RALC na jurisprudência do TJUE no primeiro semestre de 2020

Jurisprudência

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferiu duas decisões ao longo do primeiro semestre de 2020 relacionadas com a resolução alternativa de litígios (RAL) de consumo.

Começamos pelo Processo C‑380/19 (acórdão de 25 de junho de 2020).

O art. 13.º da Diretiva 2013/11/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, sobre a resolução alternativa de litígios de consumo, prevê dois deveres de informação que o profissional deve cumprir, um na fase pré-contratual (n.os 1 e 2) e o outro no momento em que ocorre o litígio (n.º 3).

Neste processo, está em causa o dever pré-contratual de informação. Assim, os profissionais devem informar “os consumidores acerca da entidade ou entidades de RAL de que dependem”. Essa informação deve ser prestada “de forma clara, compreensível e facilmente acessível no sítio web dos comerciantes, caso exista, e, se for caso disso, nos termos e nas condições gerais aplicáveis aos contratos de venda ou de serviços entre o comerciante e o consumidor”.

Descrevendo brevemente os factos relevantes, temos neste caso um profissional (cooperativa de crédito) que disponibiliza um site através do qual não é possível celebrar contratos. Esse profissional está vinculado a uma entidade de resolução alternativa de litígios de consumo e disponibiliza no site um documento com os “termos e condições”, que não contém essa informação.

Segundo o tribunal, o art. 13.º-2 da Diretiva “não limita a obrigação de informação nela prevista aos casos em que o comerciante celebra com os consumidores contratos por intermédio do seu sítio web”.

Acaba por concluir-se, assim, que as normas em causa devem ser interpretadas no sentido de que um profissional “que disponibiliza no seu sítio web os termos e condições gerais dos contratos de venda ou de serviços, mas que não celebra contratos com os consumidores por intermédio desse sítio, está obrigado a incluir nesses termos e condições gerais as informações relativas à entidade ou às entidades de resolução alternativa de litígios de que esse comerciante depende, quando este último se comprometa, ou seja obrigado, a recorrer a esta ou estas entidades para resolver os litígios com os consumidores. A este respeito, não é suficiente que o referido comerciante apresente essas informações noutros documentos acessíveis no referido sítio, ou noutros separadores desse sítio, ou preste ao consumidor as referidas informações, aquando da celebração do contrato sujeito aos referidos termos e condições gerais, através de um documento distinto destes últimos”.

O Processo C‑578/18 (acórdão de 23 de janeiro de 2020) aborda uma questão diversa: a interpretação do artigo 37.º da Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade, que trata as “obrigações e competências das entidades reguladoras”.

Neste caso, um cliente doméstico de eletricidade contactou a entidade reguladora finlandesa solicitando que esta verificasse o modo de faturação praticado pela empresa. A entidade reguladora considerou o procedimento legal. O cliente recorreu, então, para um tribunal administrativo, pedindo que lhe fosse reconhecido o estatuto de parte no processo e a anulação das decisões, pedidos que foram considerados procedentes. A entidade reguladora recorreu da decisão para o Supremo Tribunal Administrativo, invocando não poder ser atribuído ao cliente o estatuto de parte, com a consequência de não ter legitimidade para recorrer. O tribunal decidiu então suspender a instância e submeter várias questões ao TJUE.

O TJUE conclui que não se impõe aos Estados‑Membros “que atribuam à entidade reguladora a competência para resolver os litígios entre os clientes domésticos e os operadores de rede” nem que “concedam ao cliente doméstico que apresentou uma queixa à entidade reguladora contra um operador de rede a qualidade de «parte» (…) e o direito de interpor recurso da decisão tomada por essa autoridade na sequência dessa queixa”.

É interessante notar que o tribunal considera que “os Estados‑Membros podem atribuir a competência relativa à resolução extrajudicial de litígios entre os clientes domésticos e as empresas de eletricidade a uma autoridade distinta da entidade reguladora” (considerando 39), podendo “igualmente conferir essa competência à entidade reguladora” (considerando 40). Ora, no caso concreto, “o órgão nacional competente para tratar de uma queixa de um consumidor contra uma empresa de eletricidade é o kuluttajariitalautakunta (Comissão de Litígios de Consumo, Finlândia), perante o qual o queixoso tem o estatuto de parte” (considerando 41). Já a entidade reguladora trata de “pedidos de inquérito que lhe são dirigidos e que o estatuto do autor do pedido de inquérito não é o de parte, mas de informador, o que permite à entidade reguladora cumprir a sua obrigação de monitorização” (considerando 42).

Este caso é bastante revelador da distinção entre o procedimento administrativo, que visa a aplicação de sanções a profissionais infratores, e o procedimento de resolução alternativa de litígios, que visa regular a relação entre o cliente e o profissional.

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