Boas influências: As Regras da Publicidade nas Redes Sociais e os Influencers

Doutrina

Nos últimos anos, o marketing de influência tem vindo a consolidar-se como uma peça central do comércio eletrónico e da publicidade moderna. A Direção-Geral do Consumidor (DGC), no seu Guia informativo “A Publicidade e o Marketing de Influência”, define o marketing de influência como a “estratégia de divulgação de marcas, produtos ou serviços que utiliza a popularidade, credibilidade e o alcance de influenciadores para, em seu nome ou por sua conta, comunicar de forma mais próxima e personalizada com o público alvo”.

A popularização de criadores de conteúdo nas redes sociais, os chamados influencers ou influenciadores digitais, demonstrou a grande influência sobre hábitos, gostos e decisões de consumo que estes exercem, principalmente entre públicos jovens. Neste sentido, também no Guia, a DGC define influenciadores como a “pessoa ou personagem no meio digital que possui o potencial de influenciar os outros, através da produção e divulgação de conteúdo nas redes sociais, incentivando ou influenciando o consumo de bens e serviços, o estilo ou as preferências do seus seguidores em relação ao que promove ou recomenda”. 

Esta nova forma de comunicação direta com o consumidor e a elevada afluência nas redes sociais leva a que os profissionais cada vez mais recorram a influenciadorespara reforçar as suas estratégias de marketing. O estudo “Consumer Sentiment Survey 2025”, da Boston Consulting Group, indicou que o uso das redes sociais continua a crescer entre a população em 2025. 57% dos portugueses passou mais de uma hora por dia nas redes sociais, enquanto, entre os jovens adultos (18-34 anos), um em cada quatro utilizou estas plataformas mais de três horas diárias. Outro estudo da Brinfer, Top Brands 2025, demonstrou que 48,6% dos utilizadores usam as redes sociais para pesquisar informações sobre produtos e que, numa escala de 1 a 10, os fãs atribuem um valor médio de 7.2 à influência que seguir marcas nas redes sociais tem nas suas decisões de compras. Estes estudos comprovam a crescente tendência da utilização das redes sociais e a suscetibilidade dos consumidores a serem expostos a publicidade nestes meios e a serem influenciados pelos mesmos.

Os fatores enunciados refletem-se no crescente investimento no marketing de influência. A nível internacional, segundo um estudo do The Statistics Portal – Statista, o tamanho deste mercado mais do que triplicou desde 2020 e estima-se que no final de 2025 atinja um recorde de cerca de 33 mil milhões de dólares americanos, o que comprova a tendência crescente deste mercado. A nível nacional, o estudo da Brinfer indica que o valor do investimento anual em marketing de influência, apenas no Instagram, cresceu de 59,5 milhões de euros em 2024 para 63 milhões em 2025.

A par da relevância crescente deste mercado, é essencial garantir uma prática responsável. A utilização de conteúdo patrocinado sem a devida transparência suscita preocupações quanto ao direito à informação, à proteção do consumidor e à lealdade comercial. Torna-se, por isso, pertinente proceder ao enquadramento legal do Direito Português.

A Constituição da República Portuguesa, no artigo 60.º, n.º 2, proíbe todas as formas de publicidade oculta, indireta ou dolosa. Neste âmbito, o Código da Publicidade, nomeadamente no artigo 6º, estabelece que a publicidade deve reger-se pelos princípios da licitude, identificabilidade, veracidade e respeito pelos direitos do consumidor. 

O princípio da licitude, consagrado no artigo 7º, determina que é proibida a “publicidade que ofenda os valores, princípios e instituições fundamentais constitucionalmente consagrados”, enunciando ainda diretrizes essenciais.

Já o artigo 8º, que enuncia o princípio da identificabilidade, consagra que a publicidade tem de ser clara e inequivocamente identificada como tal, seja qual for o meio de difusão utilizado. Deste modo, de acordo com o Guia da DGC, no âmbito de uma relação comercial entre o influenciador e a marca, é proibido alegar falsamente ou dar a impressão de que não se está a agir para fins comerciais ou profissionais, ou ainda, apresentar-se falsamente como consumidor, sob pena de ser responsabilizado pela infração.

