Gorjeta incluída na conta

Doutrina

Nos últimos anos, tem-se generalizado em alguns restaurantes, em especial os de gama mais alta, uma prática que consiste em incluir na conta um valor relativo a gorjeta, sendo em regra apresentados dois preços, um sem gorjeta e o outro com esta incluída. A percentagem é variável, situando-se em torno de 5% a 10%.

Esta prática parece-me contrária ao Direito português vigente, pelo menos nos casos em que se trate de uma relação de consumo, ou seja, o cliente não esteja a agir na qualidade de profissional na relação com o restaurante.

A análise que se segue tem como base os princípios do Direito do Consumo e a sua aplicação a esta situação concreta.

As principais questões colocam-se ao nível da transparência e da lealdade. No entanto, antes de entrar na sua análise, importa perceber as razões que estão subjacentes a esta prática.

Trata-se de uma forma de aumentar o valor pago pelo cliente, que tem como destinatários os trabalhadores dos restaurantes. Ou seja, está em causa uma prática que visa aumentar a parte variável da remuneração dos trabalhadores, relativa às gratificações dadas pelos clientes. A sua inclusão na conta poderá ter a vantagem de ser mais claro, do ponto de vista da tributação, qual o rendimento relevante. Haverá, portanto, um interesse geral subjacente a esta prática, ainda que indiretamente considerado.

Do ponto de vista do Direito do Consumo, a prática é, no entanto, muito problemática.

Desde logo, levanta problemas de transparência.

Com efeito, o consumidor não tem conhecimento, quando lhe é apresentado o menu, que, ao valor da comida e das bebidas, será aplicada, no final, uma percentagem variável, não obrigatório, na conta. Tipicamente, não é afixado qualquer cartaz com essa informação no restaurante, não constando igualmente da ementa a referência a essa percentagem nem a circunstância de esta ser posteriormente apresentada com a conta. Assim, quando está a fazer as contas quanto ao que irá gastar, o consumidor não inclui esse montante na operação.

O preço é um elemento essencial da decisão de contratar do consumidor e deve ser obrigatoriamente incluído antes de este avançar para a decisão de transação. Tal é exigido pelo art. 1.º do DL 138/90 (regime da indicação de preços), aplicável aos serviços por via do art. 10.º do mesmo diploma. Também o art. 8.º-1-c) da Lei de Defesa do Consumidor e o art. 10.º-c) do DL 57/2008 (práticas comerciais desleais) impõem a indicação do preço, incluindo taxas e impostos, e, acrescento eu, qualquer outro valor que possa ser acrescentado ao consumidor.

A indicação do preço deve incluir, parece-me, por questões de transparência, valores facultativos eventualmente apresentados ao consumidor em momento posterior. A situação é ainda mais problemática se tivermos em conta que a percentagem é variável. Em alguns restaurantes são 5%, noutras 7%, noutras 10%, por exemplo.

Acresce ao que já foi referido, em termos de transparência, o modo como a gorjeta é apresentada e a relação entre este valor e o valor total constante da conta. Muitas vezes é apresentado o valor total, sem gorjeta, em tamanho mais pequeno do que o valor total, acrescido da gorjeta, apresentado numa linha abaixo. Ou seja, o total apresentado num tamanho maior e no final é o valor com a gorjeta. Muitos consumidores leem apenas esse valor total, julgando ser esse o valor a pagar. Tal é ainda mais problemático se se tratar de um consumidor estrangeiro, que pode não saber ler em português e, por isso, não conseguir entender que o valor da gorjeta é facultativo e não tem de ser pago. Embora o problema de transparência não se circunscreva a consumidores que não leiam português, atinge estes de modo ainda mais significativo.

A não inclusão imediata da informação enviesa a decisão de contratar livre e esclarecida do consumidor. Este acaba por ser surpreendido, mais à frente, já depois de se ter vinculado irreversivelmente. Nesse momento, terá apenas uma de duas opções: (i) confrontar o empregado que o serviu com a sua decisão de não pagar o valor da gorjeta indicado; (ii) pagar esse valor. Para muitos consumidores, a primeira decisão é muito difícil de tomar.

Isto leva-nos para o segundo – e mais grave – problema associado a esta prática: a deslealdade.

Em relações de consumo, o comportamento do profissional deve ser especialmente norteado pela honestidade e pela proteção dos interesses económicos dos consumidores (v. art. 60.º da Constituição da República Portuguesa).

