O mês de agosto está quase chegando ao fim e, paralelamente, em Portugal estamos quase a completar os 6 meses de vivência no processo de confinamento-desconfinamento-“re”confinamento já típicos da pandemia de COVID-19. Nos últimos meses, o NOVA Consumer Lab tem investido grande parte do seu tempo na análise das mudanças inerentes ao “novo normal” da realidade global, atentos aos fatos que afetam o Direito e também a estrutura do consumo. E é com base nessa realidade que hoje nos debruçamos sobre as últimas novidades da análise comportamental dos consumidores.
Há muitos anos que a antropologia e a economia dedicam-se a questionar a forma como se desenvolve o consumo, analisando suas variantes ao longo do tempo e a conscientização ou não da sociedade. Em tempos de pandemia, quarentena e COVID-19, as ciências pareciam se contradizer para entender o futuro da influência desse “novo normal” sobre o comportamento das pessoas. O que seria consumido durante a quarentena? Como consumir? E o que se esperar da economia após meses de reclusão social e isolamento?
As tendências temerárias previam um cenário catastrófico, que em muito se concretizou, e a as curvas de análise econômica pareciam passear por todo alfabeto (L, U, V e por aí vai), indicando quedas acentuadas no consumo mundial. Alguns otimistas e simpatizantes da ideia de um consumo mais consciente chegaram a vislumbrar nos período de quarentena e do pós-pandemia uma chance para a racionalização, ou até mesmo controle no consumo social. No entanto, logo fomos (re)apresentados à noção do revenge spending.
O termo revenge spending, que em português significa “consumo por vingança”, foi cunhado na década de 80 na China, relacionando-se ao comportamento pós revolução cultural e ao crescimento vertiginoso do consumo no país após a reabertura dos mercados, como uma definição para o consumo massivo e repentino depois de um período de longa privação das atividades de comprar e de ir às lojas. Em última análise, estudiosos enxergaram o termo, inclusive, como uma tendência econômica.
A lenta e mundial reabertura das lojas físicas após a quarentena trouxe o fenômeno à tona, demonstrando que, além dos recordes de crescimento no consumo pela via digital, o retalho ainda mantinha um espaço especial tanto no gosto como nos bolsos dos consumidores. Uma espécie de consumo em resposta ao período de demanda reprimida levou, no sul da China, uma butique da marca francesa Hermès a vender o equivalente a US$ 2,7 milhões no primeiro dia de reabertura, em abril, como um de seus recordes históricos de [1].
O mesmo movimento também foi revelado em diferentes boutiques de marca de renome em países como Holanda, Suíça e França.
Já em Portugal, a reabertura dos centros comerciais no início de junho deste ano também deu provas do fenômeno quando as redes sociais foram pulverizadas com as imagens das longas filas do Braga Parque para que as pessoas pudessem entrar na loja da rede Primark[2], em contraposição ao imediatamente anterior período de ruas vazias e isolamento.
Ademais, os dados divulgados pelo último relatório da SIBS Analytics[3] demonstrou ainda a recomposição dos gastos dos portugueses após completos 100 dias da pandemia, onde declara que “volvidos 100 dias desde a declaração de estado de emergência e do início reconhecido da crise sanitária em Portugal, observamos três grandes fases no comportamento de consumo dos portugueses: “Preparação” (antes do início das restrições à mobilidade), “Confinamento” (redução abrupta e significativa do consumo) e “Retorno gradual” (progressiva recuperação dos níveis de transações)”. Interessante notar que, de acordo com estes dados, que consideram apenas os números de operações em canais SIBS, o valor médio de transação realizada pelos portugueses no período pós-pandemia (1 a 25 junho) é inclusive superior em € 3,2 ao que era anteriormente, no período normal de consumo (média de janeiro e fevereiro), quando fixava-se na faixa de € 42,6.
Evidentemente, as pesquisas a longo prazo sobre consumo e economia demonstram que mesmo com esta “vingança de consumo”, é pouco provável que se compensem as vendas perdidas e a crise gerada em toda economia global que, segundo os mesmos dados acima citados, apontam para os valores de € 8 mil milhões de quebra acumulada em transações. A dinâmica futura entre mercado e consumidores não dependerá somente da demanda reprimida, nem mesmo do fenômeno da vingança pós quarentena ou da boa colocação do mundo digital, mas de toda uma rede de estímulos oferecidos tanto pelas lojas físicas, quanto virtuais, para que o consumo possa voltar a se estabelecer dentro do “novo normal”. Seguiremos atentos ao que o futuro nos reserva.
[1] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/04/13/loja-da-hermes-na-china-fatura-us-27-milhoes-em-1-dia-pos-quarentena.htm
[2] https://diariodistrito.pt/praias-desertas-e-primark-com-filas-de-perder-de-vista/
[3] https://www.sibsanalytics.com/wp-content/uploads/2020/06/20200629_Report-100-dias-COVID-19_SIBS_Analytics.pdf