No passado dia 24 de outubro, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferiu uma decisão no âmbito do Processo C-347/23 (Caso Zabitoń). O caso centra-se na interpretação do conceito de consumidor numa situação em que duas pessoas casadas (LB, agente da polícia, e JL, diretora de uma escola) adquirem um bem imóvel, celebrando um contrato de crédito hipotecário para o efeito, com a intenção de obter rendimentos do imóvel por via do seu arrendamento posterior.
O TJUE examina se os membros deste casal podem ser enquadrados na categoria de consumidor, à luz do direito europeu, beneficiando da legislação mais protetora que é conferida a este, nomeadamente pela diretiva das cláusulas abusivas.
Destaca-se que o conceito de consumidor, de acordo com o direito europeu, se aplica, em regra, a pessoas singulares que adquirem bens ou serviços para fins pessoais, ou seja, alheios a uma atividade profissional. Assim, a motivação dos compradores é analisada com vista a determinar se o ato de aquisição de um imóvel com a finalidade de o arrendar lhe retira o caráter de consumo pessoal, transformando-o numa atividade profissional.
O TJUE decide que, apesar do objetivo de obter proveito com o arrendamento, os membros do casal devem ser considerados consumidores. O tribunal argumenta que a aquisição do imóvel não ocorre no âmbito de uma atividade profissional contínua e organizada. Assim, o simples facto de obter uma vantagem económica não transforma os compradores em profissionais. Não existindo uma intenção de exercer uma atividade imobiliária contínua, o negócio é enquadrado como um ato de consumo.
O TJUE realça a importância de uma interpretação do conceito de consumidor que garanta a segurança jurídica e a proteção no mercado. O tribunal opta, assim, por proteger o casal, considerando que a aquisição se traduz numa típica relação de consumo, não tendo os compradores experiência profissional no setor imobiliário nem atuando com caráter de habitualidade. Visa-se apenas, citando o acórdão, “consolidar o seu património privado”, sendo “uma forma de investimento” (ponto 33).
Esta decisão é bastante revelante, uma vez que a solução adotada não era evidente. Com efeito, o imóvel fora, neste caso, adquirido como um investimento, com vista à obtenção de rendimentos, o que poderia aproximar o negócio de uma atividade profissional, que se caracteriza precisamente pela finalidade lucrativa. Concorda-se, no entanto, com a decisão, na medida em que se tratou de um ato isolado, único[1], não revelando o exercício de uma atividade profissional, com regularidade. O arrendamento tem, na verdade, caráter regular, mas está aqui em causa o contrato de compra e venda do imóvel. O casal pretendia apenas fazer um investimento ao comprar o imóvel, colocando o seu património a render, sem ter conhecimentos específicos na área em causa. Julgo que a decisão poderia já ser outra se o casal comprasse um segundo imóvel para arrendar ou tivesse já outros imóveis arrendados. Aí se deverá, na minha perspetiva, traçar a fronteira entre ser ou não consumidor (ou não ser ou ser profissional, respetivamente).
É interessante notar que, no contrato de arrendamento, também não se poderá, reflexamente, considerar o casal (senhorio) como profissional, não se aplicando, portanto, a legislação de consumo. A qualificação como consumidor no contrato de compra do imóvel (e no contrato de crédito hipotecário associado) tem, portanto, o importante efeito de não se proteger como consumidor uma outra pessoa (inquilino) numa outra relação ligada a esta.
Podemos concluir deste caso, em suma, que o investimento ainda pode ser considerado consumo se não tiver caráter regular.
[1] No ponto 11 da decisão, refere-se que “os demandantes no processo principal não deram de arrendamento outros bens imóveis”.