Agressividade ou Lealdade? O Dilema do Modelo “Consent or Pay”

Doutrina

Em novembro de 2023, os utilizadores europeus das redes sociais Facebook e Instagram foram confrontados com uma escolha quanto à utilização dos seus dados pessoais, para efeitos da sua utilização em publicidade comportamental pela gigante Meta. De repente, um consumidor utilizador destas redes sociais recebe uma notificação persistente, na qual a Meta informa que terá de optar entre continuar a “utilizar gratuitamente com anúncios”, ou pagar uma subscrição mensal de pelo menos € 9.99 para aceder a uma versão da rede social sem publicidade comportamental. Para a maior parte dos milhares de milhões de utilizadores esta foi uma escolha simples (e obrigatória), uma vez que não era fácil remover a notificação que bloqueava o acesso à página do utilizador na rede.

Contudo, as instituições europeias e a doutrina têm feito correr muita tinta quanto à legalidade deste modelo de negócio implementado pela Meta e comumente designado de “Consent or pay” ou “Pay or okay”. Esta novidade surgiu na sequência do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia Bundeskartellamt, no qual o Tribunal reconhece que os utilizadores têm o direito de recusar dar o seu consentimento de forma individual a operações de tratamento de dados que não sejam necessárias à execução do contrato, sem serem obrigados a abdicar da utilização do serviço digital no seu todo. Assim, é referido que o operador do serviço deve fornecer uma “alternativa equivalente não acompanhada de tais operações de tratamento de dados” e, se necessário, “mediante uma remuneração adequada” (Parágrafo 150).

Este tema está longe de estar encerrado, e encontra-se em discussão aberta à luz de vários ramos do direito da União, nomeadamente à luz do direito à proteção de dados pessoais, do direito da concorrência, e ainda do direito do consumo.

Após o lançamento do modelo de subscrição, o Bureau Européen des Unions de Consommateurs (doravante BEUC) emitiu um comunicado de imprensa expressando a sua convicção de que este modelo viola a Diretiva da Práticas Comercias Desleais, consubstanciando uma prática agressiva pelo exercício de influência indevida sobre o consumidor, e uma prática comercial enganosa por ação. Em julho de 2024, a Comissão Europeia e a CPC anunciaram o seguimento da ação e enviaram uma carta à Meta pedindo-lhe que proponha soluções até 1 de setembro de 2024 (as quais são, até ao momento, desconhecidas).

Cabe-nos aqui desenvolver o modelo “Consent or pay” pelo olhar da Diretiva das Práticas Comerciais Desleais, cingindo-se esta análise à validade dos argumentos que sustentam a agressividade desta prática.

Prática Comercial Agressiva

A Organização de Consumidores argumenta que o design da notificação consubstancia um “dark pattern”, que não possibilita que o consumidor utilizador aceda à sua página, contactos e fotos, e o pressiona a tomar uma decisão quanto ao modelo de subscrição.

De facto, uma configuração tendenciosa da interface da rede, se apresentada num contexto B2C, pode consubstanciar uma prática comercial enganosa, agressiva ou contrária à diligência profissional imposta pelo artigo 5.º da Diretiva. Tal dependerá do padrão em concreto, e se for suscetível de afetar o comportamento económico do consumidor médio (ou, tratando-se uma prática dirigida a um grupo de consumidores particularmente vulneráveis, o consumidor médio desse grupo).

No caso em análise, o argumento prende-se especificamente com a persistência da notificação da alteração do modelo de negócio, e a urgência que cria no consumidor para tomar uma decisão para poder aceder à sua conta. Ainda que este tipo de “subscrição forçada” não conste do elenco exemplificativo apresentado pela Comissão na UCPD Guidance, a verdade é que os elementos do caso concreto nos levam facilmente à conclusão de que tal prática é suscetível de distorcer o comportamento económico e transacional do consumidor médio.

Como nos indica o Acórdão Orange Polska[1] (C-628/17 [2019] ECLI:EU:C:2019:480), os Tribunais nacionais devem ter cautela ao qualificar uma prática comercial como o “exercício de influência indevida”, e na análise deste conceito as “informações prestadas antes da celebração de um contrato sobre as condições contratuais e as consequências da referida celebração são de importância fundamental para o consumidor” (para. 35).

