Entre a Estratégia Comercial e a Legalidade: o Caso das Práticas Diferenciadas na Restauração

Doutrina

A restauração, desde sempre, desempenhou um papel relevante no quotidiano social das comunidades locais. No entanto, com a crescente exposição de turismo em Portugal, sobretudo nos centros históricos das cidades, são cada vez mais frequentes as práticas divergentes de preços nos estabelecimentos de restauração. O mercado da restauração tem-se tornado cada vez mais competitivo e dinâmico, levando os estabelecimentos a recorrerem a estratégias que procuram maximizar as receitas de forma eficiente, atendendo às circunstâncias individuais do seu público-alvo.

A questão é certamente relevante, pois a estratégia de divergência dos valores cobrados por bens e serviços consiste em ajustá-los de forma personalizada às circunstâncias, ao tipo e às escolhas do consumidor, o que pode levantar questões quanto à sua conformidade com os deveres de transparência e lealdade. Por exemplo, o facto de alguém ser, ou não, turista pode ditar o preço da sua refeição?

A alínea t) do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro, define o estabelecimento de restauração como aquele que presta serviços de alimentação e de bebidas, dentro ou fora do respetivo espaço, mediante uma determinada remuneração. Neste conceito incluem-se várias denominações que nos são familiares, como os restaurantes, as pastelarias, os cafés, entre outros.

As práticas diferenciadas de preços nestes estabelecimentos consistem, de forma geral, na atribuição de valores distintos aos bens e serviços, da maneira que considerem mais adequada. Embora estas práticas se enquadrem no âmbito do princípio da autonomia privada, existem certamente casos que configuram situações que ameaçam a confiança dos consumidores.

São frequentes as notícias que relatam que, para o mesmo bem, um turista tende a pagar um preço bastante superior em comparação com um cidadão português, ora porque os estabelecimentos comunicam oralmente um preço inferior, ora porque, nalguns casos, são apresentados menus com valores mais baixos do que os preços oficiais.

A adoção deste tipo de práticas comerciais predomina em zonas de elevado turismo, cuja procura tende a ser superior, resultando numa inflação de preços significativa devido ao elevado poder de compra dos turistas. Não obstante, de modo a equilibrar o mercado a que estes estabelecimentos se dirigem e a manter a sua atratividade, procura-se salvaguardar a sustentabilidade do modelo de negócio junto das populações locais, cujo poder de compra é bastante inferior ao dos turistas. O objetivo, numa perspetiva puramente económica, é maximizar a receita através da adequação da oferta ao tipo de consumidor.

Os preços de bens e serviços nos estabelecimentos de restauração não estão sujeitos a um regime de preços fixos, existindo, neste sentido, liberdade contratual por parte dos estabelecimentos. Mais, o art. 61.º da Constituição da República Portuguesa consagra que todos têm direito à iniciativa económica privada. Contudo, tal não implica que estes estabelecimentos possam aplicar preços dinâmicos ou diferenciados. Pelo contrário, exige-se que apresentem os preços de forma prévia, clara e determinada, de tal modo a que o consumidor não seja surpreendido por um valor superior àquele que é praticado dentro do estabelecimento.

Acresce que o art. 13.º da Constituição consagra o princípio da igualdade, que proíbe qualquer forma de discriminação injustificada, ou seja, para que um tratamento diferenciado seja legalmente admissível, é necessário que exista um fundamento objetivo e razoável.

Por outras palavras, nos casos de práticas diferenciadas entre portugueses e turistas, são ilegais todas as práticas que discriminam estes últimos em função da sua nacionalidade, por se traduzirem meramente na fixação de preços distintos para o mesmo bem ou serviço sem um fundamento razoável que não seja meramente comercial. Tal justifica-se pelo simples facto de que uma justificação puramente comercial, nomeadamente a maximização do lucro junto de um grupo específico com maior poder de compra, não é admissível nem suficiente para sustentar, de um ponto vista legal, a diferenciação de tratamentos.

Contudo, em bom rigor, a pessoa não é discriminada por ser turista, mas por parecer turista, podendo um português ser igualmente turista consoante a sua localidade de residência. Aliás, um tema particularmente pertinente nos dias de hoje é o facto de a sociedade portuguesa ser tradicionalmente multicultural.

Se a forma de diferenciação assenta no critério da nacionalidade, estamos perante uma discriminação que objetivamente viola o princípio da igualdade, sem possibilidade de justificação com fundamento razoável. Do mesmo modo, se a prática discrimina turistas, sejam eles portugueses ou estrangeiros, por serem vistos como uma parte mais vulnerável na relação negocial, tal prática continua a ser contrária à lei por violar o princípio da igualdade, assim como os direitos dos consumidores por não proteger os interesses económicos destes últimos, conforme resulta do preceituado no art. 60.º, n.º 1, da Constituição. Quanto à discriminação nos casos em que um português é confundido com um turista, trata-se de uma situação complexa que se baseia em indicadores puramente subjetivos, como a linguagem, os traços faciais, a cor e tonalidade da pele, o vestuário ou determinados comportamentos, entre outros fatores, que podem sugerir uma outra nacionalidade. Porém, sendo uma diferenciação que não possui uma justificação objetiva e visa o mesmo resultado discriminatório, isto é, o de cobrar mais a turistas estrangeiros, a prática continua a ser contrária à lei sob a égide do art. 13.º da Constituição.

