O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pronunciou-se, no Acórdão C-143/23, sobre um tema sensível no regime do crédito ao consumo: o momento em que começa a correr o prazo para o exercício do direito de arrependimento. O caso, que envolveu contratos de crédito para compra de automóveis, coloca no centro do debate os deveres de informação a cargo do mutuante, bem como o alcance da proteção do consumidor neste domínio.
Entre os pontos submetidos ao Tribunal figurava a seguinte questão: pode o consumidor exercer o direito de arrependimento se o contrato não indicar, sob a forma de percentagem concreta, a taxa de juros de mora aplicável? O Tribunal considerou que, enquanto faltar essa informação obrigatória, o prazo para exercício do direito de arrependimento não começa a correr, o que tem consequências relevantes para a prática contratual.
Entendeu o TJUE que o início do prazo de 14 dias depende da comunicação, ao consumidor, de informações obrigatórias previstas no artigo 10.º, n.º 2, da Diretiva 2008/48/CE, especificamente a taxa de juros de mora aplicável ao contrato. O Tribunal esclareceu que não basta uma menção genérica: a taxa deve ser comunicada de forma clara e compreensível.
Além disso, concluiu que a informação em falta pode ser comunicada ao consumidor posteriormente à celebração do contrato, caso não conste desse instrumento. A Diretiva não exige que todas as menções obrigatórias figurem no próprio contrato, bastando que sejam «devidamente comunicadas» ao consumidor. O acórdão, no entanto, não fixa um limite temporal para essa comunicação. Assim, enquanto a informação obrigatória não for devidamente prestada, pode entender-se, com base na própria lógica da decisão, que o prazo de 14 dias não chega sequer a iniciar-se ao longo de toda a vigência contratual, independentemente da sua duração. Ademais, o Tribunal não se pronunciou sobre os requisitos formais dessa comunicação posterior, pelo que também essa questão mantém-se em aberto.
Importa notar que o TJUE afasta expressamente qualquer indagação sobre o conhecimento efetivo do consumidor quanto às informações obrigatórias não prestadas pelo profissional. Dito de outro modo, é irrelevante que o consumidor, na prática, conhecesse ou não a informação omitida. O que importa é a conduta objetiva do mutuante: enquanto não cumprir integralmente o dever de informação, o prazo para exercício do direito de arrependimento não se inicia.
Quanto à alegação de abuso do direito de arrependimento, o Tribunal concluiu que não há abuso possível enquanto faltar informação obrigatória que cabia ao profissional prestar: o consumidor não pode ser prejudicado pela omissão do próprio mutuante, e a invocação do direito (mesmo após longo decurso de tempo de vigência do contrato) não constitui, por si só, um exercício abusivo do direito de arrependimento. Dito de outra forma, não há abuso de um direito que sequer chegou a aperfeiçoar-se.
Embora o acórdão se refira a contratos de crédito ao consumo ligados à compra de veículos, a sua lógica pode vir a influenciar a interpretação de situações análogas noutros regimes. Reforça-se, assim, o entendimento de que o prazo para o exercício do direito de arrependimento depende do cumprimento prévio dos deveres de informação pelo profissional, sem o qual esse prazo não se inicia.
Ao admitir que a informação em falta pode ser suprida posteriormente, o Tribunal resolve uma dificuldade prática relevante, mas deixa em aberto questões suscetíveis de gerar debate – nomeadamente o momento até ao qual essa comunicação pode ocorrer e a forma adequada para a sua realização, quando não conste inicialmente do contrato. Mesmo assim, o essencial permanece claro: o prazo do direito de arrependimento só se inicia quando o profissional cumpre adequadamente o seu dever de informação.
É, portanto, uma decisão que reforça a proteção do consumidor no regime do crédito ao consumo e evidencia a relevância dos deveres de informação no direito do consumo europeu.
