Então e a sustentabilidade?

Legislação

O diploma que regula a venda de bens de consumo em território nacional não deixa dúvidas: em caso de desconformidade, o consumidor tem direito à reparação, à substituição, à redução do preço ou à resolução do contrato. Mas até uma redação escorreita como esta tem feito correr mais tinta na jurisprudência e na doutrina do que aquela que seria de esperar.

Não é novidade a velha discussão sobre a existência ou inexistência de hierarquia entre os acima citados direitos. Muitos apontam a crescente gravidade das soluções plasmadas como uma clara opção do legislador no sentido de atribuir uma hierarquia entre os direitos. Por seu turno, outros (a grande maioria) clamam pela clareza da lei ao não dispor no sentido da existência dessa hierarquia. E a questão parecia estar mais ou menos saldada.

Com a nova Diretiva sobre a venda de bens de consumo (a Diretiva (UE) 2019/771 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019), fica claro que, depois de transposta, a legislação nacional terá definitivamente de prever a existência de hierarquia entre direitos. Daqui resultará que a disposição nacional deverá passar a dar prevalência ao direito de reparação e ao direito de substituição, em detrimento do direito de redução do preço e do direito de resolução do contrato.

A questão que se coloca é: porquê? Que o direito à reparação é provavelmente a melhor solução do ponto de vista da manutenção contratual, bem como de um ponto de vista ambiental, já nós sabemos. Mas de que modo se justifica a prevalência do direito à substituição, no mesmo pódio que o direito à reparação? Que é pela manutenção da relação contratual, também já nós sabemos. Não será, no entanto, caso para perguntar: então e a sustentabilidade?

Na era da reciclagem, da circular economy, da compra em segunda mão, da reutilização, do movimento zero waste, de que forma a substituição do bem é uma solução sustentável?

Covid-19 e a cobrança de equipamentos de proteção individual em estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde

Legislação

Muitos dos leitores já terão tido a oportunidade de se dirigir a um estabelecimento privado, social ou cooperativo de prestação de cuidados de saúde e sido informados sobre o aumento do preço da consulta, por motivos relacionados com a aquisição de equipamentos de proteção individual, utilizados no âmbito da epidemia SARS-CoV-2 e da infeção epidemiológica por Covid-19.

O crescente número de pedidos de informação suscitou, inclusive, a necessidade de a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) emitir o Alerta de Supervisão n.º 3/2020. Assim, assevera a ERS que é permitida a inclusão no preço de tais equipamentos, desde que haja a previsão desses custos numa tabela de preços disponível ao público. Decorrerá tal entendimento da já conhecida necessidade de o utente ter, na sua esfera, os necessários elementos a uma tomada de decisão esclarecida no momento da contratação, dos quais o montante a pagar é, naturalmente, um ponto fundamental no processo decisório.

Resta esclarecer, no entanto, qual o raciocínio jurídico a aplicar às consultas anteriormente agendadas, cujo preço estava já previamente acordado. Isto é, deverá a situação ímpar dos tempos em que vivemos justificar a alteração unilateral do preço? Ou deverá, em alternativa, ser honrado o contrato anteriormente celebrado e abster-se o profissional da cobrança do montante adicional, onerando a sua própria posição contratual?

Fica também por ilustrar qual o limite de aumento que uma tal cobrança poderá implicar. É sabido que a estas entidades prestadoras de cuidados de saúde é permitido o estabelecimento do preço. Contudo, não deixará de preocupar que uma determinada prestação de serviço que, numa situação normal, implicaria, por exemplo, o pagamento de 10 euros, permita agora a cobrança de um valor total de 25 euros, à ordem do cumprimento de aquisição de equipamentos de proteção individual.

Aproximam-se tempos curiosos. E de muita substância para o direito do consumo.