Deste modo, independentemente de estarmos perante uma prática diferenciada dirigida a um português, a um turista estrangeiro ou a um português que se parece mais com um turista, o foco deve residir na intenção subjacente à prática diferenciada, sendo efetivamente a intenção de tratar alguém de forma distinta com base na perceção de uma nacionalidade diferente que serve como base da diferenciação.

Do exposto, resulta que qualquer tratamento diferenciado de preços entre portugueses e estrangeiros, fundado na nacionalidade destes últimos, constitui uma prática ilícita.

Todavia, nem todas as práticas diferenciadas são necessariamente contrárias à lei, podendo existir certas práticas que se encontrem em conformidade, atendendo a determinadas circunstâncias e desde que determinados requisitos sejam verificados. É o caso, por exemplo, dos preços diferenciados em função da hora do dia e do local frequentado.

Ora, nestas circunstâncias, não se verifica qualquer impedimento, desde que se cumpram os requisitos relativos à forma e à obrigatoriedade da indicação dos preços dos bens, nos termos do Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 162/99, de 13 de maio. Assim sendo, é permitida a prática diferenciada desde que o estabelecimento, de forma prévia, afixe a lista de preços de modo visível, inequívoco e legível, através de listas, letreiros e etiquetas, disponibilizando ao consumidor todas as informações necessárias, incluindo as condições de prestação de bens e serviços. De realçar que o preçário afixado deve ser redigido pelo menos em português e estar visível tanto junto à entrada do estabelecimento como no seu interior, contendo todas as informações sobre os preços praticados, incluindo taxas, impostos e outros encargos, em conformidade com o disposto no art. 135.º do Decreto-Lei n.º 10/2015. Porém, a simples indicação de que, a partir de determinado momento, os preços mudam automaticamente não é suficiente.

A Diretiva 2005/29/CE, de 11 de maio, transposta para o nosso ordenamento jurídico pelo Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março, determina que a omissão da indicação do preço a pagar, ou o facto de o preço transmitido não contemplar os impostos aplicáveis, consubstancia uma prática comercial desleal. Tal prática enquadra-se numa omissão enganosa, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 9.º do referido diploma, na medida em que a omissão da informação relativa ao preço do bem induz o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que, em princípio, não teria tomado de outro modo.

O mesmo se aplica aos casos em que, apesar de a informação estar correta, esta ser enganosa devido à forma de apresentação, sendo suscetível de induzir o consumidor em erro, conforme o preceituado na alínea b) do artigo citado. São os típicos casos em que a informação, apesar de fornecida, é ambígua, intempestiva, ou transmitida sob pressões indevidas. Por outras palavras, a informação é apresentada de modo a impedir que o consumidor perceba plenamente, não permitindo uma decisão negocial livre e esclarecida.

Destarte, desde que os deveres de informação aos consumidores estejam salvaguardados, são permitidas as práticas diferenciadas de preços com base em elementos objetivos, não discriminatórios, como, a título de exemplo, em função do consumo na esplanada ou das promoções durante a happy hour, cuja afluência tende a ser maior. Tal prática serve para proteger o consumidor, permitindo-lhe conhecer previamente o valor a pagar pelo respetivo bem ou serviço, de maneira a não ser enganado.

Em última análise, o ordenamento jurídico português não permite, em circunstância alguma, práticas diferenciadas que se baseiem em critérios arbitrários, configurando uma prática discriminatória independentemente do seu tipo e que colide com princípios constitucionais. Contudo, face ao exposto, nem toda a diferenciação de preços é contrária à lei, desde que os estabelecimentos de restauração adotem uma postura adequada, através de práticas conformes com a boa-fé e os deveres de transparência e lealdade perante os consumidores, assegurando de forma clara, completa e objetiva a informação relativa aos preços praticados.

A omissão que custa milhões: o confronto entre a DECO e as operadoras de telecomunicações

Doutrina

Por Ved Bagoandas & Tiago Ribeiro Longa

No competitivo mercado das telecomunicações, as operadoras recorrem a um vasto leque de estratégias comerciais para conquistar novos clientes e fidelizar os já existentes. Campanhas promocionais com descontos temporários, ofertas de equipamentos “gratuitos”, pacotes de serviços aparentemente mais vantajosos e comunicações persuasivas são apenas alguns dos métodos mais comuns. Estas práticas, muitas vezes apresentadas como oportunidades imperdíveis, têm como objetivo captar a atenção do consumidor e levá-lo a aderir a contratos que, à primeira vista, parecem irresistíveis.