O já referido DL 57/2008 proíbe as práticas comerciais desleais. Temos, desde logo, a cláusula geral (art. 5.º), segundo a qual é desleal a prática desconforme à diligência profissional que leve o consumidor a tomar uma decisão de transação diferente da que tomaria se não fosse confrontado com a prática em causa.

A prática de incluir a gorjeta na conta, ainda que facultativa, parece ser contrária à diligência profissional – definida no art. 3.º-h) –, pois não corresponde à prática mais comum e honesta de mercado nem está de acordo coma boa-fé, em especial porque surpreende o consumidor, que fica numa situação de certa forma limitada, com a dupla opção referida anteriormente neste texto. É igualmente indiscutível que o comportamento do consumidor seria, em princípio, outro se soubesse que seria apresentada uma conta com a indicação de um valor adicional a pagar, ainda que este seja facultativo.

As práticas desleais distinguem-se entre práticas enganosas e agressivas.

Neste caso, parece-me que estamos perante uma prática agressiva. Nos termos do art. 11.º do DL 57/2008, há uma prática agressiva nos casos em que a liberdade do consumidor é afetada por assédio, coação ou influência indevida.

No caso em análise, não estaremos perante uma situação de coação, pois, pelo menos em regra, o consumidor não é forçado, física ou psicologicamente, a pagar a gorjeta. Em certos casos, podemos conceber que o empregado faça alguma pressão adicional, inadmissível, no sentido de informar o cliente que a sua remuneração depende em grande medida das gorjetas pagas pelos clientes. Nestes casos, poderemos estar perante situações de coação.

Parece-me que estaremos, no entanto, na generalidade dos casos, perante uma situação de influência indevida, conceito definido no art. 3.º-j).

Com efeito, o profissional utiliza uma posição de poder, que consiste na circunstância de ter servido o consumidor, estar no final da refeição, num momento em que o consumidor tem o dever de pagar, ficando por isso limitado, ainda que não fisicamente. Se não quiser pagar esse valor, o consumidor terá de o dizer ao empregado, a pessoa que o serviu e que irá receber, diretamente, esse valor. Um consumidor médio, com um nível de conhecimento e um perfil psicológico normal, tem dificuldade em confrontar a pessoa com quem interagiu com essa decisão. E isso é aproveitado pelo profissional por via dessa prática. Há, portanto, uma influência indevida sobre o consumidor, que o leva a tomar uma decisão de transação diferente da que tomaria, dando uma gorjeta que não daria ou dando uma gorjeta de valor superior àquela que daria (até tendo em conta o que é habitual no nosso país). Em Portugal, é relativamente comum não ser dado qualquer valor de gorjeta ou ser dado um valor relativamente baixo, arredondando-se o valor total à unidade de euro mais próxima ou um valor fixo em euros (um, dois ou cinco euros, por exemplo, consoante o valor total).

A prática em análise visa, claramente, aumentar o valor pago em gorjeta. E, como vimos, esse aumento resulta de uma influência indevida eficaz, pouco transparente, sendo, por isso, a prática desleal. O profissional tem uma forma muito mais transparente e leal de resolver o problema que o leva a adotar esta prática, que consiste em aplicar essa percentagem a cada um dos produtos que comercializa. Nesse caso, os preços serão maiores, mas o consumidor pode decidir de modo livre e esclarecido.

O vinho mais barato da carta

Doutrina

Em muitos restaurantes, ocorre um fenómeno estranho que consiste na rutura de stock da garrafa de vinho mais barata da carta. O cliente, ao pedir essa garrafa de vinho, é informado de que esta não se encontra disponível, tendo de escolher outra. Por vezes, essa informação é acompanhada de uma sugestão de outra garrafa de vinho, normalmente sem indicação do respetivo preço[1]. Veremos neste texto se estas práticas são lícitas, à luz dos princípios da transparência e da lealdade.

