O Fenómeno “Black Friday”

Doutrina

A última sexta-feira de novembro tornou-se conhecida como “Black Friday”, um dia estrategicamente situado antes da época natalícia, em que os consumidores são bombardeados com e-mails, mensagens e alertas de várias lojas, anunciando horários de início, percentagens de desconto e uma enorme variedade de produtos disponíveis a preços reduzidos.

Se na ponta do iceberg os consumidores podem ver oportunidades de poupar algum dinheiro na compra dos presentes de Natal para a sua família e amigos, ou mesmo para os próprios; na parte inferior desse iceberg podemos ter vários problemas que nem sempre são evidentes como práticas comerciais desleais, erros na apresentação de preços, marketing direto agressivo, problemas de sustentabilidade e direitos humanos.

Infelizmente, com o aquecimento global e descongelamento dos glaciares, a subida dos níveis do mar pode gerar o desgelo acelerado da parte submersa dos icebergs, o que, por sua vez, pode provocar o colapso de grandes massas de gelo superficiais, afetando os ecossistemas marinhos e contribuindo para impactos potencialmente devastadores para as zonas costeiras e para a fauna local. Paralelamente, na nossa metáfora podemos interpretar a subida dos níveis do mar como o aumento da consciencialização sobre os problemas reais que, muitas vezes, permanecem ocultos, quer por estarem submersos, quer por a nossa atenção ser repetitivamente desviada para montras e e-mails promocionais. Assim, versemo-nos sobre questões importantes que podem e devem, eventualmente, “vir à tona”.

Uma das principais questões que surgem no contexto da Black Friday são as práticas comerciais desleais, que podem comprometer os direitos dos consumidores e prejudicar a sua confiança nas ofertas. De acordo com o Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março, que regula as referidas práticas comerciais, um exemplo comum é a falsa redução de preços, em que os profissionais aumentam artificialmente o preço de um produto antes da Black Friday para, depois, oferecer um “desconto” que, na realidade, é fictício e não representa uma verdadeira vantagem comercial para os consumidores.

Outra prática frequente é a falsa urgência, em que os profissionais criam uma sensação de escassez, como por exemplo, anunciando que as promoções são válidas apenas por um período reduzido, ou que as quantidades de um determinado produto são limitadas, mesmo que isso não corresponda verdade. Essa tática leva os consumidores a tomarem decisões de compra apressadas, sem a oportunidade de avaliar adequadamente os produtos ou compará-los com outras ofertas disponíveis no mercado.

Estes tipos de comportamento são considerados desleais, nomeadamente, por explorarem a pressão emocional e a falta de tempo dos consumidores para avaliarem concientemente as ofertas comerciais que lhes são apresentadas, ao invés de proporcionar uma experiência de compra justa e transparente.

Durante a Black Friday, uma prática recorrente é o marketing direto agressivo, que leva os consumidores a serem incessantemente bombardeados com ofertas, seja por e-mail, mensagens de texto ou notificações nas redes sociais. A pressão constante para aproveitar os descontos pode comprometer o direito do consumidor de tomar decisões bem-informadas, violando assim o princípio da boa-fé contratual.

Ainda no mesmo contexto, surge também uma preocupação crescente com as questões de sustentabilidade e direitos humanos. Muitos profissionais, ao promoverem grandes descontos, não garantem que os produtos oferecidos sejam fabricados de forma ética e sustentável, podendo até envolver condições de trabalho precárias em países em desenvolvimento. O artigo 8.º da Lei n.º 24/96, de 31 de julho (Lei de Defesa do Consumidor) tem como objetivo garantir aos consumidores o direito de informação acerca das características principais dos bens que lhes são apresentados, incluindo a sua origem, para que estes mesmos consumidores possam tomar uma decisão de compra mais informada, com a devida consciência dos impactos ambientais e sociais negativos que podem estar na origem da produção de certos produtos.

Além disso, a Diretiva (UE) 2024/825 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de fevereiro de 2024, respeitante à capacitação dos consumidores para a transição ecológica através de uma melhor proteção contra práticas desleais e melhor informação, incentiva práticas de consumo que respeitem o meio ambiente e os direitos dos trabalhadores. Os profissionais devem ser transparentes quanto à origem dos seus produtos e às condições de fabrico, sendo reforçada a necessidade de durabilidade dos produtos. São ainda proibidas alegações ambientais sobre o desempenho futuro dos produtos, a menos que estejam acompanhadas de compromissos claros, objetivos, publicamente acessíveis e verificáveis, assim como publicidade que sugira benefícios para os consumidores que são manifestamente irrelevantes.

Por fim, e antes que chegue a “Cyber Monday”, é importante refletirmos sobre as consequências destas práticas comerciais, que, embora possam ser vantajosas num primeiro momento, muitas vezes escondem problemas significativos que afetam tanto os consumidores, quanto o nosso meio ambiente. Dessa forma, é fundamental que os consumidores se tornem mais conscientes e críticos das ofertas que recebem, questionando a transparência dos profissionais e prioritizando decisões mais esclarecidas.

