Nas últimas semanas têm sido várias as notícias sobre a entrada em vigor do novo regulamento da portabilidade. Entre as novidades destacadas pela comunicação social, sobressai a ideia de que as operadoras de telecomunicações passam agora a estar proibidas de cobrar pela portabilidade dos números de telemóvel. Mas será mesmo essa a novidade?
A Lei n.º 16/2022, de 16 de Agosto (Lei das Comunicações Eletrónicas – LCE), reconhece, há muito, queo utilizador dos serviços de comunicações eletrónicas tem o direito à portabilidade dos números – artigo 113.º n.º 1, alínea r) da LCE – sendo-lhe garantida a manutenção do seu número, no âmbito do mesmo serviço, independentemente da empresa que oferece os serviços (n.º 1 do artigo 141.º da LCE), quer se trate de (a) números geográficos, associados a um local/área geográfica específica; ou de (b) de números não geográficos, em todo o território nacional, incluindo os números móveis (telemóveis), nómadas, de chamadas gratuitas e de tarifa majorada (cfr. alíneas w) e x) do artigo 3.º da LCE)
A portabilidade, introduzida nas redes fixas a 30 de Junho de 2001 e nas redes móveis a 1 de Janeiro de 2002, vem, desde então, sendo entendia como “a funcionalidade através da qual os assinantes dos serviços telefónicos acessíveis ao público que o solicitem podem manter o seu número ou números, no âmbito do mesmo serviço, independentemente da empresa que o oferece, no caso de números geográficos num determinado local, e, no caso dos restantes números, em todo o território nacional” [1]. A terminologia “assinantes dos serviços telefónicos” (Regulamento n.º 58/2005, de 18 de agosto) foi depois substituída por “assinantes de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público” (Regulamento n.º257/2018, de 8 de maio) e hoje por “utilizadores finais titulares de contratos associados a números incluídos no PNN” (Regulamento n.º 38/2025, de 9 de janeiro).
No fundo, falamos da possibilidade de mudar de operadora sem o transtorno de ter de, obrigatoriamente, mudar de número.
Se, há duas décadas, esta funcionalidade era sobretudo conveniente, hoje tornou-se indispensável. Pense-se no número de serviços e contas, incluindo mecanismos essenciais de identidade e autenticação digital, que temos atualmente associados ao nosso número de telemóvel – como a Chave Móvel Digital (ID.GOV), os acessos bancários, as validações de e-mail e serviços públicos online, por exemplo. A possibilidade de manter o nosso número de telemóvel em caso de mudança de operador chega a ser, a nosso ver, uma questão de identidade digital. Ao mesmo tempo, o mercado atual oferece-nos uma tão vasta panóplia de operadores e modelos contratuais que, por si só, justificam a existência de um modelo facilitador (e gratuito) da decisão de mudar, ou não, de operador.
O primeiro Regulamento da Portabilidade (RP), o Regulamento n.º 58/2005, de 18 de agosto, foi aprovado a 22 de julho de 2005 pela ANACOM (à data ICP-ANACOM) e publicado em Diário da República a 18/08/2005. No seu preâmbulo, afirmou-se como objetivo primordial estabelecer “os princípios e regras aplicáveis à portabilidade nas redes telefónicas públicas”, tendo em conta a “experiência colhida da implementação da portabilidade desde o seu início.”
O Regulamento n.º 58/2005, de 18 de agosto, foi, entretanto, alterado pelos Regulamentos n.º 87/2009, de 18 de fevereiro, n.º 302/2009, de 16 de julho, e n.º 114/2012, de 13 de março, e, mais recentemente, pelo Regulamento n.º 257/2018, de 8 de maio. [2]
O Regulamento n.º 257/2018, de 8 de maio, introduziu novos e importantes conceitos, como o “Código de validação da portabilidade” – identificador que permite ao prestador doador ou detentor identificar univocamente o assinante e o(s) seu(s) número(s) para efeitos de portabilidade – e alargou o horário de utilização da «Janela de Portabilidade» [3]. Veio ainda reiterar a irrenunciabilidade do direito do utilizador a manter o número ao mudar de prestador e proibiu a privação do acesso à portabilidade por questões contratuais e abusivas. Ademais, de uma maneira geral, no que diz respeito à tramitação do processo de portabilidade, passou a exigir-se às empresas, de forma clara e expressa, uma postura colaborativa e de boa-fé, com vista à celeridade do processo. Nesse sentido, dispõe ainda o artigo 141.º, n. º 3, da LCE que“as empresas não podem atrasar nem cometer abusos nos processos de portabilidade”.
