Tsunami informativo, falta de leitura pelo consumidor e encargo pesado para as empresas

Doutrina

Em 2022, publiquei com A.R. Lodder, Professor da Vrije Universiteit Amsterdam (Países Baixos), o texto Online Platforms: Towards an Information Tsunami with New Requirements on Moderation, Ranking, and Traceability. Este artigo foi escrito no âmbito das atividades do Jean Monnet Centre of Excellence ‘Consumers and SMEs in the Digital Single Market (Digi-ConSME)’, dirigido pelo Professor Federico Ferretti, da Unidade de Bolonha.

Nos dias 2 a 4 de fevereiro de 2023, realizou-se o evento de encerramento do projeto, no qual participaram, além dos investigadores que contribuíram para as atividades do Centro, representantes das instituições europeias e de associações de consumidores e de pequenas e médias empresas.

O Professor Hans-Wolfgang Micklitz fez uma intervenção inicial desafiante, na qual identificou a crescente fragmentação do Direito do Consumo, por via de uma distinção cada vez maior entre consumidores, nomeadamente por meio da identificação de diferentes vulnerabilidades. Colocou, nomeadamente, a questão de saber se o conceito de pessoa jurídica, inexistente no Direito da União Europeia, está a ser preenchido por esta via.

No evento final, A.R. Lodder e eu apresentámos algumas conclusões do nosso trabalho.

Partimos de três pressupostos de base:

  1. Ninguém[1] lê os chamados “terms and conditions”, ou seja, a lista de cláusulas contratuais gerais constante de todos os sites e plataformas;
  2. O número de elementos de informações que deve ser incluído no processo de contratação pelo profissional e pela plataforma é cada vez mais abundante;
  3. É difícil para o profissional e para plataforma cumprir os deveres de informação, pois é difícil que, com tantos elementos de informação para transmitir, a informação possa ser clara e compreensível, como a lei exige.

A conclusão é a de que o sistema vigente não é bom nem para os consumidores, que não têm acesso efetivo à informação, nem para as empresas, que têm um encargo pesado e, na prática, impossível de cumprir, pois (quase) nenhum consumidor que use de comum diligência, adaptando a expressão constante do regime português das cláusulas contratuais gerais, toma conhecimento da informação em causa.

Coloca-se então a questão de saber se se pretende que a informação seja realmente dirigida ao consumidor concreto que está diante do profissional ou da plataforma, com vista a dela tomar conhecimento efetivo.

Temos de concluir que não, tendo em conta os três pressupostos enunciados. Os interesses dos consumidores podem ser indiretamente protegidos se considerarmos que em muitos casos o objetivo é, por um lado, obrigar o profissional a pensar sobre os assuntos em causa e ter de assumir por escrito a perspetiva adotada e, por outro lado, permitir o controlo por parte das entidades fiscalizadoras e reguladoras e o private enforcement, através de ações coletivas.

Torna-se então necessário distinguir entre elementos de informação que

  • têm de ser apresentados ao consumidor em destaque e no momento específico em que a questão se coloca; e
  • outros que podem sê-lo apenas nos chamados “terms and conditions”.

Garante-se, relativamente a estes últimos, (i) que a empresa tem uma política sobre o tema em causa, (ii) que ficam disponíveis para qualquer consumidor interessado, sendo que a maioria dos consumidores não está interessada, e (iii) que podem ser fiscalizados pelas entidades de supervisão e por associações de consumidores.

Por exemplo, no Digital Services Act (Regulamento dos Serviços Digitais), os novos elementos de informação relacionados com moderação de conteúdos (art. 14.º) e rastreabilidade dos profissionais (art. 30.º) estão no segundo grupo, enquanto parte dos relativos a publicidade (art. 26.º) e sistemas de recomendação (art. 27.º) estão no primeiro. Ficam aqui algumas ideias para reflexão e discussão. Embora o tema esteja longe de ser novo, parece não haver, em especial da parte das instituições europeias, vontade de fazer as mudanças necessárias para ajustar o direito à realidade.


[1] Digamos “quase ninguém”, por precaução (científica). Desde logo, leem os juristas que elaboram as cláusulas e os que pretendem, em caso de litígio, colocá-las em causa.

Reabrir a controvérsia das loot boxes nos videojogos

Doutrina

No passado dia 31 de maio, a Forbrukerrådet (Conselho de Consumidores Norueguês)[1] publicou o relatório “INSERT COIN: How the gaming industry exploits consumers using loot boxes”, de 59 páginas, detalhando a prática comercial das Loot boxes em videojogos, os diversos problemas que estas levantam, em termos de proteção dos consumidores, a legislação aplicável e a necessidade de mais (e melhor) regulação. Em coordenação com a publicação deste relatório, 20 associações de proteção dos consumidores de 18 estados europeus juntaram-se em apelos às autoridades para implementar reformas na legislação e na fiscalização destas práticas. Portugal foi um deles, tendo-se a DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor juntado a este consórcio.

As loot boxes são uma prática comercial utilizada em diversos videojogos, desde os gratuitos (free-to-play) aos pagos, que consiste, tipicamente, em cobrar aos utilizadores um valor (em moeda corrente ou em moedas virtuais), para desbloquearem “caixas” ou “carteirinhas” virtuais, de forma a obterem um prémio aleatório, que consiste numa recompensa (em conteúdo digital) do videojogo em questão. Os prémios aleatórios destas caixas podem variar muito, desde conteúdos para a simples personalização das personagens (as chamadas skins), apenas com valor cosmético e sem impacto na jogabilidade, até a personagens, equipamentos, figuras ou outros itens que concedem vantagens substanciais a quem as adquire. Estes itens virtuais podem, também, frequentemente ser transacionados, doados, trocados e vendidos entre os utilizadores, o que permite o surgimento (lícito ou ilícito) de mercados secundários, verdadeiras economias paralelas que incentivam a procura pelas loot boxes.

Estima-se que a venda de loot boxes em 2020 tenha resultado em receitas mundiais de 15 mil milhões de dólares para a indústria dos videojogos, com destaque para videojogos como o FIFA21, da EA, e o Fortnite, da Epic Games.

Controvérsias com loot boxes já não são uma novidade em 2022. É necessário destacar que, entre 2017 e 2018, depois de uma série de polémicas com o lançamento dos videojogos Star Wars Battlefront II e FIFA18, comparando a funcionalidade a casinos online predatórios para jovens, as Comissões de Jogos de Fortuna e Azar dos Países Baixos (Netherlands Gaming Authority) e da Bélgica (Belgium Gaming Commission) lançaram investigações a estas práticas para compreender se estas violavam as leis de jogo online nestes Estados, o que se veio a verificar. A generalidade das empresas passou a bloquear estas funcionalidades nestes Estados, mantendo-se a prática nos restantes. Aproveita-se as diferenças entre a definição legal de gambling nos vários ordenamentos jurídicos.

Este novo relatório e a ação concertada das associações de defesa dos consumidores visam reabrir esta temática, num ângulo pouco explorado até agora: o do Direito do Consumo. Desta forma, o relatório dá destaque:

  1. ao carácter agressivo da publicidade, pop-ups e notificações constantes dentro e fora dos jogos;
  2. à exploração de vulnerabilidades dos utilizadores com recurso a técnicas de design enganador e dissimulado – deceptive design, manipulative design e dark patterns;
  3. a critérios enganadores de transparência sobre as probabilidades de os utilizadores vencerem prémios;
  4. à utilização de algoritmos opacos que modificam e dissimulam resultados e probabilidades;
  5. à utilização de moedas virtuais (in-game currencies) próprias de cada jogo e plataforma para mascarar o custo real monetário da compra das loot boxes;
  6. às técnicas de design dos jogos destinadas a incentivar os jogadores a adquirirem loot boxes, com recurso a estímulos e castigos;
  7. ao verdadeiro custo real de modelos de negócio free-to-play ou freemium, que na verdade são bastante caros para os utilizadores;
  8. ao risco de perda dos conteúdos digitais a qualquer momento, fruto de cláusulas contratuais inseridas nos End-User License Agreements (EULA);
  9. à venda de loot boxes especialmente direcionada a menores.

O relatório utiliza dois case studies (FIFA22 e Raid: Shadow Legends) para exemplificar as principais práticas da indústria, passando de seguida para um curto enquadramento jurídico, incluindo a legislação aplicável aos contratos de jogo de fortuna e azar na modalidade de jogo online e o Direito do Consumo Europeu (e dos Estados Unidos da América).

No Direito do Consumo Europeu, a Forbrukerrådet focou a sua análise quanto à aplicabilidade, em primeiro lugar, da Diretiva das Cláusulas Contratuais Abusivas (Diretiva 93/13/CEE[JCO31] , transposta no DL n.º 446/85, de 25 de outubro) em especial às cláusulas que conferem unilateralmente um vasto leque de poderes aos prestadores de serviços para modificar funcionalidades dos conteúdos ligados às loot boxes, o funcionamento das mesmas e a possibilidade de apagarem os bens virtuais das contas dos utilizadores sem justificação e sem direito a reembolso.

Defende-se ainda a aplicação da Diretiva das Práticas Comerciais Desleais (Diretiva 2005/29/CE, transposta pelo DL n.º 57/2008, de 26 de março) quanto ao carácter enganador e agressivo comum a vários sistemas de loot boxes (artigos 8.º e 9.º), desde o timing das ofertas comerciais durante o jogo, a pressão colocada sobre os utilizadores, a opacidade da informação sobre os prémios, e o facto de frequentemente serem direcionadas a consumidores vulneráveis, nomeadamente as crianças e jovens.