Como disse o filósofo Henry David Thoreau, em 1854 no seu livro Walden, “um homem é rico na proporção do número de coisas que pode permitir-se deixar de lado”, pois ao adotar uma abordagem mais simples e consciente, podemos concentrar-nos no que realmente importa, evitando a armadilha do consumo excessivo e das falsas promessas que, frequentemente, encobrem a verdadeira natureza de muitas ofertas comerciais.

Web scraping e o RGPD: Como garantir uma recolha lícita de dados pessoais

Doutrina

A raspagem da web (“web scraping”) é uma prática que permite aos programadores de inteligência artificial (“IA”) recolher grandes quantidades de dados para treinar os seus modelos. Este processo automatiza a recolha de dados, através de pedidos de acesso (GET requests) feitos a Localizadores Uniformes de Recursos (Uniform Resource Locators, ou “URLs”) específicos. O web scraping é frequentemente emparelhado com ferramentas de web crawling que atualizam dinamicamente as listas de URLs a serem processados, expandindo ainda mais o âmbito da recolha de dados.

No desenvolvimento da IA, o web scraping desempenha um papel vital. A eficácia dos modelos de IA depende frequentemente da qualidade, quantidade e diversidade dos dados com que são treinados. Ao facilitar a recolha rápida e em grande escala de dados, o web scraping fornece a matéria-prima para treinar estes modelos. Contudo, a recolha de dados – que na maioria dos casos irá incluir dados pessoais – através de web scraping suscita preocupações em termos de proteção de dados. Os princípios fundamentais do Regulamento Geral de Proteção de Dados (“RGPD”) – como a minimização, transparência e licitude – opõem-se geralmente a esta forma de recolha de dados pessoais em massa. Em particular, o princípio da licitude exige que todo o tratamento de dados seja feito com base numa das bases legais consagradas no RGPD. Dada a falta de contacto direto com o titular de dados, a quantidade de dados pessoais potencialmente recolhida e o caráter ‘silencioso’ da prática, a utilização destas ferramentas tem sido considerada como contrária ao RGPD por falta de uma base legal aplicável.

Mas será mesmo assim? Será que nenhuma das bases legais do RGPD permite, em situação alguma, a utilização desta ferramenta de recolha de dados?

Artigos 6.º e 9.º do RGPD

O tratamento de dados pessoais é proibido, exceto se justificado por uma base legal constante dos arts. 6.º e 9.º do RGPD, se aplicável. O art. 6.º aplica-se a todo o tratamento de dados pessoais, enquanto o art. 9.º regula a utilização de categorias especiais de dados, como dados que revelem origem racial, opiniões religiosas, orientação sexual ou dados relativos à saúde, que exigem salvaguardas mais rigorosas.

Assim, para que o web scraping seja permitido, pelo menos uma das bases constantes dos arts. 6.º e 9.º – se necessário – deve ser aplicável. Dadas as características deste método de recolha de dados, vemos que as possibilidades estão limitadas aos interesses legítimos consagrados no art. 6.º(1)(f).

Começando pelo art. 6.º, a maioria das bases deve ser excluída, uma vez que a recolha de dados não tem, normalmente, uma interação direta com o titular de dados nem prossegue um interesse protegido pelo RGPD:

Consentimento: o web scraping geralmente não permite cumprir os requisitos para um consentimento válido, uma vez que não é informado (p. ex. os titulares de dados não sabem quem está a raspar os seus dados ou como serão utilizados), não é específico (p. ex., tornar dados pessoais acessíveis ao público não implica o consentimento para a raspagem) e não é inequívoco (p. ex., colocar os dados em linha não equivale a uma autorização explícita para a raspagem).

Execução de um contrato: O web scraping não envolve um contrato com a pessoa em causa, o que torna esta base jurídica inaplicável.

Obrigação legal ou interesse público: Estas bases exigem uma obrigação legal ou um interesse público definido por lei. Uma vez que a raspagem da Web não é legalmente exigida nem legalmente protegida, estas bases não se aplicam.

Interesses vitais: Esta base aplica-se apenas em casos de ameaças imediatas à vida ou à segurança física, que são improváveis em contextos de recolha de dados da internet. Muito embora se possa conceber a utilização de um sistema de IA para proteger os interesses vitais do titular de dados (p. ex. num contexto hospitalar), o mesmo não se aplica ao treino do modelo com base em dados pessoais recolhidos da internet.

Assim, e por exclusão de partes, a única base legal potencialmente aplicável será a relativa a interesses legítimos. Para tal, é necessário demonstrar que o tratamento de dados é necessário ao interesse prosseguido e que não se sobrepõe aos direitos e interesses dos titulares dos dados. No entanto, alcançar este equilíbrio é complexo e depende do caso concreto.