A título exemplificativo, o artigo 6.º, n.º 2, impunha que, perante uma denúncia associada a um pedido de portabilidade, o PD (Prestador de Origem/ Prestador Detentor) tivesse a obrigação de informar “de forma isenta o assinante de que essa denúncia deve ser apresentada junto do PR [Prestador Recetor].”
Foi a redação dada pelo Regulamento n.º 257/2018, de 8 de maio, que vigorou nos últimos cerca de 7 anos, e até 10/10/2025, data em que foi substituído pelo Regulamento n.º 38/2025, de 9 de janeiro. Este “novo” Regulamento da Portabilidade foi publicado no Diário da República no dia 9 de janeiro de 2025 e procedeu à revogação do Regulamento n.º 58/2005, de 18 de agosto (artigo 34.º, n.º 1), estabelecendo, no entanto, uma vacatio legis de 10 meses “após a sua publicação no Diário da República” (artigo 35.º, n.º 1). Tal facto prende-se com a necessidade de proporcionar às empresas/operadoras o tempo necessário para a implementação das novas medidas técnicas e alterações processuais e em sistemas.
O “novo” Regulamento mantém como objetivo primordial assegurar a efetividade da portabilidade, mas introduz regras destinadas a assegurar maior eficácia, celeridade e uniformização de procedimentos. Como refere o próprio preâmbulo, foram mantidas a “maioria das disposições do Regulamento n.º 58/2005, de 18 de agosto, com as várias alterações que lhe foram sendo introduzidas, (…) que, sendo compatíveis com a LCE, continuam a ser necessárias e adequadas para garantir que a portabilidade de números entre as empresas ocorra de forma eficaz, assegurando a continuidade da prestação do serviço aos utilizadores finais (…)”.
Mas a grande novidade desta nova regulamentação não consiste, a nosso ver, na proibição de as operadoras de telecomunicações cobrarem pela portabilidade de números de telemóvel.
O artigo 6.º, n.º 3, do revogado Regulamento da Portabilidade já proibia o Prestador Detentor de “exigir ao seu assinante qualquer pagamento pela portabilidade do número”. Paralelamente, estabelecia-se a obrigação de o Prestador de Origem, mediante solicitação do assinante, fornecer imediatamente e em suporte durável o Código de Validação da Portabilidade (CVP) — elemento indispensável ao pedido eletrónico de portabilidade — não podendo a existência de eventuais dívidas constituir fundamento de oposição à portabilidade (artigos 12.º-A, n.º 8, e 13.º, n.º 7, do revogado Regulamento da Portabilidade). Significa isto que a portabilidade deveria já ser assegurada mesmo que existisse um contrato de fidelização ativo ou dívidas ao operador antigo, o que em qualquer caso não significava que eventuais dívidas fossem “esquecidas”. As contas a acertar com o operador antigo continuavam em aberto.
Estas disposições encontram hoje correspondência nos artigos 5.º, n.º 9, 12.º, n.º 11, e 15.º, n.º 4, respetivamente, do “novo” Regulamento. O que o “novo” Regulamento nos traz é um reforço ao princípio da gratuitidade da portabilidade, extensível a todas as empresas envolvidas no processo de portabilidade, e ainda a clarificação de que a proibição de exigir qualquer pagamento pela portabilidade do número abrange todos e quaisquer custos diretos relativos à portabilidade do número, nomeadamente taxas ou quaisquer encargos.