A apresentação de uma lista ou carta com a indicação da comida e das bebidas constitui uma proposta contratual apresentada pela entidade gestora do restaurante (que designaremos simplesmente por restaurante) ao cliente. O restaurante fica numa situação de sujeição e o cliente tem o direito potestativo de fazer um pedido consistente com a informação constante da carta, pedindo o que aí estiver indicado. Se o cliente pedir uma garrafa de vinho constante da carta, celebra-se então um contrato relativo a essa garrafa. Este contrato é um contrato misto, pois inclui, além da própria garrafa (objeto principal do contrato, que aponta no sentido de se tratar de um contrato essencialmente de compra e venda), o serviço associado à sua abertura e, por vezes, à colocação nos copos, o aluguer dos copos e tudo o que está subjacente à utilização do espaço (utilização das cadeiras e da mesa, música, etc.). Celebrado o contrato, o restaurante tem de fornecer a garrafa de vinho. Se se recusar a fazê-lo, haverá incumprimento da obrigação por parte do restaurante.

O restaurante pode incluir na carta a indicação de que o vinho não se encontra disponível. Pode haver um risco ou uma cruz ao lado ou por cima da garrafa de vinho em causa. Neste caso, a proposta não inclui essa garrafa de vinho, não se desencadeando os efeitos referidos no parágrafo anterior. Se não for incluída essa informação, poderá ainda considerar-se a possibilidade de uma rutura de stock. No entanto, para que o argumento da rutura de stock seja eficaz, legitimando a conduta do restaurante, é necessário que tal tenha sucedido imediatamente antes do pedido, não tendo dado tempo para, antes da disponibilização da lista, ser incluída a informação referida no início deste parágrafo.

Antes da celebração do contrato, o restaurante deve informar o consumidor sobre os bens e serviços fornecidos e o respetivo preço, nos termos do art. 8.º da Lei de Defesa do Consumidor. Essa informação pode constar da carta, mas a norma não será cumprida se, apresentada a carta, não houver indicação clara relativamente a objetos indisponíveis. Acresce que, qualquer sugestão feita oralmente pelo representante do restaurante, deve igualmente, nos termos da mesma norma, ser acompanhada da informação relativa ao preço. A omissão do preço, ainda que este conste da lista, constitui uma violação do art. 8.º da Lei de Defesa do Consumidor.

Esta prática coloca ainda em causa o princípio da lealdade. Isto porque pode ser suscetível de levar o cliente a adquirir uma garrafa de vinho mais cara do que aquela que pretendia inicialmente.

Aplica-se, então, o regime das práticas comerciais desleais (DL 57/2008).

Podemos estar perante uma omissão enganosa (arts. 9.º e 10.º), por faltar, pelo menos, uma informação essencial para a decisão de contratar do consumidor: a indicação da inexistência do bem. Como indicado anteriormente, poderá faltar igualmente outro elemento essencial: o preço da garrafa de vinho sugerida pelo restaurante.

A prática pode igualmente consubstanciar uma ação enganosa. Com efeito, nos termos do art. 8.º-e), é proibida a prática que consiste em “propor a aquisição de bens ou serviços a um determinado preço sem revelar a existência de quaisquer motivos razoáveis que o profissional possa ter para acreditar que não pode, ele próprio, fornecer ou indicar outro profissional que forneça os bens ou serviços em questão ou equivalentes, àquele preço (…)”. A alínea f) proíbe ao profissional “propor a aquisição de bens ou serviços a um determinado preço e, com a intenção de promover um bem ou serviço diferente, recusar posteriormente apresentar aos consumidores o bem ou o serviço publicitado”.

Para a aplicação destas alíneas, é necessário que a prática seja intencional, ou seja, que haja uma estratégia no sentido de levar o consumidor a, no caso, adquirir uma garrafa de vinho mais cara. A circunstância de a garrafa mais barata não estar muitas vezes disponível aponta nesse sentido, mesmo quando o menu indica que a garrafa está temporariamente indisponível, se de facto estiver excecionalmente disponível[2].

Havendo uma prática comercial desleal, o restaurante está sujeito à aplicação de sanções contraordenacionais (art. 21.º). O consumidor pode pedir o livro de reclamações para dar a conhecer a prática à ASAE.

O consumidor tem ainda direito à redução adequada do preço ou à resolução do contrato ou a exigir uma indemnização do restaurante. A resolução do contrato, após ter consumido a garrafa de vinho, parece constituir uma situação de abuso do direito. É mais equilibrada, tendo em conta a situação, a redução adequada do preço, para o preço da garrafa mais barata pedida num primeiro momento, em especial nos casos em que o consumidor não tenha sido informado adequadamente do preço da nova garrafa. O risco de ter sido feita uma sugestão de uma garrafa muito mais cara correrá, assim, por conta do restaurante, o que parece ser uma solução ajustada aos valores subjacentes ao caso.


