Alteração do Regime Jurídico dos Intermediários de Crédito – Uma Necessidade Inevitável?

Doutrina

Durante a última década, a maior utilização de canais digitais possibilitou a transição da intermediação de crédito para o mundo da Internet, particularmente para a esfera das redes sociais. Esta expansão trouxe novos riscos para o consumidor, os quais devem ser devidamente acautelados. O Banco de Portugal, não sendo alheio a esta situação, tem procurado tomar medidas que reforcem a proteção dos consumidores que utilizam estas plataformas e serviços.

Nos dias correntes, o número de entidades que se propõem a conceder crédito sem a devida autorização por parte do Banco de Portugal tornou-se num grave problema. Para o efeito, o Banco de Portugal tem feito por assegurar que as campanhas de publicidade identificam o intermediário de crédito e o mutuante desse crédito.

No Relatório de Avaliação do Impacto do Regime Jurídico dos Intermediários de Crédito, foi lançado um conjunto de propostas que visam reforçar a proteção que acima descrevemos.

A primeira proposta tem como objetivo garantir a concretização dos requisitos relacionados com a organização comercial e administrativa dos intermediários de crédito. O art. 53.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 81-C/2017, de 7 de julho (RJIC) não prevê, de forma expressa, requisitos quanto ao acesso dos consumidores a estes serviços na Internet, nem requisitos quanto à identificação dos intermediários de crédito que os operam. Desta forma, o Banco de Portugal propõe que os endereços informáticos dos intermediários de crédito possam: (i) estar disponíveis para acesso pelo público; (ii) possam permitir o acesso de modo direto e imediato pelo utilizador, sem dependência de registo, inscrição ou qualquer outra formalidade prévia e; (iii) ser alojados em domínio web próprio. Assim, a prestação de informações passa a ser feita de forma transparente, salvaguardando os direitos dos consumidores e permitindo conhecer a identidade dos intermediários de crédito.

Embora esta expansão da atividade de intermediação de crédito na Internet seja notória, os estabelecimentos abertos ao público continuam a representar 96,8% da atividade. Neste prisma, o Banco de Portugal identificou outros novos riscos para o consumidor, particularmente nas situações em que o intermediário de crédito desenvolve, no mesmo espaço físico, outras atividades para além da concessão de crédito.

Trata-se de uma situação especialmente gravosa nos intermediários de crédito a título acessório, sendo que também foi identificada nas situações em que os intermediários de crédito desenvolvem a sua atividade em espaços comerciais partilhados. Como consequência destas práticas, os intermediários de crédito devem garantir o cabal cumprimento do dever de sigilo, acautelando o acesso indevido a informação sensível e assegurando a existência de meios adequados ao atendimento dos consumidores. Face ao exposto, o Banco de Portugal propõe que exista, nos estabelecimentos abertos ao público, uma área reservada ao exercício da atividade de intermediação de crédito.

Embora o RJIC, nos artigos 53.º e seguintes, defina o conteúdo da informação que deve ser disponibilizada aos consumidores sobre a sua atividade, os intermediários de crédito gozam de uma ampla liberdade quanto à forma e aos meios utilizados para a prestação dessa informação. A liberdade conferida pelo legislador prejudica o cumprimento das normas legais no que respeita à informação que deve ser divulgada no interior e no exterior dos estabelecimentos abertos ao público. Esta situação é especialmente preocupante quando a atividade de intermediação é desenvolvida através da internet, tendo o Banco de Portugal defendido a harmonização da prestação da informação sobre a atividade dos intermediários de crédito como contramedida.

Face àquilo que temos vindo a expor, o Banco de Portugal propõe que os elementos sujeitos a registo (art. 32.º do RJIC) sejam revistos, incluindo, a título exemplificativo, a informação sobre os domínios de internet utilizados no exercício da atividade de intermediação de crédito. É importante notar que, atualmente, o registo dos intermediários de crédito não inclui informação relativa ao seu endereço na internet, o que comporta não só riscos para os consumidores, mas também para a atuação de supervisão do Banco de Portugal. A ausência dessa informação pode levar os consumidores a não conseguirem identificar os intermediários de crédito responsáveis pelos domínios de internet que consultam, sendo que, muitas vezes, estes intermediários não estão autorizados para a atividade de concessão de crédito. Desta forma, o Banco de Portugal propõe que o endereço dos domínios de internet dos intermediários de crédito deva ser incluído no elenco de elementos sujeitos a registo e, adicionalmente, objeto de divulgação pública.

Outro aspeto que mereceu destaque no Relatório de Avaliação do Impacto do Regime Jurídico dos Intermediários de Crédito é o facto de o legislador ter incluído no elenco de elementos sujeito a registo dos intermediários de crédito e objeto de divulgação pública, a informação sobre a entidade que garante a responsabilidade civil profissional emergente da atividade do intermediário e, nos casos em que foi subscrito contrato de seguro de responsabilidade civil, o número de contrato de seguro e o período de validade (art. 26.º-1-h e 2-m) do RJIC). Nos três anos da vigência do RJIC, o Banco de Portugal concluiu que este procedimento constitui um pesado ónus para os intervenientes no mercado, sobretudo se se tiver em conta que o regime jurídico já prevê outros mecanismos que permitem assegurar os objetivos prosseguidos com a inclusão da informação em causa no elenco de elementos sujeitos a registo. É importante notar que países como a França ou o Luxemburgo optaram por considerar que não é necessário ser incluído no elenco de elementos sujeitos a registo os relativos à garantia de responsabilidade civil profissional. Em Espanha, o registo do intermediário de crédito somente contém a identificação da entidade que garante a responsabilidade civil profissional emergente da atividade de intermediário de crédito. Face ao exposto, o Banco de Portugal propõe que, de entre os elementos sujeitos a registo e a divulgação pública, deva ser eliminada a informação respeitante ao número de contrato de seguro e ao período de validade.

Acrescentamos ainda que o Relatório versa, também, sobre a possibilidade de modificação dos requisitos obrigatórios quanto à publicidade (arts. 56.º e segs. do RJIC). As regras aplicáveis à publicidade relativa à atividade de intermediário de crédito e à publicidade a produtos de crédito divulgada por intermediários não exigem, de forma expressa, a identificação do anunciante, através da indicação do respetivo nome ou firma. De forma a garantir a transparência e o cumprimento do princípio da veracidade, o Banco de Portugal propõe a redação de uma disposição no RJIC que torne obrigatória a identificação dos intermediários de crédito nas mensagens publicitárias que estes produzam.

Como última medida, o Banco de Portugal defende a eliminação da informação sobre o exercício da atividade em regime de exclusividade, simplificando a disciplina da publicidade relativa à atividade dos intermediários de crédito.

Em suma, enaltece-se as propostas apresentas pelo Banco de Portugal, podendo estas representar um reforço da proteção dos direitos dos consumidores.

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