Efetivamente, enquanto o antigo artigo 6.º, n.º 3, limitava a proibição de exigir pagamento apenas ao Prestador Detentor/Doador, o novo Regulamento alarga expressamente esta proibição. O novo artigo 5.º, n.º 9, determina que:
“As empresas não podem cobrar aos utilizadores finais titulares do contrato associado ao número encargos diretos relativos à portabilidade do número.”
Destaca-se ainda que, no caso de portabilidade de números afetos a serviços pré-pagos, o PD é obrigado a reembolsar ao utilizador qualquer crédito remanescente respeitante ao número portado, podendo cobrar um encargo máximo de 1 euro por operação, com reembolso a ser feito em até 10 dias úteis – cfr. artigos 6.º, n.º 2, e 24.º do novo Regulamento. Neste cenário, e apenas caso esteja previsto no contrato, admite-se que o reembolso tenha encargos para o utilizador, cujo valor deverá ser “proporcionado e baseado nos custos efetivamente suportados pela empresa que realiza o reembolso” – cfr. artigo 24.º, n.ºs 1 e n.º 2 do Regulamento da Portabilidade e artigo 140.º, n.ºs 9 e 10 da Lei das Comunicações Eletrónicas.
Destaca-se aqui outras alterações significativas:
1. A obrigação de o novo operador garantir que a portabilidade e ativação do número ocorre na data acordada com o utilizador, ou até um dia útil após essa data (exceto quando for necessária instalação, caso em que será até um dia útil após instalação, ou dois dias úteis caso a instalação ocorra após as 17h) – cfr. Art. 11.º, n.os 7 e 8.
2. O utilizador final mantém o direito de portar o seu número (ainda que inativado) para outra empresa durante 3 meses após a cessação do contrato com o PD, salvo renúncia expressa no momento da desativação – o chamado “Tempo de Quarentena” (cfr. artigos 2.º, n.º 2, alínea ff), 3.º, n.º 2, alínea c), a contrario, e 19.º, n.º 1.
3. Mantém-se e aprofunda-se o regime de compensações por atraso ou falha na portabilidade e introduzem-se compensações adicionais em caso de incumprimento:
a) 10,00€ (dez euros) por incumprimento de intervenções físicas agendadas que obriguem à remarcação – Cfr. art. 29.º, n.º 3;
b) 3,00€ (três euros) por cada dia completo de atraso na portabilidade – cfr. art. 29.º, n. º 2, al. a);
c) 23,00€ (vinte e três euros) por cada dia de interrupção do serviço, até ao máximo de 5.750,00€ (cinco mil setecentos e cinquenta euros) por pedido de portabilidade – cfr. art. 29.º, n.º 2, al. b);
d) 23,00€ (vinte e três euros) por cada dia em que um número se mantenha indevidamente portado, em caso de portabilidade indevida, até ao máximo de 5.750,00€ (cinco mil setecentos e cinquenta euros) por pedido de portabilidade – cfr. art. 29.º, n.º 1, al. d).
[1] Preâmbulo do Regulamento n.º 58/2005, de 18 de agosto
[2] Este último, objeto de alteração pelo Regulamento n.º 85/2019, publicado a 21 de janeiro, que procedeu à alteração do artigo 6.º, n.º 1, alínea b), referente à entrada em vigor das disposições previstas no artigo 2.º, do n.º 8 do artigo 7.º e dos artigos 8.º, 9.º, 12.º, 12.º-A, 13.º, 14.º, 17.º, 18.º e 23.º-A, cuja previsão passou a determinar “que entram em vigor no dia 11 de maio de 2019”, ao invés de 9 meses após a sua publicação.
[3] O horário da «Janela de Portabilidade» refere-se ao período de três horas consecutivas, durante o qual ocorre a portabilidade ou alteração de NRN (Network Routing Number) – Os NRN “são números usados como prefixos que, antepostos aos números portados, permitem identificar e reencaminhar as chamadas para a rede do prestador para onde os números foram portados.”