Quando a recolha de dados envolve categorias especiais de dados, aplicam-se condições mais rigorosas nos termos do art. 9.º. Dado o caráter particularmente intrusivo do tratamento destes dados pessoais e o nível de proteção consagrado pelo RGPD, nenhuma das exceções do art. 9.º(2) permite a raspagem de categorias especiais de dados:

Consentimento: o consentimento explícito exigido pelo art. 9.º é mais exigente do que o consentimento previsto no art. 6.º. Este facto torna-o impraticável para a maioria dos cenários de recolha de categorias especiais de dados da internet.

Dados pessoais manifestamente tornados públicos: esta exceção aplica-se se o titular de dados tiver intencionalmente tornado os seus dados pessoais públicos. No entanto, a sua aplicação ao web scraping apresenta dois desafios: demonstração de intencionalidade – os responsáveis pelo tratamento devem demonstrar que os dados pessoais foram deliberadamente partilhados pelo titular de dados com o objetivo de serem publicamente acessíveis – e a aplicação concomitante de uma das bases do art. 6.º, que vimos ser limitada a interesses legítimos.

As outras exceções: a maioria das exceções ao abrigo do art 9.º(2) protegem interesses que não incluem o web scraping para fins de treino de IA. Mesmo que a utilização de um sistema de IA possa ser enquadrada nas situações aí previstas (p. ex., dispositivos usados para diagnóstico médico), a própria recolha de dados para treinar o modelo não será, ou só raramente será, considerada necessária.

Assim sendo, na maioria dos casos, a recolha de categorias especiais de dados por via de web scraping para treinar modelos de IA não será permitida à luz do RGPD, por falta de uma base legal aplicável.

Interesses legítimos e web scraping

Nestes termos, vemos que a única hipótese para um tratamento de dados lícito no contexto de web scraping dependerá da aplicação do art. 6.º(1)(f) do RGPD. Contudo, a sua aplicação depende da passagem por três testes: os responsáveis pelo tratamento devem demonstrar que (i) o interesse prosseguido é legítimo, (ii) o tratamento de dados pessoais é necessário e (iii) não infringe desproporcionadamente os direitos, liberdades e interesses dos titulares de dados. A falha em qualquer uma destas fases fará com que o web scraping não se possa basear em interesses legítimos sendo, portanto, ilícito.

Identificação de um interesse legítimo

Primeiro, os responsáveis pelo tratamento devem definir um interesse específico a ser prosseguido pelo web scraping. O RGPD não fornece uma lista exaustiva de interesses legítimos, pelo que, no caso concreto, devem estar relacionados com necessidades legítimas de dados durante o ciclo de vida do modelo de IA.

Por exemplo, o treino de modelos de IA requer conjuntos de dados diversos de modo a garantir resultados de qualidade. Se a recolha de dados pessoais publicados na Internet permitir obter este conjunto diversificado de dados pessoais, então o responsável pelo tratamento poderá ter um interesse legítimo na recolha dos mesmos.

Contudo, existem limitações na escolha do interesse. Se o modelo em causa que se pretende treinar for proibido – p. ex. ao abrigo de outros Regulamentos da UE, como o Regulamento da IA – então o interesse não pode ser legítimo por ser ilícito. De igual forma, a raspagem de dados publicados na internet de forma claramente ilícita – e.g. websites de piratagem – padecem da mesma falha, na medida em que o acesso a esses dados é igualmente ilícito.

Sendo possível encontrar um interesse que seja legítimo para o web scraping durante o ciclo de vida do modelo de IA, então o primeiro teste está ultrapassado, podendo passar-se para o seguinte.

Necessidade do tratamento de dados

O teste de necessidade é o segundo passo para determinar se os interesses legítimos podem justificar a raspagem da Web. Aqui, o responsável pelo tratamento deve demonstrar:

Que não existem alternativas menos intrusivas: a recolha de dados da internet só deve ser efetuada se não existirem outros métodos que permitam atingir o mesmo objetivo.

Que o escopo da raspagem se limita ao necessário: a não existirem alternativas, que os dados recolhidos devem ser limitados ao estritamente necessário para o objetivo identificado.

Assim, numa primeira fase, os responsáveis pelo tratamento devem avaliar outros métodos para a prossecução do interesse em causa e verificar se permitem alcançar os objetivos determinados. Isto passará primeiramente por verificar se dados pessoais são necessários ou se, alternativamente, é possível alcançar o mesmo objetivo com, p. ex., dados anonimizados ou sintéticos.