Considera-se também aplicável a Diretiva dos Direitos dos Consumidores (Diretiva 2011/83/UE, transposta pelo DL n.º 24/2014, de 14 de fevereiro) quanto ao incumprimento dos requisitos de informações contratuais, nomeadamente certas informações como a probabilidade real dos prémios[2] das loot boxes essenciais para a decisão dos consumidores de comprarem ou não (artigo 6.º-1). A Comissão Europeia referiu este ponto nas suas Guidelines do final de 2021 para a interpretação e aplicação da Diretiva das Práticas Comerciais Desleais (Comunicação C/2021/9320), no artigo 7.º-4, afirmando que na venda de loot boxes devem ser cumpridos os deveres de informação de ambas as diretivas, quanto ao preço e as principais características (como as probabilidades).

A proposta de Regulamento para a Inteligência Artificial também foi abordada, mas apenas de passagem, quanto à opacidade e impacto negativo nos utilizadores dos algoritmos utilizados em videojogos.

De notar que o relatório não refere a Diretiva dos conteúdos e serviços digitais, quanto às normas relativas às modificações dos conteúdos digitais pelo profissional e o exercício dos direitos dos consumidores (como os efeitos da resolução do contrato).

Atendendo que a Comissão Europeia começou em março deste ano um “Fitness Check[JCO32] ” às três diretivas indicadas no relatório, com vista à preparação de propostas de revisão das mesmas até 2024, este relatório pretende reabrir a discussão sobre as loot boxes e promover alterações legislativas que tenham em conta os principais problemas regulatórios desta prática comercial.

Assim, o relatório termina com uma série de recomendações para a regulação das loot boxes:

  1. Proibição de práticas enganosas e dissimuladas pelas empresas de videojogos;
  2. Os preços nas lojas in-game devem estar indicados em moeda corrente (pelo menos com igual destaque em comparação com o preço em moedas virtuais);
  3. Videojogos direcionados a menores não devem ter loot boxes, nem funcionalidades “pay-to-win”, em que, sendo o jogo grátis, haja a possibilidade de serem conferidas vantagens substanciais ao utilizador pelo pagamento de quantias monetárias;
  4. Mais transparência no funcionamento dos algoritmos, devendo o consumidor ser expressamente informado quando for sujeito a decisões automatizadas que possam afetar o seu comportamento;
  5. Reforçar a atuação e cooperação das autoridades administrativas e entidades reguladoras no setor dos videojogos, para garantir a cumprimento da lei pelos profissionais e a proteção adequada dos consumidores;
  6. E finalmente, caso estes “remédios” não surtam o efeito de mitigar os problemas causados pela utilização desta prática comercial, esta deverá ser proibida.

Tal como em muitos outros ordenamentos jurídicos, em Portugal, a indústria dos videojogos e a suas práticas têm passado muito despercebidas[3] ao enforcement do Direito de Consumo. Esperemos que a participação da DECO neste consórcio e a cobertura mediática deste assunto possam resultar em ações concretas, especialmente se atendermos ao facto que o Decreto-Lei n.º 119-G/2021, de 10 de dezembro, apenas transpôs parcialmente a Diretiva 2019/2161 (Diretiva Omnibus), existindo assim uma janela de oportunidade para inserir reformas nos diplomas nacionais, acompanhando a transposição das medidas em falta.


[1] Organização de defesa dos direitos dos consumidores noruegueses, sob a alçada da Autoridade do Consumidor Norueguês, autoridade administrativa semelhante a uma entidade reguladora independente em Portugal.

[2] A Autoridade da Concorrência Italiana (AGCM), com competência para o enforcement da Diretiva da Práticas Comerciais Desleais, conseguiu impor este requisito de transparência às empresas de videojogos em Itália.

[3] Em 2018, Teresa Monteiro, vice-presidente do Turismo Portugal, assinou uma declaração conjunta de reguladores sobre loot boxes em videojogos. Também em 2018, o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos participou num encontro de reguladores em Birmingham sobre o mesmo tema. Além destas notícias, não se conhecem mais ações dos reguladores portugueses.


Conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência

Legislação

A lei portuguesa é bastante protetora do aderente em contratos celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais, em especial no que respeita à inclusão dessas cláusulas em contratos singulares, ou seja, nos contratos efetivamente celebrados entre aderente e predisponente. Na prática, uma aplicação rigorosa e séria, quer das normas aplicáveis, quer dos princípios cujo respeito estas visam garantir leva a excluir dos contratos, por vício de comunicação e/ou de esclarecimento, a maioria das cláusulas contratuais gerais que os predisponentes neles pretendem incluir.

Ao nível da comunicação, o critério é simples e bastante claro. Perante uma cláusula contratual geral supostamente incluída num contrato, é necessário perguntar se uma pessoa que “use de comum diligência” teria tomado “conhecimento completo e efetivo” da cláusula (art. 5.º-2 do DL 446/85). Se a resposta for positiva, a cláusula poderá estar incluída no contrato (será ainda necessário que passe pelo crivo do esclarecimento). Se a resposta for negativa, ou seja, se uma pessoa com diligência comum não teria tomado conhecimento completo e efetivo da cláusula, a consequência é a sua exclusão do contrato celebrado.

Ao longo dos últimos anos, perguntei várias vezes a turmas com dezenas e até por vezes centenas de estudantes quem é que já tinha lido as cláusulas apresentadas numa atualização de software. Ou num contrato celebrado online antes de descarregar uma aplicação digital. Até hoje ninguém me disse já ter lido, pelo menos por uma vez, os longos clausulados apresentados neste contexto[1]. E em todos estes casos se afirma, para poder passar ao passo seguinte, ter lido (e por vezes até compreendido) as cláusulas em causa[2]. Certamente já por mim passaram alguns estudantes pouco diligentes. Tão certo é que também os tive muito diligentes. E muitos, como eu, medianamente diligentes.

O critério é simples e claro, sendo-o também a consequência. Nenhuma dessas cláusulas integra o contrato celebrado (art. 8.º-a) do DL 446/85). E não integra o contrato por imperativo de justiça. Nem se pode dizer que a cláusula é imposta por uma das partes à outra, pois para impor alguma coisa a alguém é necessário que exista a consciência por parte desse alguém de que alguma coisa lhe é imposta.

Num estudo recente da Comissão Europeia sobre as atitudes dos consumidores face às cláusulas apresentadas pelos profissionais [Study on consumers’ attitudes towards Terms and Conditions (T&Cs)], parte-se do princípio de que os consumidores não as leem. Apresenta-se aí uma solução para as empresas: encurtar e simplificar os clausulados.

No Ac. do STJ, de 3/10/2017, estava em causa a cláusula n.º 207 do contrato de seguro celebrado entre as partes, que limita ou afasta a responsabilidade da seguradora em determinados casos, tendo o tribunal concluído que foi feita a comunicação ao aderente do teor integral das cláusulas contratuais, defendendo que o comportamento do aderente foi negligente ou pouco diligente[3]. Só a circunstância de estarmos a falar da cláusula n.º 207 é suficiente para concluirmos que um aderente que usasse de comum diligência, tendo em conta os hábitos e o grau de cultura dos portugueses, não teria dela tomado conhecimento. Uma cláusula com esta relevância teria de ser apresentada de forma destacada e não incluída no meio de centenas de cláusulas. O Direito está longe da realidade e do seu objetivo de prossecução da justiça se permitir que centenas de cláusulas possam ser incluídas unilateralmente num contrato de consumo, ficcionando-se que alguma pessoa, com a exceção do advogado que as redigiu, as venha um dia a ler. Felizmente, a lei não o permite. Falta garantir que a lei é aplicada de forma rigorosa e séria. São incluídas no contrato apenas as cláusulas de que um aderente comummente diligente tome conhecimento completo e efetivo.


[1] Larry Magid (“It Pays To Read License Agreements”) refere um caso em que foi incluída, num clausulado extenso na Internet, uma cláusula que determinava que, quem a lesse, tinha direito a uma compensação financeira; só depois de quatro meses e três mil downloads é que alguém reclamou a compensação, tendo-lhe sido atribuídos $ 1000.

[2] Uma cláusula com este conteúdo (indicação de tomada de conhecimento) será, em regra, nula, nos termos dos arts. 19.º-d) e 21.º-e) do DL 446/85.

[3] Refere-se, a propósito, a letra da canção Uma Alma Caridosa, de Jorge Palma: “Fui à última instância, enchi-me de brio / li a Constituição toda de fio a pavio / havia um artigo que lido com atenção / era como nos seguros: a gente nunca tem razão”.

Carlos Ferreira de Almeida e o Direito do Consumo

Recensão

Não tive a honra de ser aluno do Professor Carlos Ferreira de Almeida nem sequer de o conhecer pessoalmente. Sei, porém, que o seu desaparecimento, no início de fevereiro último, marcou, de modo indelével, uma plêiade de juristas (e não juristas) que tiveram o privilégio de conviver e beber da inteligência e sabedoria do Professor e, como tal, guardam uma imensa saudade do insigne Mestre.

Em particular, colegas e estudantes da NOVA School of Law conservam uma dívida de gratidão para com o Professor Carlos Ferreira de Almeida por, ao lado de Diogo Freitas do Amaral, ter contribuído decisivamente para a criação desta Faculdade de Direito, integrando a sua Comissão Instaladora, no âmbito da qual assumiu um papel crucial na criação do seu curso de Doutoramento – então, uma novidade no cursus honorum dos académicos das Leis –, e na fundação da Unidade de Mediação e Acompanhamentos de Conflitos de Consumo (UMAC), que antecedeu ao NOVA Consumer Lab.

