Por Ana Xavier Soares, Bárbara Ferreira Alves, Graça Saúde, Diana Silva Cruz, Eveline Rodrigues de Areia, Felipe Caires, Filipa Farinha Santos, Filipa Osório Dias, Joana de Almeida, Jorge Morais Carvalho, Maria João Carapinha, Maria Clara Bauly, Mariana Brighton, Nuno Matias Gaspar, Rita Gomes Moreira, Sílvia Afonso e Vera Teodoro
No dia 11 de setembro, teve início a Pós-Graduação em Direito do Consumo, organizada pela NOVA School of Law Executive Education. Os participantes foram desafiados, desde logo, a indicar as vantagens e as desvantagens da dispersão da legislação de consumo em Portugal. Neste texto, reflete-se sobre esta questão, revelando uma análise rica e equilibrada[1].
A dispersão da legislação de consumo em Portugal tem sido objeto de debate académico e político há décadas. Em 2006, na sequência do trabalho de uma Comissão liderada por António Pinto Monteiro, chegou a ser apresentado um Anteprojeto de Código do Consumidor, que não teve seguimento, mas que reacendeu a discussão sobre os méritos e os limites da codificação nesta área. Hoje, essa questão continua atual: será preferível manter uma abordagem dispersa, com diplomas setoriais e especializados, ou avançar para uma codificação que sistematize e torne mais acessível o Direito do Consumo?
Este dilema foi explorado pelos/as estudantes da Pós-Graduação em Direito do Consumo da NOVA School of Law, que responderam ao desafio de identificar as vantagens e desvantagens da dispersão legislativa. As suas reflexões revelam uma análise profunda e ponderada, que aqui se sintetiza.
A dispersão permite uma regulação especializada, ajustada às especificidades de cada setor económico. Áreas como as telecomunicações, os transportes ou os serviços digitais beneficiam de normas técnicas mais detalhadas, preparadas por especialistas na matéria, que dificilmente caberiam num código único. Esta especialização favorece uma proteção mais eficaz dos consumidores em contextos específicos.
Outro argumento apresentado no sentido da dispersão é a flexibilidade. A existência de diplomas avulsos facilita alterações legislativas pontuais, sem necessidade de rever um corpo normativo extenso. Esta agilidade é particularmente relevante num mercado em constante transformação, marcado pela inovação tecnológica e pela evolução resultante das diretivas europeias.
Destaca-se ainda que a dispersão pode estimular a criatividade jurídica, permitindo interpretações jurisprudenciais adaptadas ao contexto social e económico do momento.
Em sentido contrário, a dispersão acarreta dificuldades de acesso ao direito, sobretudo para os consumidores sem formação jurídica, mas também para pequenas empresas. A fragmentação normativa torna mais complexa a identificação das regras aplicáveis, comprometendo a clareza, a simplicidade e a transparência do sistema jurídico.
A multiplicidade de diplomas pode gerar insegurança jurídica, com riscos de regimes contraditórios e interpretações divergentes ou da existência de lacunas. A ausência de versões consolidadas agrava esta dificuldade, dificultando a consulta e a compreensão das normas.
Além disso, a dispersão pode comprometer o princípio da igualdade, ao tratar de forma desigual situações semelhantes reguladas por diplomas distintos. E exige uma maior dependência de entidades de apoio ao consumidor, o que pode limitar a autonomia informada dos cidadãos consumidores.
Esta reflexão recupera o debate sobre a codificação do Direito do Consumo. Embora a dispersão tenha algumas vantagens, reconhece-se que a existência de um Código do Consumo poderia facilitar o conhecimento das normas, promover a segurança jurídica e aproximar o direito dos cidadãos.
A codificação não teria de ser rígida ou exaustiva. Poderia coexistir com diplomas complementares, permitindo um equilíbrio entre sistematização e especialização, entre acessibilidade e adaptabilidade.
Em suma, a análise mostra que não há respostas simples, mas há caminhos possíveis. A solução poderá passar por uma codificação inteligente, que preserve a flexibilidade e a especialização setorial, sem sacrificar a clareza e a acessibilidade do Direito do Consumo. Um desafio que merece ser debatido e enfrentado com seriedade e visão de futuro.
[1] Tratando-se de um texto coletivo, é possível que alguma ideia não corresponda à perspetiva de todos os autores.
