Viajar é conhecer outras culturas, outras realidades, outros hábitos, outras práticas. É perceber que, também no que respeita ao consumo, há diferenças legais e culturais relevantes.
Numa recente viagem aos EUA de férias, percebi que há algumas diferenças relevantes que me parece interessante partilhar. Num caso, as diferenças não colocam a realidade portuguesa num bom cenário, noutros o consumidor português encontra-se mais bem protegido. É importante notar que, nos EUA, existem diferenças muito significativas de Estado para Estado.
Começo pelos preços e pela sua indicação.
Na maioria das lojas de uma região da Flórida que visitei, o preço não se encontra afixado ou não é visível. Isto significa que o cliente não sabe, à partida, quanto é que tem de pagar para comprar a coisa.
Isso implica perguntar. E estar, por isso, em contacto com o representante da empresa, que assim já se apercebeu do interesse da pessoa e pode, com as técnicas que tiver, interagir, pressionar, convencer. Muitas vezes, não é apenas indicar o preço. É mostrar melhor essa e outras coisas, relevando as características que entender, que lhe parecerem melhores para que o consumidor decida comprar.
Além da omissão da indicação do preço, este, quando indicado ou transmitido, não é o preço final. Ainda é necessário acrescentar o imposto ou impostos sobre o consumo que forem aplicáveis. Assim, se um café custa dois dólares – e o café nunca custa apenas dois dólares –, o preço a pagar será sempre superior, e desconhecido sem contas incertas.
Os impostos dependem do estado, do município, da localidade, pelo que é sempre surpreendente o que nos é dito para pagar. Bem podemos querer gastar as últimas moedas que temos na carteira, bem contadas e ajustadas ao que escolhemos. No final, são mais uns cêntimos. E acabamos por sair com mais moedas do que aquelas com que entrámos.
Em restaurantes, há ainda a surpresa do serviço acrescentado ao valor da refeição. Nunca é certo o que será cobrado. Cinco por cento. Dezoito por cento. Vinte por cento. E ainda é muito apreciada uma gorjeta adicional.
Em Portugal, o cliente sabe sempre o que tem de pagar, incluindo o preço da coisa, os impostos e quaisquer outros valores incluídos no preço. O valor indicado tem de ser o valor total.
As empresas têm, assim, um custo acrescido associado à indicação do preço em cada contexto, em função das taxas aplicáveis. Num contexto, como o dos EUA, em que o imposto sobre o consumo pode variar de cidade para cidade, poderia ser realmente muito exigente obrigar a indicar o preço final em cada caso. Ainda assim, tal permitiria ao cliente tomar uma decisão mais esclarecida.
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Em sentido inverso, a água é realmente gratuita para o cliente. Pede-se água em qualquer restaurante, e vem água da torneira, fresquinha, reposta regularmente, sem qualquer custo. A não ser o custo da refeição, claro.
Bem sabemos, como aqui já se deixou escrito, que, em Portugal, o cliente também tem direito a copos de água gratuitos. No entanto, generalizou-se nos últimos tempos a prática de encher umas garrafinhas bonitas com água da torneira e cobrar por esse “serviço”. Em alguns casos, a água é apresentada como tratada, depurada, quem sabe benzida pelo Deus dos líquidos puros. Ainda que assim seja, esta parece ser apenas uma prática destinada a contornar a obrigação de fornecer copos de água gratuitos.
É certo que é uma prática relativamente sustentável, em comparação com a tradição portuguesa, uma vez que se evita a utilização de muitas garrafas de plástico. Cumpre-se um dos objetivos. Mas à custa dos direitos dos clientes.
Nos EUA, tal como aliás em muitos outros países, mesmo europeus, a prática é limpa, linear, comum. O cliente não se sente mal por pedir e beber água.
Mesmo de férias, o consumo não nos larga. E é uma boa oportunidade para pensarmos em diferentes realidades e nos aspetos positivos e negativas de outras práticas.