Como sublinhou Marcelo Rebelo de Sousa em mensagem evocativa publicada no sítio da internet da Presidência da República, a par de “diversas funções públicas de relevo” que desempenhou, o Professor Carlos Ferreira de Almeida foi um “jurista distinto”, “por todos respeitado e admirado pelas suas qualidades científicas e pedagógicas”, que, como todos os grandes cultores das Artes e das Letras, para lá da lei da morte, deixa uma “vasta e marcante obra” literária, que continuará a formar gerações de estudantes e profissionais do Direito.

Neste sentido, reportando-me à experiência pessoal, comecei a contactar com a produção científica do Professor Carlos Ferreira de Almeida no início do meu estágio de advocacia, pela mão do meu patrono, Paulo Duarte, por sorte um reconhecido estudioso e entusiasta do Direito do Consumo, que, em inúmeras ocasiões, me incitou a mergulhar na leitura e análise atentas de alguns dos principais manuais do aqui homenageado, nomeadamente os vários volumes da obra “Contratos” e a sua tese de Doutoramento “Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico”, publicada em dois volumes, que, nas palavras do meu patrono, constitui um dos maiores monumentos da ciência jurídica portuguesa, de passagem obrigatória na formação contínua de qualquer jurista luso.

Mais recentemente, graças ao contributo inestimável do Professor Jorge Morais Carvalho, tive a oportunidade de proceder à leitura integral de outras duas obras que, em diferentes estádios da afirmação do Direito do Consumo, se assumem como verdadeiros marcos incontornáveis na doutrina jurídico-consumerística, a saber: “Os Direitos dos Consumidores”, publicado em 1982, e “Direito do Consumo”, dado à estampa em 2005, ambos editados pela Almedina.

Assumidamente influenciado pelas lições do grego Simitis (“Verbraucherschutz, Schlagwort oder Rechtsprinzip?” – numa tradução livre, “Proteção do consumidor, bordão ou princípio jurídico?”) e do alemão Reich (“Markt und Recht: Theorie u. Praxis d. Wirtschaftsrechts in d. Bundesrepublik Deutschland – numa tradução livre, “Mercado e Direito: Teoria e Prática do Direito Empresarial na República Federal da Alemanha”), em 1982, Ferreira de Almeida brindou-nos com a primeira obra jurídica de fundo dedicada aos direitos dos consumidores (e não ao Direito do Consumidor, designação que sempre rejeitou, por circunscrever o tratamento das situações jurídicas de consumo a um dos conceitos subjetivos – que não o único – nelas considerados). A partir da leitura e exame desta obra, conseguimos percecionar as preocupações emergentes nos finais dos anos 70 e inícios dos anos 80, espelhadas, superlativamente, pelos textos da “Carta do Conselho da Europa sobre a Proteção do Consumidor” (Resolução n.º 543 de 17 de maio de 1973), do “Programa Preliminar da Comunidade Económica Europeia para uma política de proteção e de informação dos consumidores” (Resolução do Conselho de 14 de abril de 1975) e do “Segundo Programa da Comunidade Económica Europeia para uma Política de Proteção e de Informação dos Consumidores” (Resolução do Conselho de 19 de maio de 1981) – cláusulas abusivas em contratos-tipo; vendas agressivas; condições abusivas de crédito; vendas de bens não solicitados; responsabilidade do produtor (esta última, ainda hoje, com um regime objetivamente insatisfatório) –, bem como o catálogo de direitos fundamentais neles previstos, o qual serviu de base para a organização sistemática das matérias de direito substantivo e processual abordadas, sempre com encadeamento lógico, pelo Professor.

Numa breve afloração do conteúdo da obra ora em apreço e de entre os muitos aspetos dignos de destaque, pela sua relevância teórico-prática (aqui, considerando que o Professor nunca acreditou numa distinção rígida entre teoria e prática, seja no ensino universitário, seja na investigação científica, a qual, na sua perspetiva, sempre devia versar sobre situações reais da vida quotidiana em detrimento dos artificialismos que, amiúde, apaixonam os académicos, encerrados nas suas torres de marfim), tomamos a liberdade de enfatizar os seguintes: a exposição dos sistemas de controlo (judicial, administrativo e misto) das cláusulas abusivas integradas nos contratos-tipo, suas vantagens e deméritos, a qual reveste de extremo interesse para a análise crítica da solução normativa do art. 3.º da Lei n.º 32/2021, de 27 de maio, ainda a aguardar a necessária regulamentação; a exaltação da lesividade para o consumidor associada à prática de preços impostos verticalmente e de preços aconselhados, assim como dos limites à liberdade de fixação dos preços, nomeadamente, a sua determinabilidade objetiva, a não discriminação entre clientes (hoje, frequentemente posta em crise, com a prática de personalização de preços) e a proibição do “dumping”; a equiparação “tout court” do cumprimento defeituoso ao incumprimento contratual e o apelo à noção de desconformidade em sentido lato (por influência da Convenção de Haia de 1964 sobre a Compra e Venda e a Convenção de Viena sobre Contratos para Venda Internacional de Mercadorias de 1980) para o tratamento da venda de bens de consumo defeituosos; a consideração da assistência pós-venda satisfatória como dever integrado no normal cumprimento dos contratos de fornecimento de bens de consumo; a demonstração dos inconvenientes da aplicação “tout court” dos princípios fundamentais do processo civil à resolução de litígios de consumo, concretamente, o princípio dispositivo, o princípio da igualdade (uma “pura abstração”) e as regras gerais de repartição do ónus da prova; a preocupação em salientar a inibição dos consumidores perante a ação judicial, determinada, esta, pelas despesas com o processo, pela morosidade e pelo “calão jurídico profissional”; a preocupação em abordar e sustentar a importância de criação de estruturas especializadas para resolução dos litígios de consumo com tramitação processual simplificada (além de simplificação das provas e maior peso do princípio inquisitório), que privilegiem a definição da competência territorial em função do domicílio do consumidor e que não sirvam de instrumento ao serviço da cobrança de dívidas pelas empresas; a constatação do papel de destaque (então) conferido às associações de defesa dos consumidores (sobretudo as de estatuto pleno) na tutela coletiva dos direitos do sujeito mais débil da relação jurídica de consumo e ao nível da participação na tomada de decisões político-legislativas; a crítica à desconsideração do pequeno valor que, tipicamente, assumem as ações relativas a litígios de consumo para efeitos de assistência judiciária, já então marcada pela incapacidade de assegurar compensação adequada aos advogados envolvidos no sistema de acesso aos direito e aos tribunais; a inadmissibilidade do “dolus bonus” nos negócios jurídicos de consumo; o destaque e tratamento conferidos ao elemento relacional para caracterizar o negócio jurídico (e não apenas o contrato) de consumo (assim abarcando figuras como a proposta contratual, a oferta ao público, o negócio a favor de terceiro e a responsabilidade extracontratual); a promoção da extensão da relação de consumo aos membros do agregado familiar que vivem com o sujeito adquirente em economia comum (relevante, por exemplo, para a admissibilidade de ressarcimento de danos reclamados por pessoa diferente do titular do contrato de fornecimento de energia elétrica em caso de interrupção ilícita do serviço); a caracterização da natureza (tríplice) dos direitos dos consumidores consagrados na Lei de Defesa do Consumidor de 1981 como “direitos económicos gerais” em relação ao Estado (e que dele requerem a sua concretização como incumbências prioritárias, nos termos da alínea i) do art. 81.º da CRP), “direitos coletivos” (na promoção e tutela de interesses difusos) e direitos subjetivos (oponíveis aos profissionais, nas relações diretas com eles mantidas); e o não reconhecimento de autonomia científica ao Direito do Consumo, antes tratando-o como um tema de Direito Económico (quanto aos “direitos económicos gerais” e aos “direitos coletivos”) e de Direito Comercial e Civil (quanto aos “direitos subjetivos”).

Volvidos 23 anos, embora continuando a negar a sua autonomia científica, o Professor Carlos Ferreira de Almeida embarcou em nova deambulação pelo Direito Privado do Consumo, que veio a conquistar um merecido lugar de entre os manuais obrigatórios no estudo universitário das relações jurídico-consumerísticas. Adotando uma estrutura peculiar na exposição das matérias, diversa daquelas que, habitualmente, encontramos em manuais similares, mas que conserva, a todo o momento, uma conexão e encadeamento lógicos entre temas, é de imperiosa justiça enaltecer, em primeiro lugar, a preocupação do Professor em desenvolver, sempre que pertinentes, exercícios de Direito Comparado, seja para compreensão dos antecedentes legislativos que inspiraram os diplomas em análise, seja para retratar as soluções vigentes nos principais ordenamentos das famílias romano-germânica e anglo-saxónica.

Ademais, a par de outros méritos de que a obra é merecidamente credora, ousamos destacar: o aprumo e rigor técnico-jurídico no tratamento da figura do direito de arrependimento, sua natureza e efeitos, consoante o modelo (de eficácia suspensiva ou de eficácia resolúvel) em causa, distinguindo-a de realidades afins, particularmente, a faculdade de retratação; a preocupação em exaltar que os habitualmente identificados deveres de comunicação e de informação, consagrados nos arts. 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de outubro, se assumem, na verdade, como ónus, cujo incumprimento determina a consequência desfavorável da não inclusão, no contrato, de cláusulas contratuais (gerais); a arrumação dos padrões relevantes para a qualidade da coisa vendida, distinguindo entre requisitos objetivos e subjetivos, em termos próximos daqueles que, previsivelmente, passarão a constar do decreto-lei de transposição das Diretivas 2019/770 e 2019/771, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019, sobre certos aspetos relativos aos contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais e relativa a certos aspetos dos contratos de compra e venda de bens, respetivamente; o tratamento das mensagens publicitárias como cláusulas contratuais gerais para efeitos da sua inserção nos contratos singulares (art. 2.º do DL n.º 446/85), o que parece ter sido ignorado pelo legislador nacional aquando da adoção da já referida Lei n.º 32/2021; a caracterização da conformidade, com recurso a uma fórmula de suma eloquência, como relação deôntica entre o ser (referente) e o dever ser (referência), reconduzindo-a ao cumprimento da obrigação de entrega; e a aplicação da figura da promessa pública para caracterização da declaração ou compromisso de garantia comercial/voluntária.