[1] Este tema já foi discutido aqui no blog no texto “A Garrafa de Vinho mais Cara do que o Jantar”. Nesse caso, o cliente não tinha chegado a ver a lista, tenho sido sugerido pelo representante do restaurante que a refeição fosse acompanhada por um Barca Velha. Também aí se concluiu, como neste texto, que a redução adequada do preço é a solução mais equilibrada.

[2] Num contexto diferente, descreve-se a prática identificada, em Espanha, no sentido de indicar que o terminal de pagamentos se encontra avariado para forçar os consumidores a pagar com dinheiro. A circunstância de o aviso de avaria do terminal estar plastificado e apresentar sinais da passagem do tempo aponta claramente no sentido de que se trata, não de um problema temporário, em vias de resolução, mas de uma prática intencional de forçar o pagamento em notas e moedas.

Direito do Cliente a Copos de Água Gratuitos

Doutrina

Os clientes de empreendimentos turísticos, estabelecimentos de alojamento local e estabelecimentos de restauração e bebidas têm direito, desde 2021, a exigir a disponibilização gratuita de copos de água da torneira.

Este direito encontra-se previsto no art. 25.º-A-5 do DL 152-D/2017, na redação dada pela Lei 52/2021. Na versão do DL 102-D/2020, que aditou o art. 25.º-A, já se previa a disponibilização de água, mas admitia-se que esta tivesse custos, ainda que necessariamente inferiores ao da água embalada.

O regime pode ser incluído no âmbito do Direito do Consumo, tendo como objetivo claro a promoção de práticas sustentáveis e uma melhor gestão de resíduos.

O art. 25.º-A estabelece que, “nos estabelecimentos do setor HORECA, é obrigatório manter à disposição dos clientes um recipiente com água da torneira e copos não descartáveis higienizados para consumo no local, de forma gratuita”.

Vejamos a quem se aplica o diploma.

O direito é conferido a “clientes”. O regime não se aplica, portanto, apenas a consumidores. Qualquer cliente, seja ou não consumidor, tem direito à água. Exige-se, no entanto, que a pessoa seja cliente do estabelecimento. Isto significa que o direito pode apenas ser exercido por alguém que tenha, naquele momento, celebrado um contrato com o estabelecimento em causa. Se, por exemplo, alguém entrar num café e quiser apenas beber um copo de água, a norma não se aplica.

O direito pode ser exercido nos estabelecimentos do setor HORECA, o que inclui, nos termos do art. 3.º-1-iii), os empreendimentos turísticos, os estabelecimentos de alojamento local e os estabelecimentos de restauração e bebidas.

Os empreendimentos turísticos podem ser estabelecimentos hoteleiros (hotéis, aparthotéis, pousadas e hotéis rurais), aldeamentos turísticos, apartamentos turísticos, conjuntos turísticos (resorts), empreendimentos de turismo de habitação, empreendimentos de turismo no espaço rural [casas de campo (que podem ser turismo de aldeia) e agroturismo] e parques de campismo e de caravanismo (arts. 4.º e 11.º a 19.º do DL 39/2008).

Os estabelecimentos de alojamento local podem ser moradias, apartamentos, quartos ou estabelecimentos de hospedagem, incluindo hostéis (art. 3.º do DL 128/2014).

Nos termos do art. 2.º do RJACSR (Regime jurídico de acesso e exercício de atividades de comércio, serviços e restauração), considera-se estabelecimento de bebidas “o estabelecimento de serviços destinado a prestar, mediante remuneração, serviços de bebidas e cafetaria no próprio estabelecimento ou fora dele” e estabelecimento de restauração “o estabelecimento destinado a prestar, mediante remuneração, serviços de alimentação e de bebidas no próprio estabelecimento ou fora dele, não se considerando contudo estabelecimentos de restauração ou de bebidas as cantinas, os refeitórios e os bares de entidades públicas, de empresas, de estabelecimentos de ensino e de associações sem fins lucrativos, destinados a fornecer serviços de alimentação e de bebidas exclusivamente ao respetivo pessoal, alunos e associados, e seus acompanhantes, e que publicitem este condicionamento”.

Inclui-se no âmbito do regime qualquer tipo de restaurante, incluindo os que funcionam apenas em sistema de take away, cafés, pastelarias, bares ou discotecas, entre outros estabelecimentos.