Se os dados pessoais foram necessários, então uma segunda fase passará por avaliar outros métodos de recolha que permitam alcançar os mesmos fins. Por exemplo, os responsáveis pelo tratamento devem avaliar se os dados pessoais necessários podem ser obtidos sem raspagem. Se a raspagem da Web for considerada necessária por falta de métodos alternativos, o responsável pelo tratamento deve tomar medidas adicionais para garantir a estrita necessidade dos dados pessoais recolhidos. Por exemplo:

Minimização de dados: Deve definir as categorias de dados pessoais necessários e limitar a recolha de dados a essas categorias. Deve, também, limitar a conjugação de web scraping com web crawling de modo a evitar uma recolha excessiva e indiscriminada de dados pessoais. A utilizar as ferramentas em conjunto, deverá filtrar os dados pessoais obtidos e eliminar aqueles que não são necessários.

Exatidão: Validar regularmente a qualidade e a estrutura dos dados extraídos.

Limitação do armazenamento: Estabelecer períodos de retenção claros e eliminar ou tornar anónimos os dados que já não são necessários. De igual forma, deve minimizar as possibilidades de os dados pessoais serem extraídos com a utilização do modelo final.

Proporcionalidade

Sendo o web scraping necessário ao interesse prosseguido, o passo final para a aplicação do art. 6.º(1)(f) envolve a ponderação dos interesses do responsável pelo tratamento com os direitos, liberdades e interesses dos titulares dos dados. Para tal, é necessário avaliar a natureza do tratamento, o seu âmbito e o seu impacto nos indivíduos, especialmente em grupos vulneráveis como crianças.

Nestes termos, a raspagem da Web coloca dois desafios principais a este equilíbrio:

Dados sensíveis e pessoas vulneráveis: a recolha de dados particularmente sensíveis (p. ex. dados de localização ou financeiros e categorias especiais de dados) ou de dados de indivíduos vulneráveis (p. ex. menores) faz pender a balança para a desproporcionalidade do tratamento de dados. Por isso, a raspagem destes dados pessoais, relativos a estas categorias de titulares de dados, dificilmente passará o crivo da proporcionalidade, devendo ser excluída.

Falta de transparência: A raspagem da Web ocorre frequentemente sem o conhecimento dos titulares dos dados, que podem não ter conhecimento do que foi recolhido, de onde ou para que fim. Esta falta de transparência e frustração das expectativas do titular de dados faz igualmente pender a balança a favor dos interesses do titular de dados.

Para mitigar estas limitações, os responsáveis pelo tratamento devem garantir a segurança dos dados recolhidos de modo a diminuir possíveis riscos derivados do tratamento de dados e, na medida do possível, garantir que os titulares de dados são informados do tratamento.

Assim, em termos de integridade e a confidencialidade, as medidas a adotar dependerão do caso e dos riscos que o treino do modelo de IA pode levantar. De forma geral, os responsáveis pelo tratamento devem:

Avaliar os níveis de risco associados ao web scraping e ao ciclo de vida do modelo de IA, tendo em conta as fontes dos dados, as ferramentas utilizadas para os extrair e para treinar o modelo e a utilização prevista do sistema de IA.

Implementar salvaguardas como encriptação, compartimentação de dados e monitorização contínua para evitar divulgações e acessos não autorizados.

Restringir o acesso às bases de dados, manter registos de acesso e supervisionar a partilha de dados.

Mitigar a possibilidade de o modelo e/ou sistema final fornecer os dados pessoais como output.

Treinar o seu pessoal para identificar e gerir eficazmente os riscos de segurança.

No que toca à necessidade de transparência, embora o RGPD exija que os titulares de dados sejam informados sobre a recolha dos seus dados pessoais (arts. 13.º e 14.º), a raspagem da Web apresenta desafios a esta prestação de informação devido à dificuldade de identificar e notificar o grande número de titulares de dados potencialmente afetados. Neste sentido, o RGPD não exige a notificação individual do titular de dados quando esta implica um esforço desproporcional ao responsável pelo tratamento (art. 14.º(5)(b)). Fatores como a idade dos dados, a sua pseudonimização e a disponibilidade de detalhes de contacto influenciam esta avaliação.

Contudo, mesmo quando o responsável pelo tratamento está isento desta notificação individual, este deve tornar a informação acessível ao público, explicando de forma clara o escopo e finalidade da recolha. Tal passará, por exemplo, pela inclusão dos URLs dos sítios Web extraídos e resumos do conteúdo dos dados de treino. Os responsáveis pelo tratamento devem também cumprir as obrigações de transparência nos termos do artigo 53.º do Regulamento da IA, quando aplicável.

Uma abordagem estratificada ao fornecimento de informações – destacando os pontos-chave logo à partida e oferecendo explicações detalhadas em patamares inferiores – garante a clareza da informação fornecida, equilibrando os seus direitos com os interesses legítimos do responsável pelo tratamento. Nestes termos, embora seja claro que o web scraping não pode ser visto como uma ferramenta a utilizar sem considerações suplementares, a sua exclusão em absoluto também não parece ser clara à luz do princípio da licitude do RGPD. Tudo dependerá do caso concreto e das medidas adotadas pelo responsável pelo tratamento de modo a garantir a necessidade e proporcionalidade dos dados pessoais recolhidos na prossecução do seu interesse legítimo.