Ora, por um lado, voltando ao nosso caso, a Meta anunciou no seu site oficial, a 30 de outubro de 2023, que iria “oferecer uma subscrição sem anúncios para os utilizadores na Europa”. Não obstante, o consumidor médio não é suficientemente diligente ao ponto de verificar este site, pelo que um email ou notificação prévia na própria interface da rede social teria mais oportunidades de retirar o elemento surpresa da notificação. É aqui que reside uma diferença factual muito relevante face ao Acórdão Orange Polska e que poderá por analogia, porventura, nortear uma decisão favorável ao BEUC.

Por outro lado, o formato binário e a persistência da notificação criam indubitavelmente uma pressão para o consumidor fazer a sua escolha de imediato, que penderá, tendencialmente, para a opção que afirma a continuação da utilização “gratuita”, mas com anúncios.

O formato e modo da notificação utilizado pela Meta é suscetível de prejudicar significativamente o período de ponderação do consumidor, nomeadamente, quanto ao impacto que cada opção tem nos seus dados pessoais e na sua carteira, levando-nos a tomar uma decisão de transação que, possivelmente, não tomaríamos em circunstâncias comerciais leais. Aliás, muitos de nós não lemos o texto até ao fim, com a pressa de verificar se tínhamos notificações novas.

Assim, a natureza da notificação, qualificável como “dark pattern”, e a persistência da mesma, intercedem a favor do argumento de que a Meta exerceu influência indevida sobre os seus utilizadores.

Ademais, não era evidente, para o consumidor médio, a opção de apagar a sua conta de utilizador ou de fazer o download dos seus dados pessoais, uma vez que tal não aparecia diretamente na notificação que bloqueava a página principal da rede.

É aqui que reside o fundamento da qualificação desta prática como “subscrição forçada”, como argumenta o BEUC.

Este elemento, por si só, justifica a invocação do Artigo 9(d) da Diretiva, consubstanciando um entrave desproporcional ao exercício pelo consumidor dos seus direitos, nomeadamente, a resolução do contrato ou troca de serviço.

Noutra perspetiva, esta é também uma clara violação do normativo do RGPD (Regime Geral de Proteção de Dados), segundo o qual retirar o consentimento deve ser tão fácil para o sujeito de dados, como dá-lo (Artigo 7(3), in fine). Esta violação de direito da proteção de dados pessoais deverá ser considerada e pesada na qualificação da prática comercial como agressiva, como o refere várias vezes a Comissão na UCPD Guidance.

Conclusão

A alteração do modelo de negócio da Meta per se não viola a Diretiva da Práticas Comerciais Desleais. A questão é mais profunda que isto, pois estão aqui essencialmente em conflito o direito fundamental à proteção dos dados pessoais (Artigo 8.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) e o direito fundamental à liberdade de empresa (Artigo 16.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) e de livre iniciativa económica (Artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa). A análise que aqui se fez reporta-se sobretudo ao modo como o modelo foi apresentado aos consumidores europeus. E, nessa medida, a ponderação geral destes argumentos leva-nos a acompanhar a posição do BEUC quanto à qualificação como prática comercial desleal agressiva. No entanto, considerando a falta de precedente, não é inteiramente evidente se os Tribunais acompanharão este juízo.


[1] O caso em questão envolvia um consumidor que solicitou um contrato de telecomunicações por via do site da empresa de telecomunicações. Durante o processo de solicitação do contrato, o consumidor teve a possibilidade de consultar os detalhes da oferta e os contratos-padrão diretamente no site da empresa. Contudo, a celebração do contrato só seria possível na presença do funcionário da empresa, tendo o consumidor de declarar que tomou conhecimento dos documentos e que aceitava o seu conteúdo. O TJUE acabou por concluir que não se tratava de uma prática comercial agressiva por influência indevida, tendo, contudo, deixado orientações para a interpretação do conceito.