Consequentemente, o artigo 9º proíbe a publicidade oculta, vedando o uso de imagens subliminares ou outros meios dissimuladores que explorem a possibilidade de transmitir publicidade sem que os destinatários se apercebam da sua natureza. O n.º 3 do artigo clarifica que “subliminar” corresponde a qualquer publicidade capaz de provocar perceções sensoriais sem que o seu destinatário tome consciência.

Importa destacar também o princípio da veracidade (artigo 10º), segundo o qual a publicidade deve ser verdadeira, sem deformar os factos relacionados com os produtos ou serviços promovidos. O artigo 11º reforça esta regra ao proibir toda a publicidade que seja enganosa nos termos do DL n.º 57/2008, de 26 de março, que trata do regime aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores. O artigo 7º deste Decreto-Lei determina que é enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, sendo factualmente corretas, induzam o consumidor em erro ou que o levem a tomar uma decisão de transação que não teria feito sendo devidamente informado. 

Neste sentido, a DGC sublinha no seu Guia que os influenciadores devem divulgar os conteúdos comerciais de forma clara, transparente e responsável, assegurando uma relação de confiança entre consumidor, influenciador e marca. 

De modo mais geral, o artigo 12º do Código da Publicidade proíbe a publicidade que atente contra os direitos do consumidor, que segundo o Guia da DGC abrange vários direitos, nomeadamente o direito à qualidade dos bens e serviços; à proteção da saúde e da segurança física; à formação e à educação para o consumo; à informação para o consumo; à proteção dos interesses económicos; à prevenção e à reparação dos danos patrimoniais que resultem da ofensa de interesses ou direitos individuais homogéneos, coletivos ou difusos; à proteção jurídica e a uma justiça acessível e pronta; e à participação, por via representativa, na definição legal ou administrativa dos seus direitos e interesses. Todos estes direitos têm de ser respeitados no âmbito do marketing de influência, bem como em qualquer tipo de publicidade.

Por fim, importa mencionar o artigo 15º, que regula a publicidade testemunhal, na qual se insere o tipo de publicidade denominada comummente por review. Este tipo de publicidade tornou-se particularmente popular, especialmente quando os influenciadores partilham a sua experiência com determinado produto ou serviço. Segundo o artigo mencionado, esta publicidade deve integrar depoimentos personalizados, genuínos e comprováveis, ligados à experiência do depoente ou de quem ele represente.

No que respeita à responsabilidade civil, o artigo 30º do Código da Publicidade determina que respondem civil e solidariamente pelos prejuízos causados a terceiros pela difusão de mensagens publicitárias ilícitas: os anunciantes, os profissionais, as agências de publicidade e quaisquer outras entidades que exerçam a atividade publicitária e ainda os titulares dos suportes publicitários utilizados ou os respetivos concessionários. No nº 2 do artigo excecionam-se desta responsabilidade os anunciantes que provem não ter tido conhecimento prévio da mensagem publicitária veiculada.

Abordando ainda o regime sancionatório aplicável em caso de violação destas regras, este é um fator de risco que pode ser desconhecido pelos influenciadores e outros anunciantes que usam os meios digitais para publicitar conteúdo comercial. O artigo 34º do Código da Publicidade estabelece que, pelas infrações à maioria das disposições do Código, poderão ser aplicadas coimas de 1750 a 3750 euros ou de 3500 a 45 mil euros, caso o infrator seja pessoa singular ou coletiva. O nº 2 do artigo indica ainda que a negligência é sempre punível nos termos gerais. Finalmente, o artigo 35º aborda a responsabilidade pela contraordenação, estabelecendo que poderão ser responsabilizados todos os intervenientes na emissão da mensagem publicitária.

Importa notar que o regime sancionatório em Portugal pune de forma bastante leve quando comparado com outros países da União Europeia, como por exemplo em França. A Lei francesa nº 2023-451, que regula a publicidade feita por influenciadores nas redes sociais, prevê no artigo 5º uma pena de dois anos de prisão e multa de 300.000 euros pela publicidade não devidamente identificada.

Encerrado o enquadramento legal, importa analisar com maior atenção o já mencionado Guia informativo “A Publicidade e o Marketing de Influência”, cuja versão atualizada foi publicada em novembro pela DGC. O documento pretende sensibilizar todos os intervenientes para o cumprimento da lei em matéria de publicidade e para boas práticas na comunicação comercial digital. A nova atualização reforça o guia com novos temas e orientações, de modo a acompanhar a evolução das redes sociais e o crescente investimento das marcas nesse tipo de comunicação comercial.

Esta nova versão aprofunda matérias como as restrições previstas no Código da Publicidade, inclui novos tópicos e incorpora também algumas das restrições previstas no regime das práticas comerciais desleais. Importa referir que, nesta versão, as recomendações que dizem respeito às melhores práticas para identificar os conteúdos comerciais como publicidade, passam a refletir o alinhamento com os 5 Princípios Fundamentais das autoridades europeias de fiscalização da proteção do consumidor.

O Guia identifica três indicadores-chave para determinar se um influenciador está sujeito às regras da publicidade: (i) o conteúdo gerado nas redes sociais inclui a promoção de marcas ou produtos; (ii) recebimento de alguma forma de contrapartida, como pagamento monetário, serviços, bens ou experiências em troca de publicações de modo a comercializar bens ou serviços, direta ou indiretamente; e por fim, (iii) o influenciador atua no âmbito de uma atividade profissional ou em nome e por conta de um profissional, mesmo que não de forma exclusiva. Concluindo, ao existir uma relação comercial na promoção de bens e serviços, as regras aplicáveis à publicidade devem ser cumpridas por todos os intervenientes na cadeia de produção publicitária, incluindo os influenciadores.

Deste modo, verificando-se uma relação comercial, o influenciador tem o dever de identificar as publicações como publicidade, seguindo o princípio da identificabilidade, bem como qualquer norma legal aplicável. De acordo com a DGC, deve ser utilizado no início das publicações, as indicações #PUB, #PUBLICIDADE ou #ANÚNCIO PUBLICITÁRIO, adaptando à plataforma em causa. Se existir outro tipo de benefícios, deve haver lugar a uma identificação cumulativa de #PATROCÍNIO ou #PATROCINADO. Também poderá haver uma identificação complementar na língua inglesa: #ADVERTISEMENT ou #ADVERTISING e #SPONSORSHIP ou #SPONSORED, acompanhada pelas identificações em português. O influenciador deve também recorrer às ferramentas de publicação de anúncios que algumas plataformas já oferecem, como etiquetas que indicam conteúdo patrocinado.

O Guia da DGC refere ainda algumas más práticas na identificação das publicações, como inserir as hashtags referidas apenas no meio ou no final da publicação, porque não permite uma identificação imediata e adequada da comunicação comercial. Outro exemplo de má prática é a identificação da publicidade em partes da publicação apenas acessíveis ao carregar num link ou na opção “saiba mais”. 

Tendo em conta as normas legais mencionadas, bem como boas práticas no âmbito do marketing de influência, será que em Portugal estas são cumpridas? Para responder a esta questão importa proceder à análise de ações de fiscalização dos últimos três anos realizadas pela DGC.

Analisando a ação de fiscalização de final de 2023/início de 2024, a DGC fiscalizou 366 mensagens, de 20 influenciadores, na rede social Instagram, relativas a 137 empresas, de modo a verificar o cumprimento da legislação acerca da identificação clara e inequívoca da relação comercial entre o influenciador e a marca/empresa. Registou-se que 28% das mensagens (102 de 366) não identificavam a relação comercial entre influenciador e empresa, abrangendo 55% das empresas (76 de 137) em que não existia identificação. Contudo, alguns influenciadores cumpriam as normas aplicáveis numas mensagens e noutras não. No seguimento da fiscalização foram instaurados os devidos processos de contraordenação contra os influenciadores bem como contra as marcas/empresas que foram publicitadas sem a devida identificação.

A seguinte ação de fiscalização realizada pela DGC, em outubro de 2024, incidiu sobre a publicidade divulgada por influenciadores portugueses também na rede social Instagram. Na ação foram analisadas 457 mensagens publicitárias, relativas a 67 empresas, em formato de publicações e vídeos (stories), divulgadas por 30 influenciadores. Verificou-se uma taxa de cumprimento das normas aplicáveis de 82% pelas empresas (55 de 67 total) e de 66% pelos influenciadores com 10 mensagens publicitárias com infração (2% do total de 457). Relativamente aos casos de infração registados, estes tiveram origem na falta de identificação clara de conteúdos comerciais, designadamente a ausência da referência #Pub no início das publicações. A DGC realizou uma comparação com os últimos dados de fiscalização e registou uma melhoria significativa da taxa de cumprimento dos influenciadores (de 5% para 66%) e dos operadores económicos (de 50% para 82%).

Dando seguimento a esta monitorização, foi também realizada uma ação de fiscalização pela DGC em outubro de 2025, publicada em novembro, relativa à publicidade divulgada por influenciadores digitais portugueses, através das suas contas nas plataformas Instagram e TikTok. No decorrer da ação foram analisados 417 conteúdos comerciais de 10 influenciadores digitais referentes a 43 marcas. Registou-se uma taxa de cumprimento da legislação por parte destes influenciadores de 90% (9 de 10), sendo que 99% dos conteúdos comerciais verificados estavam identificados como publicidade. Contudo, foram detetados indícios de violação do Princípio da Identificabilidade do Código da Publicidade por um influenciador digital, pela falta da menção a #Pub.

Com base nestes resultados, é possível observar que houve uma melhoria significativa nos últimos dois anos da tendência de cumprimento da legislação aplicável à publicidade, com 90% de taxa de cumprimento da legislação pelos influenciadores, face a 66% em 2024 e a 5% em 2023/início de 2024. Este panorama permite fazer um balanço bastante positivo para o marketing de influência, porém seria importante alargar a amostra destas fiscalizações. A DGC tem-se comprometido a continuar estas ações de fiscalizações e monitorização de modo a contribuir para esta tendência de crescimento de cumprimento das normas, investindo nos seus eixos complementares à fiscalização: prevenção e capacitação.

Por outro lado, para uma análise a nível europeu, importa notar o relatório de 2024 da Comissão Europeia sobre o cumprimento de legislação europeia por influenciadores, principalmente a Diretiva 2005/29/CE, relativa a Práticas Comerciais Desleais.

No relatório de fevereiro de 2024, a Comissão Europeia investigou 576 influenciadores em várias plataformas de redes sociais, nomeadamente Instagram, Tiktok, Youtube, Facebook, X, Snapchat e Twitch, num estudo no qual participaram 22 países da União Europeia e também a Noruega e Islândia. Verificou-se que 97% das publicações dos influenciadores monitorizados continham conteúdo comercial, mas apenas 20% indicavam sistematicamente que o conteúdo era publicitário. Registou-se também que apenas 40% dos influenciadores analisados apresentavam a identificação publicitária durante a totalidade da comunicação e que 34% tinham essa identificação disponível sem serem necessários passos adicionais, como o “ver mais” ou “scroll down”. Ainda quanto à identificação, 38% dos influenciadores não utilizaram a etiqueta de publicidade da plataforma Instagram e, em alguns casos, optaram por utilizar expressões diferentes como “colaboração” (16%), “parceria” (15%) ou um agradecimento genérico à marca (11%). Na sequência deste relatório, 358 influenciadores foram demarcados para investigação adicional e terão sido contactados pelas autoridades nacionais.

Ainda no panorama europeu, importa mencionar que, em 2023, a Comissão Europeia lançou o Influencer Legal Hub, que disponibiliza informação prática para o cumprimento da legislação da União Europeia por parte dos influenciadores digitais.

Em síntese, a crescente relevância do marketing de influência transformou a dinâmica da comunicação comercial, ampliando tanto as oportunidades para marcas e criadores de conteúdo como os riscos para os consumidores. 

As ações de fiscalização da DGC demonstram uma evolução muito positiva, possivelmente revelando maior consciencialização dos influenciadores e das empresas que recorrem a este tipo de comunicação. Contudo, os dados à escala europeia, talvez devido ao tamanho elevado da amostra comparada utilizada, mostram que persistem lacunas no cumprimento das normas, o que reforça a necessidade de cooperação transnacional, de contínua formação dos intervenientes e de mecanismos de fiscalização para promover uma tendência de cumprimento.

Apesar dos progressos alcançados, o desafio mantém-se em assegurar que o marketing de influência se desenvolve de forma ética, responsável e plenamente alinhada com os princípios da transparência e da proteção do consumidor. Num contexto em que a fronteira entre conteúdo pessoal e promoção comercial é por vezes ténue, cabe a influenciadores, marcas e plataformas assumir um compromisso ativo com práticas claras e legais, contribuindo para um ambiente digital mais seguro, informado e confiável para todos.

Do #NOFILTER ao #FILTERDROP: o esforço legislativo no combate à distorção digital da beleza

Doutrina

Tem circulado pela internet nos últimos dias a notícia de que fora sancionada no último dia 11, através do Decreto Legislativo 146 (2020-2021), a emenda à Lei de Marketing norueguesa, que “visa ajudar a reduzir a pressão corporal na sociedade devido às pessoas idealizadas na publicidade[1]. Após uma esmagadora votação de 72 votos a favor e 15 contra, a alteração legislativa passa a obrigar os influenciadores digitais a identificar as fotografias que tenham sido retocadas. As redes sociais visadas pela medida vão desde o Instagram, passando pelo Facebook, TikTok, Twitter e Snapchat.

Não é de hoje que o NOVA Consumer Lab tem trabalhado sobre a influência das redes sociais e das tecnologias sobre o comportamento social. Mais do que nunca, as redes sociais deixaram de ser meros instrumentos de compartilhamento de rotina e vida pessoal, com fotos de família, crianças e animais para ceder espaço ao lucro e à comercialização de produtos e serviços. Hoje, a regra é clara: curvas incríveis, padrões inigualáveis e um quase “conto de fadas da beleza”.

Por trás da perfeição dos corpos e lifestyle presentes nas mídias sociais, sob a égide da despretensiosa naturalidade, estão, entretanto, os patrocínios, parcerias, publicidades e, sobretudo, os inúmeros retoques às fotos e vídeos publicados por aqueles que ditam, para além de tendências, o novo ideal de vida e beleza.  Naomi Wolf, autora feminista e ativista dos direitos civis nos EUA, já em 1992 apontava o fato de o mito da beleza estar sempre prescrevendo comportamentos, não aparência[2]. Cada vez mais incomodados com os resultados sociais advindos dessa dita pressão estética, reguladores e legisladores pelo mundo estão a reagir à propaganda da perfeição aparente. Em fevereiro deste ano, logo após uma campanha que circulava dentro das próprias redes sociais (#filterdrop), a Advertising Standards Authority (ASA) – agência reguladora de propagandas do Reino Unido, aprovou uma legislação muito semelhante à norueguesa, e passou a determinar que os influenciadores digitais do país não fizessem mais uso de filtros “enganosos” em campanhas com produtos de beleza nas mídias.

Na França, desde 2017, vigora a determinação de obrigatoriedade da mensagem “photografie retouchée” para fotos que tenham sofrido qualquer tipo de alteração por programas digitais, demonstrando o esforço por tornar a mídia mais responsável em termos de publicidade.

Já na Noruega, a regra visa proibir que os influenciadores compartilhem imagens sem a devida sinalização de retoque e uso de filtros de beleza, os quais foram projetados para melhorar a aparência, incluídos como recursos comuns aos aplicativos de redes sociais atuais. Proposta pelo Ministério da Infância e da Família, a lei integra os esforços públicos de contenção da distorção de imagem no país, devendo ser seguida por todos influenciadores e celebridades que recebam pagamento para criação de anúncios nas redes com uso de técnicas de pré e pós-produção de imagem. O não cumprimento da lei pode implicar não somente em sanções pecuniárias, como também pena de prisão.

Acerca da construção de um ideal de beleza física e da influência das redes sociais sobre o bem-estar, uma pesquisa recente realizada pela Dove, e conduzida pela Edelman Data & Intelligence, com mulheres dos EUA, Reino Unido e Brasil, aponta que 84% das jovens com 13 anos já aplicaram filtro ou realizaram algum tipo de edição em suas fotos. Os dados divulgados pela pesquisa ainda tratam do fato de que mais da metade das mulheres se compara com as fotos publicadas na internet, além de temer publicar fotos de seu corpo em virtude dos padrões atualmente estabelecidos.

Em Portugal, a pesquisa aponta que 2 em cada 3 raparigas tentem mudar ou esconder pelo menos uma parte do corpo antes de publicarem uma fotografia sua, tal como a cara, o cabelo, a pele, a barriga ou o nariz, para removerem “imperfeições” e corresponderem a padrões de beleza irrealistas”.

As técnicas de produção que aprimoram ou alteram uma imagem com fins comerciais não são novidade no mundo da publicidade e exige atenção dos consumidores que, em razão dos retoques realizados, possam vir a ser enganados pelas alegações visuais exageradas ou, até mesmo, impossíveis de atingir. Em Portugal, o tema ainda não tem nenhum tipo de tratamento especial, embora vigore o Código da Publicidade e a Constituição da República Portuguesa estabeleça, no art. 60º, a proibição à publicidade considerada oculta, o que, em nossa visão, pode estar pressuposta em posts relacionados a produtos e serviços de estética, alimentação ou emagrecimento, por exemplo.

No mesmo sentido, a Entidade Reguladora da Saúde, em 2015, após a aprovação do Decreto-Lei n.º 238/20, tornou-se a entidade competente para a fiscalização em matéria de publicidade em saúde. A normativa é mais uma a prescrever a obrigatoriedade de clareza na publicidade, em seu art. 7.º, ainda que não trate especificamente da abordagem relacionada às redes sociais. 

Fato é que padrões de beleza sempre existiram e as características ideais variam ao longo da história. A despeito do esforço legislativo em favor do combate à distorção digital de corpos e da construção de padrões inatingíveis de beleza física, normalmente ocultos sob retoques e adaptações de imagem, é preciso notar que nem sempre o Direito terá as soluções para problemas cujas raízes são de cunho muito mais social, e psíquico, do que legal. Atualmente, até mesmo a mercantilização do movimento “body positive” pode impedir uma autêntica solução da questão que, historicamente, remonta ao uso de espartilhos, pílulas de arsênicos, maquiagens com chumbo e dietas absurdamente restritivas.

Ainda que os instrumentos regulamentares sejam necessários e possamos enxergá-los como meios hábeis a reduzir a pressão sobre a imagem física, é preciso compreender o espectro limitado dessas atuações e recordar que a idealização da beleza é muito mais profunda e complexa do que a utilização de filtros. Não podemos, não queremos e nem devemos nos reduzir a somente legislar o tema, quando é preciso discutir seriamente questões como representação, sexualização e objetificação do corpo como instrumento comercial, atentos ao fato de que redes sociais são mais do que redes de socialização, mas grandes empresas voltadas, sobretudo, ao lucro.


[1] Tradução da Decisão resumida da emenda legislativa à Lei de Marketing, 2009, da Noruega.

[2] WOOLF, N. O Mito da Beleza. Como as Imagens de Beleza são usadas contra as Mulheres. Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro. Ed. Rocco, 1992