Será consumidora uma pessoa que adquire um imóvel para arrendamento?

Jurisprudência

No passado dia 24 de outubro, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferiu uma decisão no âmbito do Processo C-347/23 (Caso Zabitoń). O caso centra-se na interpretação do conceito de consumidor numa situação em que duas pessoas casadas (LB, agente da polícia, e JL, diretora de uma escola) adquirem um bem imóvel, celebrando um contrato de crédito hipotecário para o efeito, com a intenção de obter rendimentos do imóvel por via do seu arrendamento posterior.

O TJUE examina se os membros deste casal podem ser enquadrados na categoria de consumidor, à luz do direito europeu, beneficiando da legislação mais protetora que é conferida a este, nomeadamente pela diretiva das cláusulas abusivas.

Destaca-se que o conceito de consumidor, de acordo com o direito europeu, se aplica, em regra, a pessoas singulares que adquirem bens ou serviços para fins pessoais, ou seja, alheios a uma atividade profissional. Assim, a motivação dos compradores é analisada com vista a determinar se o ato de aquisição de um imóvel com a finalidade de o arrendar lhe retira o caráter de consumo pessoal, transformando-o numa atividade profissional.

O TJUE decide que, apesar do objetivo de obter proveito com o arrendamento, os membros do casal devem ser considerados consumidores. O tribunal argumenta que a aquisição do imóvel não ocorre no âmbito de uma atividade profissional contínua e organizada. Assim, o simples facto de obter uma vantagem económica não transforma os compradores em profissionais. Não existindo uma intenção de exercer uma atividade imobiliária contínua, o negócio é enquadrado como um ato de consumo.

O TJUE realça a importância de uma interpretação do conceito de consumidor que garanta a segurança jurídica e a proteção no mercado. O tribunal opta, assim, por proteger o casal, considerando que a aquisição se traduz numa típica relação de consumo, não tendo os compradores experiência profissional no setor imobiliário nem atuando com caráter de habitualidade. Visa-se apenas, citando o acórdão, “consolidar o seu património privado”, sendo “uma forma de investimento” (ponto 33).

Esta decisão é bastante revelante, uma vez que a solução adotada não era evidente. Com efeito, o imóvel fora, neste caso, adquirido como um investimento, com vista à obtenção de rendimentos, o que poderia aproximar o negócio de uma atividade profissional, que se caracteriza precisamente pela finalidade lucrativa. Concorda-se, no entanto, com a decisão, na medida em que se tratou de um ato isolado, único[1], não revelando o exercício de uma atividade profissional, com regularidade. O arrendamento tem, na verdade, caráter regular, mas está aqui em causa o contrato de compra e venda do imóvel. O casal pretendia apenas fazer um investimento ao comprar o imóvel, colocando o seu património a render, sem ter conhecimentos específicos na área em causa. Julgo que a decisão poderia já ser outra se o casal comprasse um segundo imóvel para arrendar ou tivesse já outros imóveis arrendados. Aí se deverá, na minha perspetiva, traçar a fronteira entre ser ou não consumidor (ou não ser ou ser profissional, respetivamente).

É interessante notar que, no contrato de arrendamento, também não se poderá, reflexamente, considerar o casal (senhorio) como profissional, não se aplicando, portanto, a legislação de consumo. A qualificação como consumidor no contrato de compra do imóvel (e no contrato de crédito hipotecário associado) tem, portanto, o importante efeito de não se proteger como consumidor uma outra pessoa (inquilino) numa outra relação ligada a esta.

Podemos concluir deste caso, em suma, que o investimento ainda pode ser considerado consumo se não tiver caráter regular.


[1] No ponto 11 da decisão, refere-se que “os demandantes no processo principal não deram de arrendamento outros bens imóveis”.

Crianças-consumidoras também «votam com o dinheiro» dos pais

Doutrina

O Comentário Geral n.º 26 à Convenção sobre os Direitos da Criança, recentemente publicado pelo Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas, introduz uma perspetiva inovadora em relação ao direito da criança a um ambiente seguro e sustentável. Esta abordagem, ao entrelaçar o conceito de consumo com os direitos ambientais, impõe ao Estado e às entidades privadas a responsabilidade de protegerem as crianças[1], não apenas como beneficiárias passivas do consumo, mas como agentes com um papel próprio nas decisões e práticas de consumo que afetam o ambiente e a sua qualidade de vida futura.