Uma derradeira consideração importa dedicar ao prognóstico desenvolvido nesta segunda obra quanto ao futuro do Direito do Consumo, entre a sua autonomização e a diluição no direito comum, que suscitou em mim um interesse particular, atenta a evolução conhecida desde a elaboração da obra, nomeadamente quanto ao conceito de consumidor (predominando, aqui, a conceção estrita, pelo menos ao nível do Direito da União Europeia, em que releva o elemento subjetivo) e quanto ao caminho trilhado no sentido da harmonização legislativa máxima (ainda que com recurso a diretivas comunitárias), factores que, segundo o autor, concorrem para o progresso em caminhos opostos.

Remetendo-me à minha humilde condição de curioso por algumas das temáticas acima afloradas, que captam a atenção e alimentam a paixão dos verdadeiros cultores do Direito do Consumo, por tudo quanto expus (e muito mais havia a exaltar!), vergo-me perante a memória do Professor Carlos Ferreira do Almeida e convido todos quantos seguem o projeto NOVA Consumer Lab nas plataformas digitais a escutarem (ou voltarem a escutar) a entrevista que o insigne Mestre concedeu ao NOVA Consumer Podcast, no ano transato, a qual constitui um valioso e inspirador documento para todos os membros desta equipa.

Até sempre, Professor!

Aplicação da regra “na dúvida contra o predisponente” em contrato de seguro padronizado – um caso prático

Jurisprudência

Imagine-se o seguinte caso prático[1]:

– “A”, tomador de seguro, celebrou com “B”, seguradora, um contrato de seguro do ramo Multirriscos Habitação, titulado pela apólice n.º 008521475213, na modalidade “Domus X”, que teve o seu início em 01.06.2017 e tem por objeto o edifício e respetivo recheio do imóvel sito na Rua X, Vila Nova de Gaia, correspondendo ao edifício, na medida dos riscos assumidos por “B”, um capital seguro de € 150.000,00, e ao recheio, na medida dos riscos assumidos por “B”, um capital seguro de € 40.000,00;

– Em 28.12.2020, registaram-se ventos fortes e precipitação intensa na região onde está localizado o imóvel, associados à denominada “tempestade Ana”;

– Em consequência destas condições atmosféricas, verificaram-se os seguintes danos no objeto seguro: o telhado ficou com telhas partidas e levantadas pelo vento e rufos danificados e a empena do lado poente apresentava ardósias danificadas e deslocadas; no interior do imóvel, o teto e as paredes do quarto ficaram deteriorados devido à infiltração de água proveniente da chuva;

– Em 30.12.2020, “A” participou o sinistro a “B”, na convicção de que os factos descritos se enquadravam no âmbito da cobertura da apólice acima identificada e, dias depois, “A” fez chegar a “B” um orçamento da reparação dos danos, com o valor total de € 3.378,00, e fotografias dos mesmos;

– Em 29.03.2021, após a realização de uma peritagem ao imóvel pela empresa “C” nomeada pela seguradora, “B” enviou uma carta a “A”, a declinar a responsabilidade pelo sinistro, nos seguintes termos: «Após análise dos elementos reunidos acerca do sinistro, em que se inclui o relatório do perito, concluímos que este sinistro não aciona nenhuma das garantias da sua apólice. Segundo o que apurámos, ocorreram infiltrações na habitação segura alegadamente devido a telhas quebradas por ventos fortes. Sucede que, na data do sinistro participado e conforme consulta ao Instituto Português do Mar e da Atmosfera mais próximo, não foram registados ventos iguais ou superiores a 100 km/h. Deste modo, o evento reportado não é passível de acionar a garantia de Tempestades (…)»;

– No âmbito da cobertura “Tempestades”, prevista no ponto 13. do art. 9.º das “Condições Gerais” da apólice n.º 008521475213, consta o seguinte:

  1. Esta cobertura integra os riscos a seguir definidos:
    • a) tufões, ciclones, tornados e toda a ação direta de ventos fortes, bem como o choque de objetos arremessados ou projetados pelos mesmos desde que a sua violência destrua ou danifique instalações, objetos ou árvores num raio de 5 km, tendo como centro a localização dos bens seguros (em caso de dúvida, poderá o Segurado fazer prova, mediante documento da estação meteorológica mais próxima, que, no momento do sinistro, os ventos atingiram intensidade excecional – velocidade superior a 100 km/hora);
    • b) alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que se verifiquem conjuntamente as seguintes condições: – que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício seguro em consequência de danos causados pelos riscos referidos na alínea anterior; – que os danos se verifiquem nas 48 horas seguintes ao momento em que ocorreu a danificação ou a destruição parcial do edifício.
  2. (…)
  3. Exclusões – Para além das exclusões gerais previstas no art. 7.º destas Condições Gerais, ficam ainda excluídos do âmbito da presente cobertura as perdas ou danos:
    • a) (…)
    • b) (…)
    • c) (…)
    • d) (…)
    • e) provocados por infiltrações através de paredes e/ou tetos, humidade e/ou condensação, exceto quando se trate de danos resultantes do risco contemplado nesta cobertura.

A edição online do jornal “D” publicou, às 15h16m de 28.12.2020, uma notícia a dar conta de que, pelas 14:00h, havia registo de uma dezena de incidentes, como queda de árvores e infiltrações de água na zona do Grande Porto, devido ao mau tempo.

“A” tem direito a exigir o pagamento da quantia de € 3.378,00 por “B”?

“A” e “B” acham-se ligados por um contrato de seguro multirriscos habitação, nos termos do qual “B”, seguradora, se obrigou perante “A”, tomador do seguro, a satisfazer indemnização pelos prejuízos resultantes da verificação de determinados riscos nos objetos seguros (edifício e recheio do imóvel sito na Rua X, Vila Nova de Gaia). Estão em causa, nomeadamente, os riscos da cobertura “Tempestades” (ponto 13. do art. 9.º das “Condições Gerais”), até ao limite do capital seguro fixado nas “Condições Particulares” (arts. 49.º-1, 128.º e 138.º-1 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 72/2008 – LCS) e com dedução das franquias (quando) convencionadas (art. 49.º-3 da LCS), mediante o pagamento, pelo primeiro à segunda, de uma importância (prémio de seguro), na data da celebração do contrato (prémio inicial) e nas datas estabelecidas no contrato (prémio de anuidades subsequentes) – cf. arts. 51.º, n.º 1, 52.º e 53.º da LCS.

Para além de constituir fonte de uma relação jurídica de consumo (art. 2.º-1 da Lei n.º 24/96), o contrato em apreço, particularmente quanto às condições gerais (e especiais), foi concluído através da técnica das cláusulas contratuais gerais, pré-elaboradas pelo predisponente “B”, com vista à sua utilização generalizada numa pluralidade de contratos a celebrar, e aceites pelo aderente “A”, o qual não teve a possibilidade de as negociar, limitando-se a aceitá-las, ou, pelo menos, cujo conteúdo não pôde influenciar. Como tal, encontra-se sujeito ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85 – LCCG (art. 1.º), nomeadamente ao sistema de controlo (de inclusão e de conteúdo) aí estabelecido, integrado por normas procedimentais e materiais que determinam quais as cláusulas que se consideram e podem ser incluídas num contrato de adesão e a extensão da sua admissibilidade, o qual funciona como um mecanismo de proteção daquele que se limita a aderir ao programa contratual.

Isto posto, a interpretação da cláusula contratual (geral) prevista no ponto 13. do art. 9.º das “Condições Gerais” da apólice n.º 008521475213 obedece ao regime previsto nos arts. 10.º e 11.º da LCCG, no qual se estabelece a observância, para o efeito, da disciplina geral da interpretação do negócio jurídico, consagrada nos arts. 236.º a 238.º do Código Civil, dentro do contexto do contrato singular em que aquela cláusula se inclui (art. 10.º da LCCG). Prevê-se ainda que, tratando-se de uma cláusula ambígua, tem a mesma o sentido que lhe daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-la ou aceitá-la, quando colocado na posição de aderente real, sendo que, na dúvida, deve ser operada a exegese mais favorável ao aderente da cláusula contratual (art. 11.º-1 e 2 da LCCG).

