Em cima do acontecimento, damos hoje nota da publicação na Revista de Direito Comercial de um artigo de Nuno Manuel Pinto Oliveira, Juiz Conselheiro no Supremo Tribunal de Justiça e, como certamente saberão, também Professor da Escola de Direito da Universidade do Minho, dedicado à venda de bens de consumo.
Com 160 páginas, trata-se de uma verdadeira monografia sobre o tema, que tem como título “O Direito Europeu da Compra e Venda 20 Anos Depois – Comparação entre a Diretiva 1999/44/CE, de 25 de maio de 1999, e a Diretiva 2019/771/UE, de 20 de maio de 2019“. É de acesso livre, aspeto que também me parece muito positivo.
Depois de uma introdução dedicada ao compromisso entre a autonomia e a heteronomia no direito europeu da compra e venda (pp. 1217-1236), o autor debruça-se sobre os conceitos de conformidade e de não conformidade na Directiva 1999/44/CE (pp. 1236-1244), no anteprojeto de um quadro comum de referência e na proposta para um direito europeu comum da compra e venda (pp. 1245-1252) e na Diretiva 2019/771/UE (pp. 1252-1265). Segue-se uma análise da questão do ónus da prova da não conformidade com o contrato de compra e venda (pp. 1265-1270). O autor dedica-se, então, ao tema central da obra, os direitos do comprador e do vendedor em caso de não conformidade, primeiro na Diretiva 1999/44/CE (pp. 1270-1309) e no anteprojeto de um quadro comum de referência e na proposta para um direito europeu comum da compra e venda (pp. 1310-1326) e depois na Diretiva 2019/771/UE (pp. 1326-1356). São ainda tratados os temas do ónus da denúncia e dos prazos de garantia, denúncia e exercício dos direitos (pp. 1357-1368).
A conclusão (pp. 1368-1376) aponta para o futuro e para as opções do legislador no que respeita à transposição da Diretiva 2019/771/UE para o direito português, defendendo o autor que se façam as alterações ao Código Civil que já poderiam ter sido feitas, como na Alemanha, na transposição da Diretiva 1999/44/CE.
Salientamos a afirmação (pp. 1369 e segs.) de que “seria porventura de aproveitar a oportunidade proporcionada pela Directiva 2019/771/UE para abandonar a distinção entre os defeitos ou vícios da coisa e os defeitos ou vícios do direito e para, dentro dos defeitos ou vícios da coisa, abandonar a distinção entre a venda específica e a venda genérica, em favor de conceitos amplos e unitários de conformidade e de não conformidade (de falta de conformidade); para abandonar o paradigma do erro em favor do paradigma do cumprimento defeituoso, imperfeito ou inexacto do contrato de compra e venda; para eliminar a restrição dos direitos à reparação e à substituição da coisa aos casos em que o vendedor conhecesse, ou devesse conhecer, o defeito da coisa vendida; para abandonar a relação de subsidiaridade entre a reparação e a substituição da coisa defeituosa em favor de uma relação de alternatividade, ainda que de alternatividade imperfeita; para abandonar o direito de anulação em favor de um direito de resolução; e para consagrar, em definitivo, a prioridade dos direitos orientados para o cumprimento sobre os direitos orientados para a cessação, total ou parcial, do contrato”.
Aproveito para deixar aqui a referência a outros textos escritos por autores portugueses sobre o tema, já à luz da Diretiva 2019/771/UE:
- Jorge Morais Carvalho, “New Developments in EU Consumer Contract Law”, in PoLaR – Portuguese Law Review, Vol. 3, n.º 1, 2019, pp. 11-17;
- Maria João Vasconcelos, “New Perspectives on Sale of Consumer Goods — Maximum Harmonization and High Protection of Consumers as a Condition for Further Development of Cross-Border Trade in Single Market”, in PoLaR – Portuguese Law Review, Vol. 3, n.º 1, 2019, pp. 19-31;
- Jorge Morais Carvalho, “Venda de Bens de Consumo e Fornecimento de Conteúdos e Serviços Digitais – As Diretivas 2019/771 e 2019/770 e o seu Impacto no Direito Português”, in RED – Revista Eletrónica de Direito, n.º 3, 2019, pp. 63-87;
- Jorge Morais Carvalho, “Sale of Goods and Supply of Digital Content and Digital Services – Overview of Directives 2019/770 and 2019/771”, in EuCML – Journal of European Consumer and Market Law, n.º 5, 2019, pp. 194-201;
- Jorge Morais Carvalho, “Las Directivas 2019/770 y 2019/771. Introducción y Ámbito de Aplicación”, in La Notaría, n.os 2-3, 2019, p. 119;
- Mafalda Miranda Barbosa, “O Futuro da Compra e Venda (de Coisas Defeituosas)”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 79.º, 2019, pp. 723-751;
- Jorge Morais Carvalho, “Contratos de Compraventa de Bienes (Directiva 2019771) y Suministro de Contenidos o Servicios Digitales (Directiva 2019770) – Ámbito de Aplicación y Grado de Armonización”, in Cuadernos de Derecho Transnacional, Vol. 12, n.º 1, 2020, pp. 930-940;
- Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2020 (pp. 364 a 381).
E agora é a hora de fazer uma leitura minuciosa deste artigo, pelo que vos deixo, recomendando que façam o mesmo.
Boas leituras!