Tsunami informativo, falta de leitura pelo consumidor e encargo pesado para as empresas

Doutrina

Em 2022, publiquei com A.R. Lodder, Professor da Vrije Universiteit Amsterdam (Países Baixos), o texto Online Platforms: Towards an Information Tsunami with New Requirements on Moderation, Ranking, and Traceability. Este artigo foi escrito no âmbito das atividades do Jean Monnet Centre of Excellence ‘Consumers and SMEs in the Digital Single Market (Digi-ConSME)’, dirigido pelo Professor Federico Ferretti, da Unidade de Bolonha.

Nos dias 2 a 4 de fevereiro de 2023, realizou-se o evento de encerramento do projeto, no qual participaram, além dos investigadores que contribuíram para as atividades do Centro, representantes das instituições europeias e de associações de consumidores e de pequenas e médias empresas.

O Professor Hans-Wolfgang Micklitz fez uma intervenção inicial desafiante, na qual identificou a crescente fragmentação do Direito do Consumo, por via de uma distinção cada vez maior entre consumidores, nomeadamente por meio da identificação de diferentes vulnerabilidades. Colocou, nomeadamente, a questão de saber se o conceito de pessoa jurídica, inexistente no Direito da União Europeia, está a ser preenchido por esta via.

No evento final, A.R. Lodder e eu apresentámos algumas conclusões do nosso trabalho.

Partimos de três pressupostos de base:

  1. Ninguém[1] lê os chamados “terms and conditions”, ou seja, a lista de cláusulas contratuais gerais constante de todos os sites e plataformas;
  2. O número de elementos de informações que deve ser incluído no processo de contratação pelo profissional e pela plataforma é cada vez mais abundante;
  3. É difícil para o profissional e para plataforma cumprir os deveres de informação, pois é difícil que, com tantos elementos de informação para transmitir, a informação possa ser clara e compreensível, como a lei exige.

A conclusão é a de que o sistema vigente não é bom nem para os consumidores, que não têm acesso efetivo à informação, nem para as empresas, que têm um encargo pesado e, na prática, impossível de cumprir, pois (quase) nenhum consumidor que use de comum diligência, adaptando a expressão constante do regime português das cláusulas contratuais gerais, toma conhecimento da informação em causa.

Coloca-se então a questão de saber se se pretende que a informação seja realmente dirigida ao consumidor concreto que está diante do profissional ou da plataforma, com vista a dela tomar conhecimento efetivo.

Temos de concluir que não, tendo em conta os três pressupostos enunciados. Os interesses dos consumidores podem ser indiretamente protegidos se considerarmos que em muitos casos o objetivo é, por um lado, obrigar o profissional a pensar sobre os assuntos em causa e ter de assumir por escrito a perspetiva adotada e, por outro lado, permitir o controlo por parte das entidades fiscalizadoras e reguladoras e o private enforcement, através de ações coletivas.

Torna-se então necessário distinguir entre elementos de informação que

  • têm de ser apresentados ao consumidor em destaque e no momento específico em que a questão se coloca; e
  • outros que podem sê-lo apenas nos chamados “terms and conditions”.

Garante-se, relativamente a estes últimos, (i) que a empresa tem uma política sobre o tema em causa, (ii) que ficam disponíveis para qualquer consumidor interessado, sendo que a maioria dos consumidores não está interessada, e (iii) que podem ser fiscalizados pelas entidades de supervisão e por associações de consumidores.

Por exemplo, no Digital Services Act (Regulamento dos Serviços Digitais), os novos elementos de informação relacionados com moderação de conteúdos (art. 14.º) e rastreabilidade dos profissionais (art. 30.º) estão no segundo grupo, enquanto parte dos relativos a publicidade (art. 26.º) e sistemas de recomendação (art. 27.º) estão no primeiro. Ficam aqui algumas ideias para reflexão e discussão. Embora o tema esteja longe de ser novo, parece não haver, em especial da parte das instituições europeias, vontade de fazer as mudanças necessárias para ajustar o direito à realidade.


[1] Digamos “quase ninguém”, por precaução (científica). Desde logo, leem os juristas que elaboram as cláusulas e os que pretendem, em caso de litígio, colocá-las em causa.

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