A Revisão da Diretiva RAL: Modernização da Resolução Alternativa de Litígios na Era Digital

Doutrina

Ao longo dos últimos anos, os consumidores europeus têm cada vez mais recorrido aos mercados digitais, o que se repercutiu num aumento significativo de litígios de consumo, evidenciando as limitações nos mecanismos tradicionais de resolução de conflitos. Ora, a União Europeia tem reconhecido a necessidade de modernizar e simplificar as regras respeitantes aos litígios extrajudiciais, adaptando-as aos desafios dos mercados digitais. Atendendo aos benefícios inerentes aos meios de Resolução Alternativa de Litígios, a Comissão Europeia propôs, em 17 de outubro de 2023, em conjunto com um relatório de aplicação dos diplomas, não só a alteração da Diretiva RAL, documento analisado aqui no blog, como o fim da Plataforma ODR (entretanto já concretizada) e a sua substituição por uma nova ferramenta digital.

A Diretiva revista, aprovada pelo Conselho em 17 de novembro de 2025, visa tornar o quadro de RAL mais adequado aos mercados digitais, reforçar a utilização destes meios em litígios transfronteiriços.

De facto, esta revisão abrange o âmbito material e geográfico de aplicação da diretiva. Em primeiro lugar, no que respeita ao âmbito material, a diretiva é aplicável a litígios contratuais decorrentes da venda de bens ou prestação de serviços, o que inclui os serviços digitais, e reforça os direitos dos consumidores no âmbito pré-contratual. No que respeita ao âmbito geográfico, a diretiva é agora também aplicável a litígios emergentes a relações com comerciantes estabelecidos num país terceiro que direcionem as suas atividades para um Estado-Membro.

Esta diretiva procura, essencialmente, melhorar a eficiência e transparência dos procedimentos de RAL, tendo, para isso, introduzido novos requisitos processuais, que visam assegurar uma maior celeridade e transparência.

Neste sentido, os comerciantes, quando contactados por uma entidade de RAL, devem agora  comunicar em 20 dias ( ou 30 dias, em casos excecionais ou de maior complexidade )se pretendem participar no processo. Findo esse prazo, caso não seja obtida nenhuma resposta, presume-se a recusa do comerciante e, consequente, deverá proceder-se ao  encerramento do caso, informando-se o consumidor. Note-se que esta obrigação não é aplicável quando: (i) a participação do comerciante é imposta por lei (como sucede, em geral, em Portugal, nos conflitos com valor até 5.000,00€); (ii) os resultados da RAL podem ser alcançados com ou sem o seu consentimento; (iii) o comerciante se vinculou contratualmente à utilização de entidades de RAL.

A diretiva contempla ainda a possibilidade de utilização de inteligência artificial nos procedimentos de RAL,  impondo-se que as partes sejam informadas sobre a utilização destes meios no processo de tomada da decisão. Não obstante, as partes têm sempre o direito de solicitar que o resultado seja revisto por uma pessoa pertencente à entidade de RAL.

Ademais, de forma a garantir uma maior eficiência, a diretiva tornou também possível, em alguns casos, o bundling, isto é, o agrupamento de casos similares contra o mesmo comerciante.

A necessidade de modernização e simplificação levou também à substituição da Plataforma ODR por uma nova ferramenta digital, dada a fraca adesão a esta plataforma –  tratava, em média, apenas 200 casos por ano na UE. Esta nova plataforma, que deverá estar operacional no prazo previsto no ato legislativo final, fornecerá informações gerais ao consumidor sobre a resolução de litígios, ligações para as páginas das entidades de RAL e pontos de contacto, incluindo uma função de tradução automática. O principal objetivo será fornecer informações aos consumidores, incluindo sobre a utilização da RAL em contexto transfronteiriço, simplificando o acesso a esses meios.

A diretiva atualizada representa uma evolução do sistema, passando da utilização de um mecanismo focado principalmente em transações tradicionais (Diretiva 2013/11/UE), para um mecanismo otimizado para a era digital, capaz de lidar com a complexidade do comércio eletrónico, a proliferação de serviços digitais e as disputas transfronteiriças.

Os próximos passos para a adoção e incorporação da nova diretiva e respetivo regulamento passam agora pela sua aprovação em sessão de plenário do Parlamento Europeu, seguindo-se a sua publicação e, finalmente, a transposição para o direito nacional.

Trata-se de um passo extremamente importante, que visa modernizar e simplificar o quadro legal existente, abordando os atuais problemas sistémicos sentidos em muitos países da União Europeia, nomeadamente a baixa adesão, a fraca eficiência, bem como a falta de cobertura digital e transfronteiriça, colocando entraves ao acesso destes procedimentos de resolução de litígios, que se querem fáceis, de alta qualidade, rápidos e economicamente acessíveis. No que diz respeito a Portugal, país em que a RAL de consumo é bastante eficaz, importa, no essencial, que as novas regras potenciem o sistema, tornando-o ainda melhor.