Neste sentido, assinalo, em primeiro lugar, que a norma do n.º 1 do ponto 13. do art. 9.º das “Condições Gerais” da apólice fixa, como elemento constitutivo da responsabilidade de “B”, sob alínea a), a prova da ocorrência de «tufões, ciclones, tornados» e/ou de «ventos fortes» – neste último caso, com a prova cumulativa de que «a sua violência destrua ou danifique instalações, objetos ou árvores num raio de 5 km, tendo como centro a localização dos bens seguros»[2] – enquanto causa dos danos sofridos nos objetos seguros. E, em segundo lugar, no que tange em particular aos “ventos fortes”, seguindo de perto o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.01.2019, creio que, devidamente interpretada, a cláusula do contrato de seguro consagra dois casos autónomos de responsabilização de “B”:

– um primeiro caso, sem exigência de prova da velocidade, desde que, em face do acervo probatório disponível, resulte demonstrada a ocorrência de ventos que “por aproximação e/ou intuitiva e subjetivamente” possam ser classificados como fortes (“«grosso modo», são, ou é aceitável que possam ser, desde logo pelo senso comum e experiência da vida, aqueles que sopram a partir dos 50, 60, 70 Km/h”) – “ou, inclusive, se prove com rigor ou objetivamente”, que tais ventos atingiram uma velocidade de até 100 km/h – e, cumulativamente, se evidencie que os mesmos causaram danos na envolvência do objeto seguro, nomeadamente em instalações, objetos ou árvores num raio de 5 km, tendo como centro a localização dos bens seguros, assim se superando a dúvida determinada pela não demonstração da concreta velocidade do vento;

– uma segunda hipótese, aplicável apenas se existirem dúvidas quanto à ocorrência de ventos fortes que tenham provocado danos nas imediações do objeto seguro, valendo, aqui, um “critério/elemento de dissipação” das mesmas: tem o lesado que provar – “e, note-se que não por qualquer meio, mas antes apenas por prova taxada ou tarifada, qual seja, por documento eivado de verdade científica rigorosa, i.e., o emitido pela estação meteorológica mais próxima” – que, no momento do sinistro, os ventos atingiram intensidade excepcional – velocidade superior a 100 km/hora, facto que, se demonstrado por aquele concreto meio de prova e dada a classificação da velocidade (em termos predispostos por “B”) como “excecional”, dispensa a prova da verificação de danos ao redor do objeto seguro.

É, portanto, de rejeitar, à luz das regras interpretativas, mormente os n.ºs 1 e 2 do art. 11.º da LCCG, a adoção de uma compreensão da norma contratual do n.º 1 do ponto 13. (do art. 9.º das “Condições Gerais”) que aponte no sentido de que a responsabilidade de “B” depende, sempre e em todo o caso (e não apenas “em caso de dúvida”, como se extrai do elemento literal da norma), do cumprimento de ónus probatório por “A”, consistente na apresentação de declaração oficial emitida pelos serviços meteorológicos da estação mais próxima, da qual resulte que, no momento do sinistro, os ventos atingiram intensidade excecional (velocidade superior a 100 km/hora). De modo diverso, o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deduz da redação da aludida cláusula é que o destacado encargo probatório apenas se coloca e envolve situações de dúvida quanto à imputação, em termos de causalidade, do sinistro aos fenómenos climáticos (tufões, ciclones, tornados, ventos fortes)[3], o que não sucede neste caso.

De qualquer modo, à semelhança do que se fez no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01.06.2004, também aqui não podemos deixar de salientar que a cláusula predisposta por “B” não satisfaz a exigência imposta pelo n.º 1 do art. 36.º da LCS (“[a] apólice de seguro é redigida de modo compreensível, conciso e rigoroso”) quanto à sua redação, nem apresenta uma estrutura que prime pela inteligibilidade e clareza, sendo certo que, por aplicação das soluções normativas consagradas no art. 11.º da LCCG para os casos de ambiguidade, não pode deixar-se de assumir a exegese acima externada (em sentido mais favorável ao aderente da cláusula contratual). Impunha-se a “B”, a fim de poder sustentar o entendimento declarado na carta enviada a “A”, que elaborasse cláusula com uma redação e estrutura que exprimisse, em termos inequívocos, a imposição da exigência probatória (a impender sobre o segurado) em local apropriado (por exemplo, com a seguinte redação: “tufões, ciclones, tornados e toda a ação direta de ventos fortes com velocidade superior a 100 km/hora (…)”.

Ante o exposto, estando demonstrado que os danos no imóvel segurado se ficaram a dever à ação direta de ventos fortes, acompanhados de precipitação intensa, os quais implicaram vários incidentes na zona do Grande Porto relacionados com as condições atmosféricas adversas, está explicado por que razão ocorreu o sinistro. Por outro lado, considerando que os danos infligidos no teto e nas paredes do quarto do objeto seguro ficaram deteriorados em resultado do risco contemplado na cobertura “Tempestades”, não se encontra preenchida a exclusão prevista sob alínea e) do n.º 3 do ponto 13. do art. 9.º das “Condições Gerais”, pelo que, em suma, é de reconhecer mérito à pretensão de “A”.


[1] Inspirado no caso decidido pela Sentença do Julgado de Paz de Vila Nova de Gaia de 07.03.2016, e no caso decidido pela Sentença do CIAB, de 06.10.2020, proferida no Processo n.º 155/2020, de que fui relator.

[2] Em relação a cláusula de contrato de seguro que tomava idêntica redação, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.01.2019, mediante aplicação da regra interpretativa do n.º 2 do art. 11.º da LCCG, considerou que “nem sequer se deve entender que a exigência cumulativa desta destruição ou dano com a existência de ventos fortes, se reporte aos tufões, ciclones e tornados. Pois que estes fenómenos são de cariz extremo, os quais, só por si, fazem presumir aquela destruição”.

[3] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01.06.2004, no qual se repara, com acerto, que “[u]ma tal exigência de prova, a impor a apresentação de uma declaração oficial emitida pelos serviços meteorológicos da estação mais próxima, não pode resultar de uma mera divergência entre segurados e seguradora acerca da velocidade do vento. Com efeito, o facto de numa determinada estação a medição do vento se situar a um determinado nível não impede que noutro local (v.g., no local do sinistro) determinadas condições físicas determinem que se registem, em determinado momento, ventos de velocidade superior. De outro modo, bastaria que a seguradora rejeitasse o sinistro reclamado, deixando o segurado inteiramente dependente da obtenção de um elemento que, revelando a velocidade medida num ponto oficialmente determinado, não impediria, no entanto, a ocorrência de velocidades superiores noutro local, seja devido às especiais condições orográficas, seja à confluência de factores que tenham potenciado velocidades superiores”.

Tribunal de Justiça e a Diretiva 93/13: Cláusulas Abusivas em Contratos de Mútuo em Divisa Estrangeira

Jurisprudência

No passado mês, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) decidiu sobre os processos apensos C-776/19 a C-782/19, que trouxeram novos desenvolvimentos à interpretação da Diretiva 93/13/CEE e ao regime das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com consumidores, em particular no que toca a contratos de mútuo hipotecário em divisa estrangeira. Em causa estão contratos celebrados com o Banco BNP Paribas Personal Finance, conhecidos como “Helvet Immo”.

Concretamente, os contratos em causa incluíam as seguintes cláusulas: (i) os créditos em questão eram financiados por empréstimos subscritos em francos suíços e esses créditos eram geridos simultaneamente em francos suíços (moeda de conta) e em euros (moeda de pagamento); (ii) quanto às operações cambiais, os pagamentos relativos aos empréstimos em causa só podiam ser efetuados em euros para um reembolso em francos suíços; (iii) as operações cambiais a efetuar estavam enumeradas nos contratos de mútuo em causa nos processos principais, e em caso de incumprimento por parte do mutuário, o mutuante tinha a possibilidade de substituir unilateralmente o franco suíço pelo euro; (iv) uma vez que a amortização depende da evolução da paridade euro/franco suíço, esta seria menos rápida se a operação cambial resultasse numa quantia inferior à data do vencimento em francos suíços, e a eventual parte do capital não amortizada seria inscrita no saldo devedor. Caso contrário, o reembolso do crédito seria mais rápido; (v) se a manutenção do montante dos pagamentos em euros não permitisse regularizar a totalidade do saldo da conta sobre o período residual inicial acrescido de cinco anos, os pagamentos seriam aumentados. Se, no termo do quinto ano de prorrogação, subsistisse um saldo devedor, os pagamentos deviam continuar até ao reembolso integral; (vi) a taxa de juro fixa, inicialmente acordada, era passível de revisão de cinco em cinco anos, segundo uma fórmula predeterminada e, nessa ocasião, o mutuário podia optar pela transição para euros da moeda de conta, escolhendo quer a aplicação de uma nova taxa de juro fixa aumentada quer a aplicação de uma taxa variável.

Neste seguimento, e devido a uma evolução desfavorável das taxas de câmbio, os demandantes tiveram dificuldade em reembolsar o mútuo hipotecário. Por isso, intentaram ações judiciais onde alegaram o caráter abusivo das cláusulas dos contratos em causa, nas quais a BNP Paribas Personal Finance alega a prescrição dos pedidos, de acordo com as normas nacionais aplicáveis.

Por isso, o tribunal de reenvio francês endereçou oito questões ao TJUE. Em primeiro lugar, se a Diretiva 93/13, lida em conjugação com o princípio da efetividade, se opõe à aplicação de normas de prescrição para a declaração do caráter abusivo de uma cláusula e para eventuais restituições devidas ao abrigo dessa declaração. Em caso de resposta negativa, ou parcialmente negativa, questiona o TJUE se a Diretiva, lida em conjugação com o princípio da efetividade, se opõe à aplicação de uma jurisprudência nacional que fixa como início da contagem do prazo de prescrição a data da aceitação da proposta de empréstimo e não a data da ocorrência de dificuldades financeiras sérias. Em segundo lugar, se as cláusulas que preveem que o franco suíço é a moeda de conta e o euro a moeda de reembolso e que, como tal, imputam o risco cambial no mutuário, se incluem no objeto principal do contrato, na aceção do art. 4.º-2 da Diretiva 93/13. Por outro lado, perguntou também se a Diretiva 93/13, lida em conjugação com o princípio da efetividade, se opõe a uma jurisprudência nacional que considera cláusulas como as discutidas nos processos em causa como claras e compreensíveis. Em quarto lugar, se o ónus de prova do caráter claro e compreensível de uma cláusula incumbe ao profissional ou ao consumidor. Caso incumba ao profissional, se a Diretiva 93/13 se opõe a uma jurisprudência nacional que considera que, quando existem documentos relativos a técnicas de venda, que compete aos mutuários provar, por um lado, que foram destinatários das informações contidas nesses documentos e, por outro, que foi o banco que lhes transmitiu tais informações, ou, pelo contrário, a Diretiva exige que estes elementos constituam uma presunção de que as informações contidas nestes documentos foram transmitidas, incluindo verbalmente, aos mutuários, presunção simples que incumbe ao profissional refutar. Por último, se se pode considerar que cláusulas como as presentes nos processos em causa podem levar a um desequilíbrio significativo, dado que, por um lado, o profissional dispõe de meios superiores ao consumidor para antecipar o risco cambial e, por outro, o risco suportado pelo profissional está limitado, ao passo que o suportado pelo consumidor não o está.

