A alteração da Diretiva 93/13/CEE pela Diretiva 2019/2161 implica que a utilização de cláusulas abusivas passe a ser qualificada, em alguns casos, a nível interno, como uma infração administrativa. O direito europeu impõe aos Estados-Membros que prevejam consequências adicionais, além da sanção contratual relativa à nulidade das cláusulas, nomeadamente sendo aplicadas sanções contraordenacionais.
Nos termos do art. 34.º-A-1 do DL 446/85, introduzido pelo DL n.º 109-G/2021 e alterado pela Lei n.º 10/2023, “constitui contraordenação muito grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas (RJCE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, a utilização de cláusulas absolutamente proibidas nos contratos, incluindo as previstas nos artigos 18.º e 21.º”.
Assim, a inclusão num contrato singular de uma cláusula elencada numas das listas negras dos arts. 18.º e 21.º constitui sempre contraordenação, independentemente de já ter sido considerada abusiva, em concreto, por uma decisão judicial (ou arbitral).
O art. 34.º-A não se aplica, no entanto, apenas a estas cláusulas. O elemento literal da norma aponta neste sentido, ao referir que a consequência inclui essas cláusulas (“incluindo as previstas”). Se a consequência se aplicasse apenas a essas cláusulas, a formulação teria de ser outra: “(…) a utilização nos contratos das cláusulas absolutamente proibidas incluídas nos artigos 18.º e 21.º”.
Para percebermos a que outras cláusulas se pode aplicar esta consequência é necessário interpretar esta norma à luz do art. 8.º-B da Diretiva 93/13/CEE, introduzido pela Diretiva 2019/2161. Segundo o n.º 2 deste preceito, “os Estados-Membros podem restringir essas sanções às situações em que as cláusulas contratuais sejam expressamente definidas como abusivas segundo o direito nacional ou em que o profissional continue a recorrer a cláusulas contratuais que tenham sido consideradas abusivas numa decisão definitiva adotada nos termos do artigo 7.º-2”. A primeira parte dirá respeito às cláusulas absolutamente proibidas, enquanto a segundo remete para as cláusulas consideradas abusivas no âmbito de uma ação inibitória, independentemente de estar em causa uma cláusula incluída numa das listas ou ser abrangida pela cláusula geral. O considerando 14 da Diretiva 2019/2161 vai um pouco mais longe, esclarecendo que “as sanções também poderão ser impostas pelas autoridades administrativas ou pelos tribunais nacionais (…) quando o profissional utiliza uma cláusula contratual que tenha sido considerada abusiva por uma decisão definitiva com caráter vinculativo”.
O art. 34.º-A-1 do DL 446/85 deve ser interpretado neste sentido, constituindo contraordenação quer a utilização num contrato singular de uma cláusula (abusiva) incluída numa das listas negras dos arts. 18.º ou 21.º (independentemente de uma decisão judicial prévia nesse sentido) quer a utilização num contrato singular de uma cláusula considerada abusiva por uma decisão de um tribunal que tenha transitado em julgado (numa ação inibitória ou em qualquer outra ação).
A contraordenação é muito grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas (RJCE). Nos termos do art. 18.º-c), o intervalo do valor da coima é o seguinte:
– Tratando-se de pessoa singular, de € 2 000 a € 7 500;
– Tratando-se de microempresa, de € 3 000 a € 11 500;
– Tratando-se de pequena empresa, de € 8 000 a € 30 000;
– Tratando-se de média empresa, de € 16 000 a € 60 000;
– Tratando-se de grande empresa, de € 24 000 a € 90 000.
A sanção será bastante mais pesada se estiver em causa uma infração generalizada ou uma infração generalizada ao nível da União Europeia, na aceção do art. 3.º do Regulamento (UE) 2017/2394, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2017. Neste caso, o limite máximo das coimas pode corresponder a 4% do volume de negócios anual do infrator nos Estados-Membros em causa, sendo que, quando não esteja disponível informação sobre o volume de negócios anual do infrator, o limite máximo da coima é de € 2 000 000.
Na determinação da coima, devem ser tidos em conta, entre outros aspetos eventualmente previstos na legislação sectorialmente aplicável, a natureza, gravidade, dimensão e duração da infração cometida, as medidas adotadas pelo infrator para atenuar ou reparar os danos causados aos consumidores, as infrações cometidas anteriormente pelo infrator em causa, os benefícios financeiros obtidos ou os prejuízos evitados pelo infrator em virtude da infração cometida, se os dados em causa estiverem disponíveis, e, nas situações transfronteiriças, as sanções impostas ao infrator pela mesma infração noutros Estados-Membros (art. 34.º-B).
A fiscalização, a instrução do processo e a aplicação das sanções competem à entidade reguladora ou de controlo de mercado competente ou, na sua ausência, à Direção-Geral do Consumidor (art. 34.º-C).
No final de outubro deste ano, a Direção-Geral do Consumidor (DGC) emitiu uma nota de imprensa, na qual dá conta de ter detetado cláusulas absolutamente proibidas em contratos de ginásios[1]. Na sequência de uma ação de fiscalização, enquanto entidade com competência no âmbito do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, a DGC instaurou dois processos de contraordenação contra operadores económicos que gerem ginásios. Estão em causa, nomeadamente, cláusulas pelas quais estes se desresponsabilizam totalmente por quaisquer danos decorrentes da prática de atividades físicas nas suas instalações ou definem antecipadamente a compensação devida por danos resultantes da utilização de uma máquina em mau estado de funcionamento.
Trata-se, segundo julgo saber, da primeira vez que o regime é aplicado, sendo instaurados processos de contraordenação por utilização de cláusulas abusivas. Aplaude-se a decisão, uma vez que é muito importante que os profissionais percebam que o regime é efetivamente aplicado.
[1] Estes contratos levantam por vezes também problemas relativos à inserção de cláusulas, nomeadamente ao nível da comunicação e do esclarecimento ao aderente (arts. 5.º, 6.º e 8.º do DL 446/85). Não estão, no entanto, previstas sanções contraordenacionais em caso de incumprimento destas normas.