A expressão «votar com o dinheiro» é frequentemente utilizada para ilustrar o poder dos consumidores na direção do mercado. No simples ato de optar, escolhendo comprar determinado bem ou contratar determinado serviço, o consumidor não está apenas a adquirir algo para sua satisfação pessoal, mas também a demonstrar as suas preferências em relação a valores como a qualidade, a ética e a sustentabilidade. Ocorre também, por vezes, estar apenas a transmitir qualquer outra mensagem nada relacionada com estes valores (como, por exemplo, que prefere bege a bordeaux), embora, nesse caso, em princípio, já não se deva assumir que se trata de uma motivação política. Neste sentido, algumas decisões de compra tornam-se uma forma de expressão política, onde os consumidores «votam» nas práticas que consideram mais alinhadas com os seus princípios. O conceito tem vindo a ser cada vez mais relevante, à medida que o consumo consciente e responsável ganha terreno, com os consumidores a optarem por empresas e bens que se destacam pela sua responsabilidade social e ambiental.

Este fenómeno, embora habitualmente reconhecido no contexto dos adultos, também pode ser aplicado às crianças, cuja influência nas decisões de compra do agregado familiar é crescente. De forma indireta, as crianças «votam» com o dinheiro dos pais, ao pressioná-los a adquirir bens específicos, como brinquedos e alimentos. Em boa verdade, esta parece ser a sua única remota hipótese de «votar» antes dos 18 anos de idade, pelo menos em Portugal.

Este poder de influência das crianças pode ter um impacto significativo nos padrões de consumo familiar, moldando não apenas os hábitos de compra, mas também a orientação para práticas mais sustentáveis. O Comentário Geral n.º 26 sublinha precisamente este ponto, ao destacar a importância de capacitar as crianças para se tornarem consumidoras informadas e responsáveis, capazes de influenciar, com as suas escolhas, um futuro mais sustentável e alinhado com os princípios da justiça social e ambiental.

O Comentário reconhece que a criança tem influência direta nos padrões de consumo do agregado familiar, muitas vezes determinando, ainda que de forma indireta, as escolhas dos cuidadores e do mercado. Esta influência, quando exercida num contexto informado e sustentável, pode moldar práticas de consumo orientadas para a sustentabilidade. O Comentário alerta, assim, para a importância de assegurar o direito da criança a receber «informações ambientais exatas e fiáveis» (parágrafo 33), fundamental para o seu desenvolvimento como consumidora consciente, internalizando práticas de consumo sustentável.

O direito ao consumo informado e sustentável articula-se aqui com o direito à educação, definido como essencial para a aquisição de competências que capacitem a criança a tomar decisões informadas e ambientalmente responsáveis. O parágrafo 53 do Comentário estabelece que a educação deve proporcionar às crianças «competências necessárias para enfrentar os desafios ambientais esperados nas suas vidas», promovendo a reflexão crítica sobre o consumo, a resolução de problemas ambientais e a adoção de estilos de vida que respeitem a sustentabilidade. Esta visão remete-nos para o conceito de «evolução das capacidades» da criança, reconhecido na Convenção, sublinhando a importância de ajustar as estratégias educativas e normativas à maturidade progressiva das crianças enquanto sujeitos de direitos. Ao promover a sua capacitação no consumo, o Comité estabelece uma ligação entre a formação do consumidor consciente e a proteção do ambiente, criando uma base para o exercício de um consumo informado que respeita as capacidades evolutivas da criança, enquanto princípio habilitador do processo de aquisição gradual de competências, compreensão e autonomia[2].

Um dos aspetos mais relevantes do Comentário no âmbito do consumo prende-se com a regulação da publicidade direcionada às crianças. O parágrafo 81, ao abordar o conceito de greenwashing, destaca a necessidade de as normas de publicidade e comercialização serem aplicadas de forma a prevenir práticas que possam induzir em erro as crianças, apresentando bens ou práticas empresariais como sustentáveis quando, na realidade, não o são. Este ponto convoca desafios jurídicos significativos, pois revela que, para proteger a criança enquanto consumidora, é indispensável o desenvolvimento de um quadro regulatório robusto, que imponha às empresas obrigações concretas de transparência. A prevenção do greenwashing é, assim, um imperativo para evitar a manipulação do consumidor infantil, que, devido à sua vulnerabilidade e capacidade cognitiva em formação, é especialmente suscetível a práticas comerciais enganosas.

Neste sentido, o Comentário opera uma transformação no modo como o direito do consumo pode e deve enquadrar o papel da criança: não apenas como destinatária de bens e serviços, mas como cidadã de direitos e responsabilidades no seio de um sistema que deve promover o consumo sustentável e a proteção do ambiente. Esta nova abordagem impõe ao direito do consumo a obrigação de não só proteger a criança contra práticas comerciais desleais, mas também de assegurar que a informação e as práticas comerciais estejam alinhadas com os princípios de transparência e sustentabilidade. A criança é, assim, promovida a um papel ativo no direito do consumo, alinhando o seu estatuto jurídico com a exigência crescente de um consumo responsável e ecologicamente consciente, (também) na defesa do seu superior interesse.