A obrigação, de fonte legal, mas que pressupõe, como referimos, a existência de um contrato entre as partes, consiste em disponibilizar um recipiente com água da torneira e copos não descartáveis higienizados para consumo no local.

Podemos identificar aqui vários elementos.

A água tem de ser da torneira. O estabelecimento pode disponibilizar gratuitamente água embalada aos clientes, no exercício da sua autonomia privada, mas não pode deixar de, em simultâneo, disponibilizar a água da torneira, nos termos do regime em análise. Por razões de promoção da sustentabilidade, o cliente pode preferir a água da torneira. Naturalmente, não deve ser disponibilizada água que não seja adequada ao consumo humano. Se, em determinado momento, a água da torneira não estiver em condições de ser bebida, deixa de ser exigida a sua disponibilização. O estabelecimento deve, no entanto, fazer todos os esforços para normalizar a situação o mais rapidamente possível.

Os copos têm de ser não descartáveis e estar higienizados. Assim, o estabelecimento não pode cumprir a obrigação disponibilizando copos descartáveis, nomeadamente de utilização única, tendo de garantir o serviço de lavagem regular de copos.

O sistema deve permitir o consumo no local, não bastando que o consumidor tenha acesso à água com vista ao seu consumo fora do estabelecimento. O cliente pode beber mais do que um copo de água, mas terá de utilizar o mesmo copo. É a solução mais adequada ao objetivo de promover práticas mais sustentáveis.

Pode colocar-se igualmente a questão de saber o que significa “disponibilizar” a água, ou seja, se o estabelecimento tem de ter a água (numa garrafa) ou a própria torneira e os copos em local visível e de livre acesso pelo cliente para se servir ou se basta oferecer a possibilidade de, a pedido, fornecer a água e o copo. Em estabelecimentos de restauração e bebidas com balcão e recolha dos produtos pelo cliente antes de sentar ou de consumir, será uma boa prática permitir ao cliente que se sirva livremente. Nos estabelecimentos em que os produtos são servidos diretamente na mesa (por exemplo, a maioria dos restaurantes), deve entender-se que é suficiente trazer a água e os copos quando o cliente faz o pedido. Nestes casos, deve assinalar-se que o estabelecimento, se for pedida água, deve trazer água da torneira e não uma garrafa de água. Deve, no mínimo, perguntar ao cliente o que este prefere.

Tem-se tornado comum, em especial em restaurantes, fornecer a água em recipientes de vidro do próprio estabelecimento, dando a entender, ou dizendo-o diretamente, que se trata de água da torneira com algum tratamento, nomeadamente filtragem. Esta prática pode ser problemática, na medida em que pode confundir o cliente no que diz respeito ao direito em análise neste texto. O estabelecimento tem sempre de garantir a disponibilização gratuita de água da torneira, independentemente de fornecer água filtrada a troco de um preço.

O regime não prevê um dever de informação ao cliente, por parte do estabelecimento, o que pode ser problemático. Sem informação, o exercício do direito torna-se menos provável. Como se deixou escrito ao longo do texto, exige-se do estabelecimento, no mínimo, o esclarecimento, num pedido concreto de água por um cliente, da existência da opção prevista no diploma em análise.

Não ajuda ao esclarecimento dos consumidores uma frase que consta do relevantíssimo Guia preparado recentemente pela Direção-Geral do Consumidor e pela AHRESP com “Regras e Boas Práticas na Restauração”. Na p. 12, a propósito de “Copos de água”, pode ler-se que, “caso a disponibilização do copo de água da torneira implique um serviço por parte do estabelecimento, já poderá haver lugar a cobrança, desde que tal conste da lista de preços”. A única interpretação compatível com a lei parece ser a de que se alude aqui a serviços como a filtragem da água, mas tal prática não afasta, como já se deixou dito, a obrigatoriedade de fornecer também, a título gratuito, água da torneira (ainda que não-filtrada).

O direito previsto no regime encontra-se, tal como todos os direitos, limitado pelos princípios gerais do ordenamento jurídico, nomeadamente a boa-fé ou o fim económico e social. Haverá abuso do direito se, entre outras práticas, por exemplo, o cliente pretender beber um número excessivo de copos de água, utilizar mais do que um copo por pessoa num determinado momento ou utilizar a água para uma finalidade que não seja a de beber.