Começando pela primeira e segunda questões, o Tribunal clarifica que, no caso em apreço, temos duas situações diferentes. Em primeiro lugar, temos a oposição de um prazo de prescrição a um pedido apresentado por um consumidor relativo ao caráter abusivo de cláusulas contratuais e, em segundo lugar, a oposição desse prazo para efeitos de restituição de quantias indevidamente pagas.

Assim, e no que concerne à primeira situação, o Tribunal concluiu que estes casos não podem estar sujeitos a prazos de prescrição, com base num argumento fundamental: a proteção efetiva dos direitos conferidos ao consumidor pela Diretiva 93/13 implica que o poder de invocar, a qualquer momento, o caráter abusivo de uma cláusula contratual, não pode estar sujeita a prazos de prescrição.

Já no que se refere à segunda situação (invocação do prazo de prescrição no contexto da restituição de quantias indevidamente pagas), o Tribunal optou por uma rota oposta. De facto, e recordando a sua jurisprudência anterior[1], afirmou que a Diretiva 93/13, em particular os arts. 6.º-1 e 7.º-1 não se opõem a uma regulamentação nacional que, embora preveja a imprescritibilidade da ação que vise obter a nulidade da cláusula abusiva, sujeita a ação destinada a invocar os efeitos restitutivos dessa nulidade a um prazo de prescrição. Por isso, a existência de um prazo de prescrição, no que concerne aos pedidos de caráter restitutivo, não é contrária ao princípio da efetividade, desde que a sua aplicação não torne impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela Diretiva.

Neste contexto, importa chamar à atenção para mais três notas feitas pelo Tribunal. Em primeiro lugar, este afirma que prazos de prescrição de três a cinco anos não são incompatíveis com o princípio da efetividade, desde que estabelecidos e conhecidos atempadamente pelo consumidor, permitindo-lhe preparar e recorrer a uma via judicial efetiva a fim de invocar os seus direitos. Em segundo lugar, e no que concerne ao início do prazo de prescrição, o Tribunal afirma que este só será compatível com o princípio da efetividade se o consumidor tiver tido a possibilidade de conhecer os seus direitos antes de esse prazo começar a correr ou de terminar. Por isso, o começo da contagem do prazo de prescrição na data da aceitação da proposta de mútuo não é suscetível de assegurar uma proteção efetiva ao consumidor, já que esse prazo pode expirar antes de o consumidor poder tomar conhecimento do caráter abusivo da cláusula em causa.

Passando à terceira questão, o Tribunal começa por afirmar que, num contrato de mútuo, o mutuante obriga-se, em primeiro lugar, a disponibilizar ao mutuário um determinado montante e este, por sua vez, obriga-se a reembolsar (regra geral com juros) esse montante em datas previamente determinadas. Sendo que as prestações essenciais do contrato se referem a um montante em dinheiro, estas devem fazer referência às moedas de pagamento e reembolso. Por isso, o TJUE conclui que o facto de o reembolso ter de ser feito numa determinada moeda refere-se não a uma modalidade acessória do pagamento, mas sim, em regra, à própria natureza da obrigação, sendo assim um elemento essencial do contrato de mútuo.

Não obstante, conclui igualmente que compete ao tribunal de reenvio apreciar se as cláusulas em causa, que regulam a moeda de reembolso e pretendem imputar o risco no mutuário, dizem respeito à própria natureza da obrigação. Precisa também que a existência de uma cláusula que permita ao mutuário exercer uma opção de conversão em euros não pode significar que as cláusulas relativas ao risco cambial adquirem uma natureza acessória, só por si. Na verdade, e de acordo com o TJUE, o facto de as partes poderem alterar, em certas datas, uma das cláusulas essenciais do contrato permite ao mutuário alterar as condições do seu mútuo, sem que tal tenha incidência direta na apreciação da prestação essencial do contrato.

Passando à quarta e à quinta questões, o Tribunal começa por clarificar que a exigência de transparência deve ser analisada pelo órgão jurisdicional de reenvio, à luz de todos os elementos pertinentes. Em particular, menciona que cabe a este verificar se foram comunicados ao consumidor todos os elementos suscetíveis de terem incidência no alcance do seu compromisso, nomeadamente o custo total do empréstimo. Nessa análise, deverá ter em particular atenção se as cláusulas estão escritas de forma clara e compreensível e a falta – ou presença – de informações consideradas essenciais, tendo em conta a natureza do objeto do contrato. Virando-se para o contrato em causa, o Tribunal conclui que, em contratos de mútuo em divisa estrangeira, é importante a prestação de informação por parte do profissional que vise esclarecer o consumidor relativamente ao funcionamento do mecanismo de câmbio e ao risco que lhe está associado.

Assim sendo, de modo a respeitar a exigência de transparência, as informações transmitidas pelo profissional devem permitir a um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e sensato, compreender que, em função das variações da taxa de câmbio e a evolução da paridade entre a moeda de conta e a moeda de pagamento podem acarretar consequências desfavoráveis para si. Por outro lado, deverá também compreender o risco real a que se expõe, durante toda a vigência do contrato, caso haja uma desvalorização significativa da moeda em que recebe os seus rendimentos relativamente à moeda de conta.

Virando-se para a sexta e sétima questões, o Tribunal volta a focar-se no princípio de efetividade. Contudo, aqui o ponto de discussão prende-se com a compatibilidade desse princípio com a pendência do ónus da prova do caráter claro e compreensível sob o consumidor. Nesse sentido, e como ponto introdutório, o TJUE afirma que a efetividade dos direitos conferidos pela Diretiva 93/13 não poderia ser consolidada se o consumidor estivesse obrigado a provar um facto negativo, ou seja, que o profissional não lhe forneceu todas as informações necessárias para satisfazer a exigência decorrente do art. 4.º-2 da Diretiva. Nesse seguimento, conclui que a obrigação do profissional de demonstrar o cumprimento das suas obrigações pré-contratuais e contratuais deve igualmente abranger a prova relativa à comunicação da informação contida em documentos relativos as técnicas de venda, particularmente quando a informação aí constante se mostre relevante para garantir a clareza e compreensão das cláusulas contratuais inseridas nos contratos em causa. Ademais, já que o profissional controla (ou deve controlar) os meios pelos quais os seus produtos são distribuídos, deverá também dispor de elementos de prova relativos ao facto de ter procedido a um correto cumprimento das obrigações pré-contratuais e contratuais a que está adstrito.

Chegado à oitava e última questão, o TJUE começa por recordar a sua jurisprudência[2], segundo a qual, nos contratos de mútuo em divisa estrangeira, cabe ao juiz nacional apreciar o possível incumprimento da exigência de boa-fé e, num segundo momento, a existência de um eventual desequilíbrio significativo, nos termos do art. 3.º da Diretiva 93/13. Relativamente à obrigação de boa-fé, importa ter em conta, nomeadamente, a força das posições de negociação das partes e a possibilidade de o consumidor ter sido de alguma forma incentivado a aceitar as cláusulas em causa. Assim, de modo a verificar se as cláusulas em causa dão origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, há que ter em conta as circunstâncias de que o profissional podia ter conhecimento no momento da celebração do contrato, tendo em conta a sua experiência no que se refere às variações das taxas de câmbio e aos riscos inerentes a estes contratos.

Tendo isso em atenção, o Tribunal conclui que há que considerar que existe um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes, decorrentes do contrato em causa, em detrimento do consumidor. Para o justificar, afirma que as cláusulas em causa parecem fazer recair sobre o consumidor um risco desproporcionado em relação às prestações recebidas, uma vez que a aplicação das mesmas tem como consequência obrigar o consumidor a suportar o custo da evolução das taxas de câmbio. Assim, e tendo em conta a exigência de transparência decorrente do art. 5.º da Diretiva 93/13, não se pode considerar que o profissional podia razoavelmente esperar que, negociando de forma transparente com o consumidor, este aceitaria as cláusulas na sequência de uma negociação individual. Não obstante, o TJUE reforça que a aplicação desta lógica ao caso concreto cabe, em última instância, ao órgão jurisdicional de reenvio.


[1] Acórdãos de 9 de julho de 2020, Raiffeisen Bank e BRD Groupe Société Générale, C-698/18 e C-699/18, EU:C:2020:537, n.º 58 e de 16 de julho de 2020, Caixabank e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, C-224/19 e C-259/19, EU:C:2020:578, n.º 84.

[2] Acórdão de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e o., C-186/16, EU:C:2017:703, n.º 56.

O início do(s) Caso(s) TikTok? – Cláusulas Contratuais Gerais, Bens Virtuais e Copyright

Doutrina

A Organização Europeia do Consumidor BEUC apresentou uma queixa à Comissão Europeia e à rede de autoridades de defesa do consumidor contra o TikTok, na passada terça-feira, dia 16 de Fevereiro, por várias violações de Direito do Consumo, nomeadamente quanto a cláusulas contratuais abusivas e práticas comerciais desleais. Para além da BEUC, em mais 15 Estados[1], associações de defesa dos direitos dos consumidores também apresentaram queixas às autoridades e entidades reguladoras, de forma coordenada, contra o TikTok – e não, Portugal (ainda?) não se encontra nesta lista.

O TikTok, da chinesa ByteDance, começou em 2016 como uma app que procurava inovar no modelo do Vinee do Musical.ly e tornar-se numa rede social de partilha de vídeos curtos dos utilizadores, em diferentes temáticas e interesses, com enfâse na reprodução de músicas atuais e áudio de cenas de filmes e séries populares – adquirindo para este propósito licenças junto dos right holders. Com a aquisição do Musical.ly no final de 2017 e a fusão de ambas as apps em Agosto de 2018, o TikTok conseguiu sair da bolha do mercado chinês e penetrar no mercado americano (e, por conseguinte, mundial), convertendo-se rapidamente numa das mais populares plataformas em todo o mundo, entre as várias faixas etárias – com uma estimativa de mais de 1,1 mil milhões de utilizadores mensais.

Com a extraordinária popularidade, também vieram controvérsias – desde de a app ser banida na India; executive orders do ex-presidente dos Estados Unidos para bloquear a app devido a receios de espionagem e partilha de dados pessoais com o Governo Chinês, procurando assim forçar a sua venda a uma multinacional americana; ser forçada a bloquear todos os utilizadores italianos e realizar um controlo apertado da sua idade, para a sua readmissão (devido à morte de uma menor de 13 anos); e claro, alegações relativas a invasão de privacidade e tratamento ilícito dos dados dos utilizadores, incluindo a utilização de tecnologia de reconhecimento facial, por autoridades de proteção de dados europeias.

Estas novas queixas da BEUC e das associações de proteção de consumidores vêm abrir um novo capítulo, uma nova frente de combate aos abusos do TikTok (e outras multinacionais que utilizem as mesmas técnicas), centrando as queixas no Direito do Consumo, nomeadamente quanto a práticas comerciais desleais, cláusulas contratuais gerais abusivas e falta de transparência no tratamento de dados pessoais e publicidade.

As práticas sob escrutínio incluem:

  • Publicidade oculta e enganosa, seja colocada pelo TikTok, seja pela utilização de funcionalidades que permitem que marcas usem influencers para campanhas de marketing agressivas junto dos seus fãs – especialmente direcionada a crianças e outras pessoas vulneráveis;
  • Falta de transparência nas obrigações de informação aos titulares de dados pessoais, possível ausência de base de licitude do tratamento, reutilização de dados para finalidades incompatíveis, (…) diversas possíveis violações do Regulamento Geral de Proteção de Dados.

Em paralelo com a abertura deste tema, é de destacar também o recém publicado relatório do Parlamento Europeu sobre a necessidade de “atualizar” a Diretiva das Cláusulas Contratuais Abusivas (93/13/CEE), para os serviços digitais. Este relatório aborda, entre vários temas, as cláusulas predatórias sobre o copyright do user-generated content, como a referida acima do TikTok.

É possível que estas queixas das associações de defesa dos consumidores se convertam no futuro em processos judiciais, sejam movidos pelas entidades reguladores ou como ações coletivas de indeminização dos consumidores – e que, quem sabe, cheguem ao Tribunal de Justiça, de forma a conseguir uma atualização jurisprudencial, uniforme na União Europeia, da aplicabilidade das Diretivas sobre Cláusulas Contratuais Abusivas e Práticas Comerciais Desleais a este tipo de práticas e modelos de negócio.

 

[1] Os Estados em questão: Bélgica, Chipre, República Checa, Dinamarca, França, Alemanha, Grécia, Itália, Países Baixos, Noruega, Eslováquia, Eslovênia, Suécia, Espanha e Suíça.

[2] No contexto de redes socias, este modelo de negócio aparenta ser inspirado no sistema de awards do Reddit, em que os utilizadores premeiam as publicações que gostam mais, dando-lhes maior visibilidade e notoriedade a terceiros, pelo algoritmo.

Cláusulas contratuais gerais e conceito amplo de informação – A propósito do Ac. do TRL, de 28/1/2021

Jurisprudência

Nas relações de consumo, o consumidor encontra-se, na maioria das vezes, numa posição desfavorecida face ao profissional, já que não tem oportunidade para negociar os termos do contrato, limitando-se a aceitar ou recusar a proposta. Por exemplo, quando compramos algo numa loja de uma grande superfície, ou aceitamos o preço que aí está exposto, ou simplesmente não compramos esse artigo. O mesmo sucede nos contratos de seguro: ou aceitamos o formulário, concordando com as condições, ou não fechamos negócio.

E quantas vezes não observamos, neste contexto, as chamadas “letras pequeninas”, ou, nos anúncios publicitários, aquela voz que aparece, no final, à velocidade da luz? Ou seja, aquelas informações importantes que, como na maioria das vezes são desvantajosas e podem desvirtuar o negócio se o consumidor a elas prestar muita atenção, vêm dissimuladas algures no contrato, seja num tamanho de letra mais pequeno, seja em secções cujo nome aponta para a irrelevância.

Nos termos do artigo 1.º do DL 446/85 de 25 de outubro (vulgo, Lei das Cláusulas Contratuais Gerais e, doravante, “LCCG”)[1], às cláusulas elaboradas sem prévia negociação individual, que o preponente se limita a subscrever ou aceitar, chamamos cláusulas contratuais gerais e aplicamos as regras constantes desse diploma. Nomeadamente, e para evitar estas situações em que o o aderente se vincula a certas obrigações contratuais, sem delas ter pleno conhecimento, os artigos 5.º e 6.º da LCCG impõem deveres de informação e de comunicação ao contraente mais forte. Note-se que o diploma se aplica quer a relações de consumo, quer a relações entre profissionais.

Mas, em que se materializam estes deveres? Será que basta, literalmente, informar e comunicar as cláusulas à contraparte?

Ora, é precisamente sobre a concretização destes deveres de informação e de comunicação que se debruça o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de janeiro de 2021.

No caso em foco, foi movida uma ação declarativa por A (empresa de trabalho temporário), contra B (companhia de seguros), com o objetivo de ser declarada a inexistência do direito ao pagamento da cláusula de ajustamento do prémio, no âmbito de um contrato de seguro, com fundamento na violação dos deveres de informação e comunicação impostos pelos artigos 5.º e 6.º da LCCG.

Para o efeito, alegou a Autora que nunca tomou efetivo conhecimento da referida alteração contratual, que foi comunicada através de uma ata, sendo que a cláusula problemática constava de uma pequena rúbrica denominada “Outras Declarações”.

Já a Ré, defendeu-se invocando o facto de o representante legal da Autora ser empresário de profissão, motivo pelo qual estaria familiarizado com os termos utilizados e o tipo de contrato em causa. Logo, tendo sido a alteração comunicada atempadamente, por escrito, e em língua portuguesa, havia cumprido cabalmente com os seus deveres.

Em sede de primeira instância, o Tribunal julgou a ação improcedente, dando, assim, razão aos argumentos da Ré. Porém, inconformada, a Autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação, no essencial, com os mesmos argumentos.

O Tribunal da Relação começa por esclarecer, que, não tendo a Ré logrado provar que as referidas cláusulas haviam sido negociadas, se aplica o regime da LCCG, estando adstrita aos deveres de informação e comunicação aí contidos.

Mas, no cumprimento destes deveres, diz este Acórdão que “não importa atender ao nível subjetivo, a um estado psicológico das partes, mas a um parâmetro objetivo”. Desta forma, contrariamente ao alegado pela Ré, não é relevante qual a profissão do representante legal da Autora, nem se está, ou não, familiarizado com os termos técnicos.

Assim, enquanto barómetro na apreciação do cumprimento destes deveres deve ser utilizado um outro “standard valorativo”: o padrão de razoabilidade, tal como expresso no artigo 6.º-2 da LCCG. Este será tanto mais elevado quanto mais nocivos forem as consequências da disparidade de poder para as partes.

Aliás, o princípio da razoabilidade tem ganho força no plano do direito europeu, estando, de certo modo, a ocupar o lugar da tradicional boa-fé em muitas situações. Segundo este aresto, “a razoabilidade representaria critério de valoração dos comportamentos levados a cabo pelas partes a fim de individualizar certas responsabilidades e distinguir-se-ia da boa fé porquanto inidónea a fundar novas obrigações a cargo dos sujeitos da relação obrigacional”.

É então referido que, à luz do princípio da razoabilidade, e na esteira de Paulo Lôbo,a informação deve preencher três requisitos: (i) adequação – deve ser transmitida por meios eficientes e com conteúdo adequado; (ii) suficiência – a informação deve ser suficiente e completa; (iii) veracidade – a informação deve revelar as reais componentes das cláusulas.

Com especial relevância, é ainda assinalada a existência de um conceito amplo de informar, que engloba não só o dever de informação strictu sensu (mera comunicação à contraparte do essencial do negócio), mas também o dever de conselho (orientação das melhores condutas a adotar) e o dever de advertência.

Neste caso, o dever de informação strictu sensu estava, sem dúvida, cumprido – a alteração foi comunicada por escrito, e em língua portuguesa – e não parece haver dever de conselho. Porém, considera o Tribunal que não foi cumprido o dever de advertência que é imposto a cláusulas de especial importância, como é o caso do valor dos prémios de seguro anualmente arrecadado, especialmente quando é alterada uma relação contratual com mais de 10 anos de duração.