[1] Nos termos do artigo 1.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, “criança é todo o ser humano menor de dezoito anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo”. Nos termos do artigo 122.º do Código Civil, “é menor quem não tiver ainda completado dezoito anos de idade”.

[2] Comentário Geral n.º 7 (2005), parágrafo 17; e Comentário Geral n.º 20 (2016), parágrafos 18 e 20.

Cláusulas Abusivas e Sanções Contraordenacionais

Legislação

A alteração da Diretiva 93/13/CEE pela Diretiva 2019/2161 implica que a utilização de cláusulas abusivas passe a ser qualificada, em alguns casos, a nível interno, como uma infração administrativa. O direito europeu impõe aos Estados-Membros que prevejam consequências adicionais, além da sanção contratual relativa à nulidade das cláusulas, nomeadamente sendo aplicadas sanções contraordenacionais.

Nos termos do art. 34.º-A-1 do DL 446/85, introduzido pelo DL n.º 109-G/2021 e alterado pela Lei n.º 10/2023, “constitui contraordenação muito grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas (RJCE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, a utilização de cláusulas absolutamente proibidas nos contratos, incluindo as previstas nos artigos 18.º e 21.º”.

Assim, a inclusão num contrato singular de uma cláusula elencada numas das listas negras dos arts. 18.º e 21.º constitui sempre contraordenação, independentemente de já ter sido considerada abusiva, em concreto, por uma decisão judicial (ou arbitral).

O art. 34.º-A não se aplica, no entanto, apenas a estas cláusulas. O elemento literal da norma aponta neste sentido, ao referir que a consequência inclui essas cláusulas (“incluindo as previstas”). Se a consequência se aplicasse apenas a essas cláusulas, a formulação teria de ser outra: “(…) a utilização nos contratos das cláusulas absolutamente proibidas incluídas nos artigos 18.º e 21.º”.

Para percebermos a que outras cláusulas se pode aplicar esta consequência é necessário interpretar esta norma à luz do art. 8.º-B da Diretiva 93/13/CEE, introduzido pela Diretiva 2019/2161. Segundo o n.º 2 deste preceito, “os Estados-Membros podem restringir essas sanções às situações em que as cláusulas contratuais sejam expressamente definidas como abusivas segundo o direito nacional ou em que o profissional continue a recorrer a cláusulas contratuais que tenham sido consideradas abusivas numa decisão definitiva adotada nos termos do artigo 7.º-2”. A primeira parte dirá respeito às cláusulas absolutamente proibidas, enquanto a segundo remete para as cláusulas consideradas abusivas no âmbito de uma ação inibitória, independentemente de estar em causa uma cláusula incluída numa das listas ou ser abrangida pela cláusula geral. O considerando 14 da Diretiva 2019/2161 vai um pouco mais longe, esclarecendo que “as sanções também poderão ser impostas pelas autoridades administrativas ou pelos tribunais nacionais (…) quando o profissional utiliza uma cláusula contratual que tenha sido considerada abusiva por uma decisão definitiva com caráter vinculativo”.

O art. 34.º-A-1 do DL 446/85 deve ser interpretado neste sentido, constituindo contraordenação quer a utilização num contrato singular de uma cláusula (abusiva) incluída numa das listas negras dos arts. 18.º ou 21.º (independentemente de uma decisão judicial prévia nesse sentido) quer a utilização num contrato singular de uma cláusula considerada abusiva por uma decisão de um tribunal que tenha transitado em julgado (numa ação inibitória ou em qualquer outra ação).

A contraordenação é muito grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas (RJCE). Nos termos do art. 18.º-c), o intervalo do valor da coima é o seguinte:

– Tratando-se de pessoa singular, de € 2 000 a € 7 500;

– Tratando-se de microempresa, de € 3 000 a € 11 500;

– Tratando-se de pequena empresa, de € 8 000 a € 30 000;

– Tratando-se de média empresa, de € 16 000 a € 60 000;

– Tratando-se de grande empresa, de € 24 000 a € 90 000.

A sanção será bastante mais pesada se estiver em causa uma infração generalizada ou uma infração generalizada ao nível da União Europeia, na aceção do art. 3.º do Regulamento (UE) 2017/2394, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2017. Neste caso, o limite máximo das coimas pode corresponder a 4% do volume de negócios anual do infrator nos Estados-Membros em causa, sendo que, quando não esteja disponível informação sobre o volume de negócios anual do infrator, o limite máximo da coima é de € 2 000 000.

