Após séculos de domínio colonial português e 24 anos de ocupação por parte da Indonésia, a primeira Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL) entrou em vigor em Timor-Leste a 20 de maio de 2002. Aproximando-se a celebração dos 20 anos da entrada em vigor da Constituição timorense, analisamos de forma concisa as principais características do regime de proteção dos consumidores em Timor-Leste e na sua Constituição.
Numa primeira linha, a CRDTL consagra determinados direitos dos consumidores no seu artigo 53.º:
1. Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, a uma informação verdadeira e à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos.
2. A publicidade é disciplinada por lei, sendo proibidas todas as formas de publicidade oculta, indirecta ou enganosa.
A norma constitucional de proteção dos consumidores presente na CRDTL, à semelhança do art. 78.º da Constituição da República de Angola, art. 80.º da Constituição da República de Cabo Verde e art.º 92.º da Constituição da República de Moçambique, foi claramente inspirada no artigo 60.º da Constituição da República Portuguesa, sendo visível que o legislador timorense transcreveu quase ipsis verbis a redação que consta desse mesmo artigo 60.º.
A proteção do consumidor em Timor-Leste é conseguida sobretudo através do dever de fornecimento de bens e serviços com qualidade, isto é, conformes ao contrato e com as características e propriedades necessárias para satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que lhes atribuem. Quando os bens ou serviços adquiridos por um consumidor não estiverem conformes ao contrato, a CRDTL estabelece que o consumidor terá direito a uma indemnização para reparar os danos decorrentes de bens ou serviços desconformes ao contrato (para além de outros direitos que poderão surgir para além deste preceito constitucional). Não obstante, o legislador cria também um direito mais geral à informação verdadeira e à proteção da saúde, segurança e interesses económicos dos consumidores.
O n.º 2 desenvolve o direito dos consumidores a uma informação verdadeira. Esta “informação verdadeira” reporta-se às características dos bens ou serviços adquiridos, através da proibição de publicidade oculta, indireta ou enganosa que possa induzir o consumidor em erro.
A Lei n.º 8/2016, de 8 de Julho (Lei de Proteção do Consumidor) incorpora e desenvolve os princípios previstos no art. 53.º da CRDTL, tornando-se assim no principal diploma referente à proteção e defesa dos direitos dos consumidores em Timor-Leste.
O art. 1.º da Lei n.º 8/2016, de 8 de julho, refere que esta lei tem como objeto a aprovação do regime jurídico de proteção e defesa dos consumidores, definindo as funções do Estado, os direitos dos consumidores e a intervenção das associações de proteção de consumidores.
O art. 3.º estabelece como sendo consumidor a “pessoa singular ou coletiva à qual são fornecidos bens ou prestados serviços destinados ao uso não profissional, por pessoa que exerça uma atividade económica, com caráter profissional, com vista à obtenção de benefícios”. De notar que o elemento subjetivo desta noção de consumidor, para além das pessoas singulares, inclui também as pessoas coletivas, alargando de forma significante a aplicação da legislação de consumo. Esta extensão dos direitos de consumidor às pessoas coletivas pode levantar questões quanto à sua ratio legis – uma pessoa singular requer um maior nível de proteção nas suas relações de consumo do que uma pessoa coletiva, sobretudo se tivermos em conta as assimetrias de informação e de poder negocial entre o consumidor pessoa singular e o vendedor do bem ou prestador do serviço. Contudo, o alargamento do elemento subjetivo do conceito de consumidor não deixa de ser uma opção político-legislativa que não é suficiente por si só para determinar a aplicação da legislação de consumo – tem ainda de se verificar a presença dos elementos objetivo, teleológico e relacional.
O art. 7.º, com a epígrafe “qualidade dos bens e serviços”, visa garantir que os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que lhes atribuem. O período mínimo de garantia dos bens móveis é de um ano, exceto quando ao bem não seja dado um uso normal ou razoavelmente previsível e salvo prazo mais favorável acordado pelas partes. Este período é alargado para um mínimo de cinco anos no caso dos bens imóveis.
A Lei de Proteção do Consumidor consagra ainda um direito de arrependimento com fonte legal nos contratos “que resultem da iniciativa do fornecedor de bens ou do prestador de serviços fora do estabelecimento comercial, por meio de correspondência ou outros equivalentes”, pelo que apenas se aplica a estes. É estabelecido um prazo de dez dias úteis a contar da data da receção do bem ou da conclusão do contrato de prestação de serviços para o consumidor invocar este direito.
Não deixa de ser interessante referir que a Lei de Proteção do Consumidor, para além de atribuir direitos, atribui também deveres aos consumidores. Apesar de ser uma norma essencialmente programática, o art. 13.º estabelece que o consumidor tem o dever de:
“a) Respeitar os compromissos assumidos perante os fornecedores de bens e prestadores de serviços, agindo de boa-fé, com correção e seriedade;
b) Defender junto das autoridades competentes os seus interesses;
c) Atender às consequências do seu consumo face aos outros cidadãos, nomeadamente os mais vulneráveis;
d) Atender ao impacto ambiental do seu consumo;
e) Denunciar perante as autoridades competentes qualquer violação dos seus direitos.”
Quanto às associações de defesa de consumidores, estas têm um papel de destaque no que concerne a proteção dos consumidores, sendo-lhes atribuídos diversos objetivos e tarefas para alcançar este propósito.
Como indica o art. 8.º, para além do Estado ter o dever de incentivar e promover a realização de ações de sensibilização para o consumo, cabe também às associações de proteção de consumidores a promoção deste tipo de atividades. Para isso, “as associações de consumidores são dotadas de personalidade jurídica, sem fins lucrativos e com o objetivo principal de proteger os direitos e os interesses dos consumidores em geral ou dos consumidores seus associados” (art. 30.º n.º1). No catálogo de direitos atribuídos às associações de consumidores previstos no art. 31.º, destacam-se os seguintes:
“a) Estatuto preferencial para a discussão de matérias que digam respeito à política de consumidores;
c) Direito a representar os consumidores no processo de consulta e audição públicas a realizar no decurso da tomada de decisões suscetíveis de afetar os direitos e interesses daqueles;
d) Direito a solicitar, junto das autoridades administrativas ou judiciais competentes, a apreensão e retirada de bens do mercado ou a interdição de serviços lesivos dos direitos e interesses dos consumidores;
h) Direito a serem ouvidas nos processos de regulação de preços de fornecimento de bens e de prestações de serviços essenciais, nomeadamente nos domínios da água, energia, gás, transportes e comunicações, e a receber os esclarecimentos sobre as tarifas praticadas e a qualidade dos serviços, por forma a poderem pronunciar-se sobre elas;
j) Direito à presunção de boa-fé das informações por elas prestadas.”
Por fim resta referir que, apesar do enquadramento legal exposto, de várias semelhanças com a legislação em vigor em Portugal e países dos PALOP, e do catálogo de direitos atribuído aos consumidor, a legislação de defesa do consumidor em Timor-Leste “ainda não é implementada e reconhecida pelos próprios consumidores, agentes do mercado e administração pública”, como reconhece o Embaixador da União Europeia em Timor-Leste, Andrew Jacobs. Há ainda um longo caminho a percorrer para que a legislação de consumo possa efetivamente vir a ser aplicada no dia-a-dia nas relações de consumo, aplicação esta que é absolutamente fundamental para garantir a proteção dos direitos dos consumidores, conforme previsto no artigo 53.º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste.