Iniciamos hoje uma série de posts dedicados à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no primeiro semestre de 2020. Selecionamos, para o efeito, as 16 decisões que, debruçando-se sobre pedidos de reenvio prejudicial de tribunais dos Estados-Membros, tratam matérias de direito do consumo.
Começamos com o tema do conceito de consumidor, presente em duas decisões do TJUE.
No Processo C-329/19 (acórdão de 2 de abril de 2020), o tribunal é chamado a pronunciar-se sobre a qualificação do condomínio como consumidor, matéria que já tratamos aqui no blog a propósito de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça. Estava em causa, neste caso, a aplicação da Diretiva 93/13/CEE, relativa às cláusulas abusivas.
O TJUE conclui que o condomínio não é consumidor para efeitos da Diretiva, mas que os Estados-Membros têm liberdade no sentido de qualificar o condomínio como consumidor no direito interno.
Mantém-se aqui a orientação no sentido de que os Estados-Membros podem alargar o âmbito de aplicação subjetivo das diretivas de proteção do consumidor, mesmo que estas sejam de harmonização máxima, podendo os direitos nacionais enquadrar quaisquer pessoas como consumidores.
No Processo C‑500/18 (acórdão de 2 de abril de 2020), está em causa o conceito de consumidor para efeitos de aplicação do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, relativo à competência judiciária.
O tribunal conclui que “uma pessoa singular que, ao abrigo de um contrato como o contrato financeiro por diferenças celebrado com uma sociedade financeira, efetua operações financeiras por intermédio dessa sociedade, pode ser qualificada de «consumidor», na aceção dessa disposição, se a celebração desse contrato não se inserir no âmbito da atividade profissional dessa pessoa, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”.
Defende ainda o tribunal que não são decisivos para a qualificação “o facto de essa pessoa ter efetuado um elevado número de transações num período relativamente curto ou ter investido elevadas quantias nessas transações”. Isto significa que o número de transações e/ou o seu montante não constituem indícios suficientes para concluir se o investidor é consumidor.
Em sentido contrário, também não releva por si só “o facto de essa pessoa ser um «cliente não profissional»”, nos termos da Diretiva 2004/39/CE, relativa aos mercados de instrumentos financeiros. Assim, a qualificação como “cliente não profissional” não implica necessariamente a qualificação da pessoa em causa como “consumidor”.
Iremos analisar mais catorze decisões do TJUE em futuros posts, sendo o próximo desta série dedicado a cláusulas contratuais gerais.