Na determinação da coima, devem ser tidos em conta, entre outros aspetos eventualmente previstos na legislação sectorialmente aplicável, a natureza, gravidade, dimensão e duração da infração cometida, as medidas adotadas pelo infrator para atenuar ou reparar os danos causados aos consumidores, as infrações cometidas anteriormente pelo infrator em causa, os benefícios financeiros obtidos ou os prejuízos evitados pelo infrator em virtude da infração cometida, se os dados em causa estiverem disponíveis, e, nas situações transfronteiriças, as sanções impostas ao infrator pela mesma infração noutros Estados-Membros (art. 34.º-B).

A fiscalização, a instrução do processo e a aplicação das sanções competem à entidade reguladora ou de controlo de mercado competente ou, na sua ausência, à Direção-Geral do Consumidor (art. 34.º-C).

No final de outubro deste ano, a Direção-Geral do Consumidor (DGC) emitiu uma nota de imprensa, na qual dá conta de ter detetado cláusulas absolutamente proibidas em contratos de ginásios[1]. Na sequência de uma ação de fiscalização, enquanto entidade com competência no âmbito do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, a DGC instaurou dois processos de contraordenação contra operadores económicos que gerem ginásios. Estão em causa, nomeadamente, cláusulas pelas quais estes se desresponsabilizam totalmente por quaisquer danos decorrentes da prática de atividades físicas nas suas instalações ou definem antecipadamente a compensação devida por danos resultantes da utilização de uma máquina em mau estado de funcionamento.

Trata-se, segundo julgo saber, da primeira vez que o regime é aplicado, sendo instaurados processos de contraordenação por utilização de cláusulas abusivas. Aplaude-se a decisão, uma vez que é muito importante que os profissionais percebam que o regime é efetivamente aplicado.


[1] Estes contratos levantam por vezes também problemas relativos à inserção de cláusulas, nomeadamente ao nível da comunicação e do esclarecimento ao aderente (arts. 5.º, 6.º e 8.º do DL 446/85). Não estão, no entanto, previstas sanções contraordenacionais em caso de incumprimento destas normas.  

A essencialidade da “lei dos seis meses”

Doutrina

Todos os meses, a certeza de despesas associadas ao consumo de água, energia elétrica e gás natural acompanha a maioria das famílias portuguesas. Reconhecendo o interesse que informação relativa a estes consumos suscita nos seus telespectadores, a rubrica Contas-Poupança do Jornal da Noite (SIC) divulgou, no passado dia 2 de outubro, uma breve reportagem centrada na Lei n.º 23/96, de 26 de julho, apelidando-a de “lei dos seis meses”.

Esta é, em rigor, a Lei dos Serviços Públicos Essenciais. Não pode ignorar-se que o jornalismo procure simplificar linguagem a fim de mais facilmente divulgar informação e, assim, aumentar níveis de audiência. Contudo, ao fazê-lo é expectável que a mais irrelevante das imprecisões não escape ao atento seguidor do Direito do Consumo. É sob essa perspetiva que este texto é escrito.

Pensada com o objetivo de criar no ordenamento jurídico mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, a Lei dos Serviços Públicos Essenciais condensa, em 16 artigos, um regime relevante sobretudo para prestações de serviços continuados e duradouros, como acontece com os serviços de água, energia elétrica e gás natural, mas também com o serviço de comunicações eletrónicas, o serviço postal e o serviço de transporte de passageiros.

Ora, o conceito de utente a que este diploma recorre abrange qualquer pessoa a quem seja prestado um serviço público essencial, isto é, abrange pessoas singulares mas também pessoas coletivas públicas e privadas. Além disso, consideram-se serviços públicos essenciais todos os que, taxativamente, o n.º 2 do art. 1.º da referida Lei elenca. A este respeito, deve notar-se que esta lista tem sido alargada ao longo dos anos.

Regressando ao motivo pelo qual esta lei foi apelidada de “lei dos seis meses”, cumpre olhar para o n.º 1 do seu art. 10.º, de acordo com o qual o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação. Quer isto dizer que, caso o prestador de serviços não inicie um processo judicial ou apresente um requerimento de injunção no que respeita a um consumo relativo a um período de faturação com mais de 6 meses de anterioridade, o consumidor pode invocar a prescrição para se opor ao pagamento desses mesmos serviços.

Aqui chegados, deve admitir-se a hipótese de litígio entre utente e prestador de serviços. De acordo com o art. 15.º deste diploma, o utente pode exercer o seu direito potestativo à arbitragem, o que não acontece com o prestador de serviços. Só o utente pode impor ao prestador de serviços a arbitragem – e não vice-versa. Esta possibilidade evidencia uma das mais célebres características do Direito do Consumo: a proteção do consumidor (ou utente) face a um profissional (ou prestador de serviços).

Pese embora a sua parca difusão, a verdade é que a Lei dos Serviços Públicos Essenciais concede a todos os utentes direitos bastante importantes, tornando-a verdadeiramente essencial no amplo leque de normas que integram o Direito do Consumo.