Laranjas do Algarve e a relevância contratual da publicidade

Consumo em Ação

Por André Neves, Beatriz Pereira e Luís Cruz

Hipótese: Xavier viu um anúncio na televisão com a seguinte mensagem: “Laranjas do Algarve a € 0,70 o quilo. Só esta semana, no sítio de que mais gosta”. Entusiasmado, Xavier dirigiu-se ao supermercado, mas foi informado de que as laranjas do Algarve estavam agora a € 1,20 o quilo. O que pode Xavier fazer?

Resolução: O primeiro passo a dar na resolução de uma hipótese como esta é analisar se o anúncio constitui uma proposta contratual. Ora, não se levantam problemas a esse nível, na medida em que estamos perante uma declaração completa, precisa, firme e formalmente adequada[1]. Mais concretamente, uma vez que se trata de uma proposta que não tem destinatário ou destinatários determinados, podemos qualificá-la como sendo uma proposta ao público[2].

Esta modalidade de proposta contratual “coloca o [seu] emitente […] em situação de sujeição […], concedendo a cada um dos destinatários indeterminados o direito potestativo de concluir o contrato”[3] . Significa isto que, caso consideremos que a proposta não foi válida e eficazmente revogada pelo supermercado, está nas mãos de Xavier celebrar ou não o contrato por 0,70 euros o quilo.

Assim sendo, importa referir que a proposta ao público é eficazmente revogável quando é feita na forma da oferta ou em forma equivalente (art. 230.º-3 do Código Civil – CC), ainda que seja durante o período de duração da proposta fixado pelo proponente (art. 228.º-2)[4]. A questão é complexa, e partindo do pressuposto de que a eventual revogação da proposta opera por via de um anúncio similar àquele em que foi emitida (que passou na televisão durante o período entre o qual Xavier viu o primeiro anúncio e chegou ao supermercado), à primeira vista poderíamos ser levados a crer que houve efetivamente uma revogação da primeira proposta e uma nova proposta já com o preço de 1,20 euros o quilo. Contudo, entendemos que essa não é a melhor interpretação para esta situação em concreto.

Há um elemento de atração fundamental na publicidade, na medida em que o grande objetivo da empresa, quando emite um anúncio na televisão, é promover a aquisição ou estimular a procura[5], fazendo com que os consumidores se dirijam ao supermercado. Assim sendo, se Xavier se dirige ao supermercado depois de ter visto o anúncio, e porque viu o anúncio, parece-nos que não podemos considerar que neste caso tenha havido uma revogação da proposta contratual em relação a ele. Aliás, impedir esta revogação parece-nos uma forma adequada de “responsabilizar os lojistas” quanto à forma como indicam os preços.

O anúncio diz expressamente que as laranjas estão a 0,70 euros o quilo durante aquela semana. Xavier dirige-se ao supermercado para as comprar e só quando lá chega é que é informado que, entretanto, o preço aumentou. Numa interpretação do art. 230.º-3 do CC à luz dos princípios fundamentais orientadores do ordenamento jurídico, nomeadamente à luz da boa-fé (art. 9.º-1 da Lei de Defesa do Consumidor), parece-nos que é necessário “dar um tempo”, isto é, parece-nos que os consumidores que estejam a deslocar-se para a loja em virtude de terem visto o anúncio não podem ser abrangidos pela revogação operada por meio do segundo anúncio (que nem sequer temos a certeza se existiu).

Tendo em conta a razão de ser do art. 230.º-3, entendemos que só um anúncio que, em circunstâncias normais, permitisse a Xavier ter a perceção de que o preço havia aumentado antes de se ter deslocado ao supermercado, é que poderia configurar uma revogação da proposta “feita na forma da oferta ou em forma equivalente” em relação a si.

Se porventura não tiver existido nenhum anúncio posterior ao que configurou a proposta, ainda mais fortalecida se torna a nossa posição de que não há qualquer revogação que abranja Xavier. Pela teleologia dos argumentos já expostos, que a este caso também se aplica, a tentativa de revogação da proposta que havia sido operada por meio de um anúncio, tentativa essa feita já no supermercado, não pode abranger quem se dirige ao mesmo precisamente para comprar o produto anunciado e por conta de ter visto o tal anúncio. Não havendo qualquer revogação que abranja Xavier, este tem o direito potestativo de concluir o contrato por 0,70 euros o quilo, sendo que a sua aceitação dar-se-á no momento em que apresentar as laranjas na caixa, pois será nesse momento que manifestará de forma inequívoca a sua intenção de aceitar a proposta.


[1] Ac. do STJ, de 27 de outubro de 2011, Processo nº 2279/07.8TBOVR.C1.S1 (Oliveira Vasconcelos).

[2] Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 7.ª edição, Almedina, 2020, p. 83.

[3] Carlos Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, Almedina, 2005, p. 98.

[4] Admitimos que no caso em que é anunciado um período de duração de determinada proposta (“Só esta semana”) e essa proposta é revogada, poderemos estar perante uma prática comercial desleal, assim como admitimos a eventual possibilidade de, em tal caso, por via da articulação entre a norma geral e as normas especiais de direito do consumo, se considerar o prazo como vinculativo. Contudo, uma vez que neste caso conseguimos garantir a proteção do consumidor por uma outra via, a nosso ver mais clara, decidimos optar por essa outra via.

[5] Carlos Ferreira de Almeida, “Conceito de Publicidade”, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 349, 1985, pp. 115-134.

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