Isto posto, e tendo o Tribunal da Relação concluído pelo incumprimento do dever de informação (na aceção ampla do conceito de informar), aplica-se ao caso o artigo 8º da LCCG, que impõe, em consequência, que a cláusula se tenha por excluída do contrato.

Concluindo, e sintetizando, este Acórdão vem, a meu ver, realçar dois aspetos muito significativos: a importância das regras de proteção dos contraentes mais fracos no plano nacional e europeu[2], e a necessidade de adotar um conceito amplo no que toca ao dever de informar. De facto, não se pode aceitar que cumprir os requisitos formais, remetendo a informação sem mais, dissimulando informações relevantes pelos meios já referidos, corresponda ao cumprimento de um dever que foi equacionado, em primeira linha, para proteger o contraente que já se encontra numa posição mais fragilizada, sob pena de frustrar totalmente a ratio legis destas normas.

[1] Resultou da transposição da Diretiva nº 93/11/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993

[2] A nível europeu – o Draft Common Frame of Reference, esboço para um futuro Código Europeu dos Contratos, no artigo 9:402 do Livro II estabelece, precisamente, o dever de informação e comunicação; e a nível nacional, no caso concreto dos contratos de seguro, o artigo 22º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro constante no Decreto-Lei 72/08 de 16 de abril, impõe um especial dever de esclarecimento; e de forma mais geral, vide a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

Cláusulas abusivas, sanções contraordenacionais e transposição da Diretiva (UE) 2019/2161

Legislação

O ano de 2021 será um ano muito exigente para o legislador nacional em matéria de direito do consumo, sendo necessário transpor até 1 de julho de 2021 a Diretiva (UE) 2019/770 (conteúdos e serviços digitais) e a Diretiva (UE) 2019/771 (venda de bens de consumo) e até 28 de novembro de 2021 a Diretiva (UE) 2019/2161 (modernização das regras da União em matéria de defesa dos consumidores).

É precisamente sobre esta última que falamos hoje, em particular sobre uma norma que esta introduz na Diretiva 93/13/CEE (cláusulas abusivas).

Trata-se do novo art. 8.º-B, que impõe aos Estados-Membros que estabeleçam sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas em caso de violação das disposições do diploma.

Concluiu-se que a consequência da nulidade das cláusulas, prevista no direito português (art. 12.º do DL 446/85), em linha com o art. 6.º-1 da Diretiva 93/13/CEE (“não vinculem o consumidor”), não é suficiente para dissuadir os profissionais de recorrer a cláusulas abusivas.

Apesar de não se referir expressamente a aplicação de coimas, o cumprimento do art. 8.º-B pressupõe, na lógica do sistema português, a previsão de sanções contraordenacionais em caso de violação do regime das cláusulas contratuais gerais.

Com a transposição da Diretiva (EU) 2019/2161 passará, assim, a estar prevista uma sanção contraordenacional, em certas situações, se for incluída num contrato uma cláusula abusiva.

Que situações são essas?

Segundo o art. 8.º-B-2 da Diretiva 93/13/CEE, na versão de 2019, as situações em que terá de estar prevista a aplicação de sanções contraordenacionais são, no mínimo, aquelas em que as cláusulas contratuais:

  • sejam expressamente definidas como abusivas segundo o direito nacional; ou
  • em que o profissional continue a recorrer a cláusulas contratuais que tenham sido consideradas abusivas numa decisão definitiva adotada numa ação inibitória.

O primeiro ponto parece remeter para as listas de cláusulas consideradas abusivas nos termos do diploma, excluindo apenas as cláusulas abusivas segundo a cláusula geral. Incluirá também seguramente os casos em que o profissional continue a utilizar uma cláusula que já tenha sido considerada abusiva por decisão administrativa ou judicial.

O procedimento poderá ser administrativo ou judicial, admitindo-se que as autoridades administrativas possam decidir sobre o caráter abusivo das cláusulas contratuais (considerando 14 da Diretiva (EU) 2019/2161). Esta possibilidade é muito interessante, uma vez que permite uma ação eficaz e setorial com vista à prevenção e repressão da utilização de cláusulas abusivas. Deveria prever-se esta possibilidade em Portugal, permitindo, naturalmente, o controlo posterior da decisão administrativa pelos tribunais. Assim, a entidade fiscalizadora ou reguladora poderá analisar os clausulados contratuais, decidir que cláusulas são abusivas e aplicar sanções contraordenacionais.

Este controlo pode ser uma via de esperança para o efetivo cumprimento das normas aplicáveis.

Se se tratar de uma infração generalizada (que afete pelo menos os interesses dos consumidores de três Estados-Membros) ou de uma infração generalizada ao nível da União (que afete pelo menos os interesses de dois terços dos Estados-Membros, que correspondam a dois terços dos consumidores da União), sendo aplicável o art. 21.º do Regulamento (UE) 2017/2394 (cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de proteção dos consumidores), as sanções previstas a nível nacional devem prever “a possibilidade de aplicar coimas por meio de procedimentos administrativos ou de intentar uma ação judicial para aplicação de coimas, ou ambas, sendo o montante máximo dessas coimas de, pelo menos, 4% do volume de negócios anual do profissional no(s) Estado(s)-Membro(s) em causa” (art. 8.º-B-4 da Diretiva 93/13/CEE, na versão de 2019).

Um montante máximo tão elevado deverá passar a estar consagrado no direito português, embora esta imposição se limite às infrações generalizadas e às infrações generalizadas ao nível da União. Nos restantes casos, têm de estar previstas sanções contraordenacionais, mas o montante máximo pode ser mais baixo, desde que a sanção em causa seja efetiva, proporcionada e dissuasora da inserção de cláusulas abusivas em contratos singulares.

Em qualquer caso, como refere aqui Mateja Durovic (pp. 74-75), as normas europeias encorajam os Estados-Membros a prever coimas de montante elevado também a infrações que não se enquadrem naquelas categorias, ou seja, que afetem apenas consumidores de um ou dois Estados-Membros.

O grande objetivo é evitar que, para um profissional, seja melhor arriscar a previsão de uma cláusula abusiva, sendo mais benéfico para si as vantagens que daí retira do que as desvantagens associadas às sanções aplicáveis.

Publication alert: Dziubak is a Fundamentally Wrong Decision

Jurisprudência

To protect consumers against unfair terms, Article 6(1) Unfair Contract Terms Directive (UCTD) makes unfair terms inapplicable. For example: the contract includes an unfair penalty clause for early termination? The consumer does not have to pay anything for early termination. Kásler and Káslerné Rábai carved an exception to this rule: national judges can substitute unfair terms when not doing so would have excessively negative consequences for the consumer.

In Dziubak, the Court of Justice of the European Union (hereinafter, “the Court”) was asked to develop this exception further. In a recent publication in the European Review of Contract Law, I explain that the Court – with all due respect – got it fundamentally wrong. This blogpost summarizes the main mistakes in this decision.

What is ultimately at stake in Dziubak is nothing less than the level of protection enjoyed by consumers under EU law and the institutional autonomy of Member States. The Court restricted both legal values with surprisingly poor reasoning. Two of the questions asked by the national judge deserve particular attention. First, to what extent Article 6(1) allows the judge to change “the form of the legal relationship”. Second, whether one could rely on “national provisions not of supplementary law but of a general nature”.

In essence, the answers to these two questions are fundamentally wrong because they: 1) misquote both the directive and a relevant precedent; 2) rely on party autonomy in an asymmetric relation; 3) fail to consider basic EU law principles such as sincere cooperation and effectiveness, but also the institutional autonomy that directives grant to the Member States; 4) finally, the Court ignores the pertinent submission of the professional about the content of national law. Let us consider these points in turn.

1) The Court misquotes the UCTD in holding that the only provisions of national law that can be presumed to be fair are those that “have been subject to a specific assessment by the legislature”. Actually, the relevant provision and recital of the UCTD mention the “provisions or principles of international conventions” as well as the “provisions of the Member States which directly or indirectly determine the terms of consumer contracts”. Do you have a specific assessment by the legislature of a principle of international conventions or of provisions that indirectly determine the terms of contracts? Not necessarily, if at all.

Moreover, the Court cites Dunai to hold that the specific term under consideration in Dziubak belongs to the main subject matter of the contract. The problem is that Andriciuc had explained exactly why this is not the case! Long story short, the Court quoted the wrong paragraph of Andriciuc (43 instead of 40) in past decisions. This error led to an obvious mistake in Dziubak.

2) EU consumer law is premised on the existence of an imbalance in the relationship between consumers and professionals. The asymmetrical character of the relationship justifies suspicion over the fairness of the exchange. It is thus perplexing that both the Advocate General and the Court show preoccupation for an “intervention capable of altering the balance of interests sought by the parties and excessively encroaching on contractual autonomy”.

3) On multiple occasions, the Court has invoked the need to ensure the effectiveness of consumer rights to limit the institutional autonomy of Member States. The most famous example of this trend is the ex officio doctrine – the duty of judges to review of their own motion contract terms. This move is accompanied with suspicion by some commentators, as it touches upon the procedural autonomy of Member States. It is thus perplexing that, without carefully identified grounds in EU law, the Court stepped over the institutional autonomy of Member States enshrined in directives – the choice of how to best allocate the power to protect the rights granted by directives in the national legal system.

4) Finally, the professional had pointed out that there was a provision of national law that is clear enough to be applicable even under the strict parameters given by the Court. This is the case since the provision relied upon in Kásler and Káslerné Rábai to fill the gap was obviously vaguer than the one mentioned by the professional in the present case.

For the reasons sketched here and the additional ones that you can read in the European Review of Contract Law, Dziubak is a fundamentally wrong decision and it belongs to the dustbin of history.