Uma prática particularmente frequente entre as operadoras de telecomunicações é a negociação direta com o cliente quando o período de fidelização se aproxima do fim. Nessa fase, as empresas procuram evitar a rescisão do contrato oferecendo condições especiais, descontos ou vantagens exclusivas para persuadir o consumidor a renovar. Essas técnicas procuram aproveitar os vieses cognitivos dos consumidores, particularmente o chamado «viés do status quo», ou seja, a tendência das pessoas agirem da mesma forma, a menos que exista uma razão poderosa para mudar. Esse viés inibe a propensão à mudança e pode ser facilmente ativado pelas empresas quando elas detectam que o consumidor tomou a decisão de mudar e lhe oferecem um argumento para manter o status quo.

Este mecanismo, embora pareça benéfico, gera frequentemente situações em que dois clientes com o mesmo plano pagam valores diferentes. As variações podem resultar da antiguidade do cliente, da capacidade de negociação individual ou, simplesmente, da estratégia comercial adotada no momento. Assim, quem demonstra intenção de cancelar o serviço pode, paradoxalmente, conseguir tarifas mais baixas do que outro consumidor que permaneceu fiel sem contestar o preço, criando um cenário de desigualdade difícil de compreender para o consumidor comum.

Nos últimos dias, o setor das telecomunicações em Portugal voltou a estar no centro das atenções após uma decisão histórica dos tribunais a favor da DECO (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor). A sentença condena as operadoras MEO, NOS e NOWO a reembolsar cerca de 40 milhões de euros a mais de 1,6 milhões de clientes, por aumentos de preços considerados ilegais, ocorridos entre 2016 e 2017.

De acordo com a decisão, as empresas alteraram unilateralmente os valores das mensalidades, sem garantirem aos consumidores a informação clara e prévia a que estavam obrigadas, nem a possibilidade de rescindir o contrato sem custos. O tribunal considerou que as comunicações enviadas na altura não cumpriam os requisitos de transparência, tornando nulas as alterações contratuais.

Um dos pontos centrais da decisão judicial prende-se com a violação do artigo 48.º da Lei das Comunicações Eletrónicas, entretanto revogada pela Lei n.º 16/2022, de 16 de agosto, que obriga as operadoras a comunicar de forma clara, adequada e atempada qualquer alteração contratual, concedendo ao cliente o direito de rescindir o contrato sem custos caso não aceite as novas condições. O tribunal entendeu que a MEO, a NOS e a NOWO não cumpriram este dever legal quando procederam aos aumentos de preços entre 2016 e 2017, limitando-se a enviar comunicações ambíguas que não permitiam ao consumidor perceber plenamente o impacto das alterações nem exercer, de forma informada, o seu direito de oposição.

Acresce referir que tal conduta consubstancia uma prática comercial desleal, por se enquadrar numa omissão enganosa, nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março.

Na prática, tal situação produziu efeitos, na medida em que os consumidores fidelizados se viam confrontados com a alternativa de aceitar o aumento de preços ou suportar o pagamento de uma penalização em virtude do período de fidelização. Na maioria dos casos, optaram pela aceitação do aumento, por representar a solução, de um ponto de vista económico, menos onerosa.

O presente caso corresponde a uma violação do preceituado na alínea a) do n.º 1 do referido artigo 9.º, configurando-se como uma omissão enganosa por ser contrária à diligência profissional. Tendo em conta todas as circunstâncias do meio de comunicação, a omissão da informação relativa ao direito do consumidor a resolver o contrato sem suportar os encargos decorrentes da fidelização induziu os consumidores a uma perceção incorreta das circunstâncias reais do caso, levando-os a tomar uma decisão de transação que, em princípio, não teriam tomado de outro modo e não lhes permitindo uma decisão negocial livre e esclarecida.

Por fim, importa realçar que, nos casos de prestação de serviços de comunicações eletrónicas, exige-se que as empresas prestadoras de serviços adotem um comportamento correto e adequado perante os seus consumidores, orientadas pelo princípio da boa-fé e pelos deveres de lealdade durante a formação e vigência dos contratos. Deve, em especial, ser assegurado o direito à informação clara, completa e objetiva, relativamente a todos os elementos necessários à contratação de um serviço.

A sentença judicial inclui três decisões. A primeira é, conforme mencionado anteriormente, a nulidade dos aumentos de preços, por violarem a Lei das Comunicações Eletrónicas. A segunda é a condenação das operadoras a restituírem aos consumidores os valores indevidamente cobrados, incluindo juros de mora. Por fim, a terceira consiste na condenação das operadoras a divulgarem a decisão judicial através dos seus meios de comunicação, bem como de anúncios públicos, de forma a salvaguardar que os consumidores lesados se possam informar sobre o direito à restituição.

No entanto, esta sentença é de um tribunal de primeira instância, pelo que ainda não transitou em julgado, tendo as operadoras a possibilidade de recorrer para os tribunais superiores.