Já em vários textos deste Blog falámos do regime das cláusulas contratuais gerais enquanto instrumento de proteção do consumidor, contraente mais fraco, que merece ampla proteção nestas situações.
Relembrando, as cláusulas contratuais gerais são, nos termos do art. 1.º do DL 446/85 de 25 de outubro (LCCG), as cláusulas elaboradas sem prévia negociação individual, que o proponente se limita a subscrever ou aceitar. A estas, aplica-se o regime da LCCG, sobre o qual incidiu a alteração de que aqui se falará.
Precisamente por não haver negociação individual, são impostos especiais deveres de informação e comunicação, nos arts. 5.º e 6.º, sob pena de exclusão das cláusulas do contrato, por força do artigo 8.º.
A este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de 28 de janeiro de 2021, já comentado neste blog, e que segue uma linha jurisprudencial já bem sedimentada, relembrou que não basta cumprir formalmente os deveres de informação, expondo as informações relevantes sem mais. É necessário que esse dever seja cumprido segundo critérios de razoabilidade, cumprindo materialmente o seu propósito de dar a conhecer todos os aspetos do contrato ao consumidor. Afinal, é essa a sua ratio.
Infelizmente, nestes contratos de adesão existe uma prática muito frequente de incluir em letras de menor tamanho informações bastante relevantes. Um consumidor medianamente atento provavelmente não irá reparar nestas cláusulas, pequenas no seu tamanho, e com um grande impacto normalmente associado.
Até agora esta questão das “letras pequeninas” tem sido enquadrada no incumprimento dos deveres de informação e comunicação, previstos nos arts. 5.º e 6.º. Neste sentido, veja-se, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de maio de 2008, ou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de outubro de 2016.
No entanto, foi esta semana aprovado na Assembleia da República o Projeto de Lei nº 532/XIV/2.ª (BE e PEV), que “procede ao reforço da transparência e dos efeitos da proibição de cláusulas gerais nos contratos de adesão”, alterando pela quarta vez o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro (LCCG).
No art. 1º deste Projeto de Lei, enuncia-se que esta alteração visa impor que as cláusulas dos contratos que incluem cláusulas contratuais gerais sejam redigidas com letra não inferior a tamanho 11, ou não inferior a 2.5 milímetros, e com um espaçamento entre linhas não inferior a 1.15.
Para tanto, é adicionada ao art. 21.º, sob a epígrafe “cláusulas absolutamente proibidas”, a alínea i), acrescentando ao seu elenco as cláusulas que violem as indicações objetivas referidas supra.
Vejamos: nos termos da LCCG, são proibidas as cláusulas contrárias à boa fé, à luz do art. 15.º. Trata-se, neste caso, de um critério subjetivo, cabendo ao intérprete a tarefa de, caso a caso, verificar se determinada cláusula contraria este princípio geral de direito.
Nas relações com consumidores finais, temos ainda as cláusulas absolutamente proibidas (art. 21.º) e as cláusulas relativamente proibidas (art. 22.º).
Ao passo que as cláusulas relativamente proibidas permitem ao tribunal a sua apreciação casuística, ainda que segundo um modelo objetivo, as cláusulas absolutamente proibidas são-no independentemente de valoração judicial, desde que constem do elenco previsto.
Assim, nas cláusulas absolutamente proibidas não há que fazer um juízo subjetivo. Se a situação se elenca num dos casos previstos nesse artigo, a cláusula será necessariamente nula, por força do art. 12.º.
Aplaudimos a intenção do legislador que, ao incluir esta prática no elenco do art. 21.º, tentou resolver uma situação que já há muito merecia uma tutela mais efetiva e, de certo modo, mais objetiva. Contudo, a esta alteração aplicar-se-ão os habituais problemas que decorrem de criar critérios objetivos para situações amplíssimas.
É que convém relembrar que nada obsta a que, por exemplo, de um cartaz constem determinadas cláusulas contratuais, que serão gerais por não haver prévia negociação. Quer isto dizer que, por exemplo, cláusulas de fidelização podem estar expostas em letras pequenas no referido cartaz à porta da loja, sendo o consumidor atraído pelo preço convidativo que daí consta em letras muito maiores.
Assim, aplicando-se as novas regras estes casos, será proibida a utilização de tamanho inferior a 11 ou 2.5 milímetros. Porém, será que num cartaz esse tamanho assegura o efetivo conhecimento da cláusula por parte do consumidor? Cremos que não. Possivelmente esta será uma das estratégias utilizadas para continuar a dissimular informações importantes neste tipo de contratos.
Posto isto, e para concluir, o primeiro passo para a mudança consiste em reconhecer a sua necessidade. O Projeto de Lei agora aprovado é, pelo menos, o início de uma consciencialização da frequência e nocividade destas práticas, já há muito alertada pela doutrina e pela jurisprudência. Se, finalmente, será capaz de cabalmente proteger os consumidores da sua verificação? Temos as nossas dúvidas, mas mantemo-nos otimistas.
Entendo que este dispositivo não vem acrescentar nada de novo.
Quanto muito poderá vir clarificar o regime jurídico, embora alterando a consequência legal já prevista.
Para quê acrescentar ao art. 21.º, sob a epígrafe “cláusulas absolutamente proibidas”, a alínea i) com a tal proibição, se já resulta da lei (no art. 8.º) que as cláusulas que pela sua apresentação gráfica passem despercebidas (estou certo que é, também, o caso das tais cláusulas escritas em letra miudinha e os tribunais em diversos acórdãos decidiram nesse sentido) são consideradas excluídas do contrato, ou seja, inexistentes?
Estarei errado?
Também me parece que o efeito será muito limitado. Pode até ter o efeito perverso de dar a entender que basta cumprir a regra relativa ao tamanho da letra para a cláusula se considerar incluída no contrato. A grande revolução neste domínio está, no entanto, para breve quando for transposta a Diretiva 2019/2161 e houver sanções contraordenacionais em caso de inclusão de cláusulas abusivas em contratos singulares.