Desafios da proteção do consumidor em Timor-Leste e o papel essencial a desempenhar pelas Universidades

Doutrina

Por João Fernandes Moreira (1)

O Direito do Consumo tem sido erigido em Timor-Leste por via de uma forte influência lusófona (e europeia), apesar da distância física que separa o seu território do velho continente europeu.

A ligação histórica, linguística, cultural e religiosa que une Portugal a Timor-Leste sobreviveu à ocupação da República da Indonésia entre 1975 e 1999 e, atualmente, apesar de todos os obstáculos existentes, o ordenamento jurídico timorense é composto por legislação totalmente redigida em língua portuguesa, sendo que apenas alguns diplomas são traduzidos oficialmente para a outra língua oficial do país (o tétum), observando-se o n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste. Perante uma eventual divergência entre os textos publicados, dá-se sempre prevalência à versão em língua portuguesa (cfr. n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 1/2002, de 7 de agosto).

Contudo, sendo a língua portuguesa fluentemente falada por apenas 30% da população timorense (segundo os dados constantes nos Censos da População do ano de 2015), há uma forte limitação do efetivo conhecimento do Direito legislado em Timor-Leste. Verifica-se, assim, uma realidade assente na ideia de “Law in books, law in action”, expressão de Roscoe Pound, de 1910, colocando-se um problema de conhecimento e respeito da lei em vigor por parte dos membros da sociedade, seus destinatários.

A influência jurídica portuguesa no Direito do Consumo timorense não se manifesta só na Constituição, mas também em inúmeros diplomas infraconstitucionais, de natureza legal e administrativa, que foram sendo produzidos e publicados desde a independência em 2002. A Lei n.º 8/2016, de 8 de julho, a Lei de Proteção do Consumidor (LPC), é o principal diploma legal que estabelece as normas destinadas à defesa do consumidor em Timor-Leste. Uma lei emergente da consagração dos direitos dos consumidores no artigo 53.º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, que segue uma redação inspirada no artigo 60.º da homóloga Constituição portuguesa.

A LPC também não é exceção, tratando-se de um diploma legal que adotou uma redação similar à utilizada na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, de Portugal, designadamente na sua 6.ª versão, após a entrada em vigor da Lei n.º 47/2014, de 28 de julho.

Apesar de seguir uma redação simples e clara, destinada a uma fácil interpretação, mesmo para um leitor que não tenha conhecimentos jurídicos, a LPC encontra a suas dificuldades de implementação prática em resultado do obstáculo do fraco conhecimento da língua portuguesa por parte da maioria da população timorense.

Tratando-se de um país em desenvolvimento, onde a literacia do consumo é muito diminuta, o consumidor médio de Timor-Leste assume uma posição de muito maior vulnerabilidade se comparado com o consumidor (sempre vulnerável) português ou europeu. Perante este facto, a LPC, na alínea c) do artigo 5.º e artigo 8.º, prevê o direito aos consumidores de acederem a um concreta formação e educação para o consumo, tendo em vista a realização da sua plena liberdade de escolha no mercado, em paralelo com a solução legal resultante da alínea c) do artigo 3.º e artigo 6.º da LDC portuguesa. Todavia, apesar da louvável intenção do legislador timorense, ao impor ao Estado a competência para “incentivar e promover a realização de ações de sensibilização para o consumo”, ditando, igualmente, este mesmo dever de formar os consumidores às associações de consumidores e aos serviços públicos de rádio e televisão, a experiência prática demonstra que os resultados têm sido muito limitados.

Perante este cenário, urge refletir sobre o papel fundamental que os estabelecimentos de ensino superior dos países em desenvolvimento, sobretudo as universidades públicas, podem, e devem, assumir na concretização deste direito à formação e educação do consumidor, enquanto concretização de atribuições de interesse público e coletivo do país. Apesar de a lei não mencionar expressamente os estabelecimentos de ensino superior, estas instituições, enquanto espaços de estudo e pensamento, têm as condições adequadas para trabalharem na materialização da defesa do consumidor, seguindo o exemplo do que se tem feito em muitas Universidades portuguesas.

Propõe-se a possível criação de uma nova unidade de investigação na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), a única universidade pública do país, destinada a trabalhar exclusivamente na área do Direito do Consumo em Timor-Leste. Observando o contexto de mercado do país, esta unidade iria contribuir para a formação dos primeiros especialistas e investigadores timorenses nesta área de conhecimento, realizar conferências e seminários de carácter internacional, bem como trabalhar conjuntamente com os serviços do Governo de Timor-Leste competentes nas matérias do direito do consumidor, para trabalhar na melhoria da qualidade da legislação em vigor no país. O atual desinteresse académico relativamente ao Direito do Consumo em Timor-Leste faz com que para a concretização efetiva desta ideia pareça necessário que uma iniciativa que provenha parceiros internacionais, designadamente oriundos de Portugal, como única forma de surgir o primeiro estímulo na criação de um projeto pioneiro para o estudo e investigação do Direito do Consumo timorense.

Face à insuficiente concretização da proteção do consumidor, as Universidades devem assumir um papel de destaque ao colmatar o vazio deixado pela inação das entidades legalmente incumbidas de promover o aumento da literacia de consumo, sendo que a esperança reside na possibilidade de haver uma futura cooperação académica com uma iniciativa proveniente de Portugal.

(1) Licenciado pela Faculdade de Direito do Porto. Técnico Superior da Direção de Assuntos Jurídicos da Reitoria da Universidade Nova de Lisboa.