Depois de, no final do ano passado, ter visto o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferir uma decisão muito favorável, que proibia, no essencial, a sujeição do exercício da sua atividade à obtenção de uma licença, a Airbnb recebeu uma má notícia do mesmo TJUE no passado dia 22 de setembro.
Falamos da sentença proferida nos Processos apensos C-724/18 e C-727/18 (casos Cali Apartments/HX). A Cali Apartments e a HX são proprietárias de estúdios situados em Paris, nos quais é exercida a atividade de prestação de serviços de alojamento local (ou, com mais precisão, atividade equivalente em França). Estes casos distinguem-se do caso Airbnb Ireland, na medida em que neste último estava em causa a atividade da plataforma e os primeiros incidem sobre a atividade de alojamento local propriamente dita.
Resumidamente, o TJUE foi chamado por um tribunal francês a pronunciar-se sobre a questão de saber se várias normas do direito francês que limitam a atividade de prestação de serviços de alojamento local (impondo em alguns municípios uma autorização prévia para “a alteração da finalidade de utilização dos imóveis destinados a habitação”) são compatíveis com o direito europeu, nomeadamente face aos princípios da liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços e a livre circulação dos serviços, previstos na Diretiva 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006 , relativa aos serviços no mercado interno.
O TJUE começa por concluir que a Diretiva 2006/123/CE é aplicável à prestação de serviços de alojamento local. Isto apesar de qualificar a atividade como “de locação de um bem imóvel” (v. considerando 34).
Depois de concluir que as regras impostas pelo direito francês consubstanciam um regime de autorização, o TJUE procede à análise das condições que têm de se verificar para que um Estado-Membro possa estabelecer um regime de autorização e dos critérios que devem ser seguidos na decisão de concessão da autorização (v. arts. 9.º e 10.º da Diretiva 2006/123/CE).
O problema é resumido de forma relativamente clara no considerando 54. Será admissível “uma regulamentação de um Estado‑Membro que, por motivos que visam garantir uma oferta suficiente de alojamentos destinados à locação de longa duração a preços acessíveis, sujeita certas atividades de locação, mediante remuneração, de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuadas de forma reiterada e por períodos de curta duração, a um regime de autorização prévia aplicável em certos municípios cujas autoridades locais determinam, no quadro fixado por essa regulamentação, as condições de concessão das autorizações prévias previstas por este regime, acompanhando‑as, se necessário, de uma obrigação de compensação sob a forma de uma conversão acessória e concomitante em habitação de imóveis que tenham outra utilização”?
O TJUE conclui que a regulamentação em causa “é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral atinente à luta contra a escassez de habitações destinadas à locação, sendo proporcionada ao objetivo prosseguido, uma vez que o mesmo não pode ser alcançado por uma medida menos restritiva, designadamente porque uma fiscalização a posteriori seria demasiado tardia para obter uma real eficácia”. Defende igualmente o tribunal que, à partida, os critérios definidos para a concessão da autorização são conformes à diretiva, por serem suficientemente claros e permitirem uma decisão não-arbitrária por parte da administração.
É interessante referir o considerando 92 da decisão, no qual o tribunal utiliza como argumento a alternativa que o proprietário tem de arrendar o imóvel: “há que salientar que a obrigação de compensação que a autoridade local em causa optou por impor não priva, em geral, o proprietário de um bem destinado a locação de retirar frutos do mesmo, uma vez que o referido proprietário dispõe, em princípio, da faculdade de locar o bem, não como imóvel mobilado destinado a uma clientela de passagem, mas enquanto imóvel destinado a uma clientela que aí fixa a sua residência, atividade que certamente é menos rentável, mas à qual essa obrigação não se aplica”.
Em suma, o TJUE vem reconhecer que a luta contra a escassez de habitações destinadas ao arrendamento de longa duração constitui uma razão imperiosa de interesse geral que pode justificar uma limitação ao exercício da atividade de alojamento local.
Apesar de não ser parte nesta ação, o efeito da decisão tem um impacto significativo para a Airbnb e outras plataformas de intermediação no setor do alojamento local, na medida em que o TJUE vem legitimar muitas normas, aprovadas um pouco por toda a Europa nos últimos anos, que visam limitar o alojamento local em cidades com maior pressão turística.