venda, que regulam o acesso dos consumidores aos produtos ou serviços oferecidos por um comerciante, estabelecidos, aplicados e postos à disposição do público em geral, através de diferentes meios (designadamente, anúncios publicitários, páginas Web, documentação pré-contratual ou contratual), pelo comerciante ou por outrem em seu nome (art. 2.º, al. c)). Naturalmente, os “termos e condições” que são negociados individualmente entre o comerciante e os clientes não revestem a natureza condições gerais de acesso, para os efeitos da Lei n.º 7/2022.

[8] “Nos termos do Regulamento (UE) 2015/751 do Parlamento Europeu e do Conselho e da Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, os comerciantes que aceitem um instrumento de pagamento com cartão de uma determinada marca e categoria não têm a obrigação de aceitar nem cartões dessa mesma categoria, mas de uma marca diferente de instrumentos de pagamento com cartão, nem outras categorias de cartão da mesma marca. Assim, os comerciantes que aceitem um cartão de débito de uma determinada marca não são obrigados a aceitar cartões de crédito dessa marca, ou, se aceitarem cartões de crédito ao consumidor de uma determinada marca, não são obrigados a aceitar cartões de crédito profissionais da mesma marca. De igual modo, um comerciante que aceite serviços de iniciação de pagamentos na aceção da Diretiva (UE) 2015/2366 não é obrigado a aceitar um pagamento que implique a celebração de um novo contrato ou a alteração de um contrato com um prestador de serviços de iniciação de pagamento.” (considerando (32) do Regulamento (UE) 2018/302).

[9] “Operação de pagamento” é, aqui, entendida como o ato, iniciado pelo ordenante ou em seu nome, ou pelo beneficiário, de depositar, transferir ou levantar fundos, independentemente de quaisquer obrigações subjacentes entre o ordenante e o beneficiário (art. 2.º, al. f)).

[10] O Regulamento (UE) n.º 260/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho já proíbe que os beneficiários, incluindo os comerciantes, exijam contas bancárias localizadas num determinado Estado-Membro para que um pagamento em euros seja aceite (art. 9.º-2).

[11] A Diretiva (UE) 2015/2366 introduziu requisitos rigorosos de segurança para a iniciação e o processamento de pagamentos eletrónicos, com vista a reduzir o risco de fraude tanto para os métodos de pagamento novos como para os mais tradicionais, sobretudo os pagamentos em linha. Os prestadores de serviços de pagamento são obrigados a aplicar a chamada “autenticação forte do cliente”, um processo de autenticação do ordenante baseada na utilização de dois ou mais elementos pertencentes às categorias conhecimento (algo que só o utilizador conhece), posse (algo que só o utilizador possui) e inerência (algo que o utilizador é), os quais são independentes, na medida em que a violação de um deles não compromete a fiabilidade dos outros, e que é concebida de modo a proteger a confidencialidade dos dados de autenticação (cf. art. 4.º, n.º 30). Para transações remotas, tais como os pagamentos em linha, os requisitos de segurança vão mais além, exigindo uma ligação dinâmica a um montante e a um beneficiário específicos, para reforçar a proteção do utilizador, minimizando os riscos em caso de erro ou ataques fraudulentos (art. 97.º-2). No entanto, nas situações em que o comerciante não disponha de outros meios para reduzir o risco de incumprimento por parte dos clientes, incluindo, em particular, dificuldades relacionadas com a avaliação da qualidade de crédito do cliente, o comerciante deverá ser autorizado a não fornecer os bens ou a não prestar os serviços até ter recebido a confirmação de que a operação de pagamento foi devidamente iniciada. Em caso de débito direto, o comerciante deverá ser autorizado a exigir um pagamento adiantado através da transferência de crédito antes de os bens serem enviados ou antes de o serviço ser fornecido. No entanto, qualquer diferença de tratamento deverá basear-se apenas em razões objetivas e bem fundamentadas (considerando (33) do Regulamento (UE) 2018/302).