Viajar de avião com um animal de companhia é uma realidade cada vez mais comum para os consumidores europeus. Além da percentagem de agregados familiares com animais de companhias superar já os 50% em Portugal, várias razões motivam a necessidade de os transportar de avião, entre elas viagens lúdicas que incluem o animal nas férias, emigração, participação em concursos internacionais e/ou necessidade de viajar com um cão de assistência (nomeadamente, cães-guias, cães-ouvintes ou cães de serviço).
No entanto, o enquadramento jurídico desta realidade é acinzentado, ou não estivéssemos nós no meio das nuvens. Afinal, quando um consumidor adquire uma passagem aérea e paga adicionalmente para transportar o seu animal de companhia, o que está, no fim de contas, a contratar?
O transporte aéreo de animais de companhia situa-se num cruzamento peculiar entre o direito do consumo e o «direito animal», este último sem autonomia científica em Portugal. No plano jurídico europeu, o Regulamento (UE) n.º 576/2013 trata da movimentação não comercial de animais de companhia entre Estados-Membros ou a partir de um país terceiro, definindo requisitos sanitários e documentais obrigatórios para que o animal possa viajar, como, por exemplo, entre outros, a exigência de o animal ser portador de passaporte, de estar vacinado contra a raiva e de lhe ter sido implantado um microchip de registo. Este regime é o mais detalhado que o consumidor irá encontrar quando necessitar de saber as regras que lhe são aplicáveis se quiser transportar o seu animal de estimação via aérea, mas ainda assim ficará com muitas dúvidas. Não encontrará, por exemplo, regulamentação sobre o transporte do seu animal na cabine do avião – portanto, o que quer que seja que a companhia aérea decida quanto a esse aspeto, se não é proibido, pode-se fazer.
No plano jurídico português, o Decreto-Lei n.º 276/2001, que transpõe a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, não é eloquente para o caso. Consagra princípios gerais tendentes à garantia de que o bem-estar do animal não é comprometido em diferentes situações do quotidiano, nomeadamente, mas não só, durante o transporte, mas não esclarece mais. Em boa verdade, se excluirmos o caso excecional de viajar de avião com animais de assistência (Regulamento n.º 1107/2006), não existem ainda disposições específicas ou um regime jurídico que trate o transporte aéreo de animais de companhia. Para variar, o consumidor lidará com o nevoeiro. Na prática, as cláusulas são ditadas pelas políticas comerciais de cada companhia aérea, frequentemente distintas umas das outras. Assim, algumas permitem o transporte de animais de pequeno porte na cabine (estabelecendo limitações arbitrárias de peso ou espécie), outras remetem todos os animais obrigatoriamente para o porão, e outras, ainda, simplesmente não admitem o transporte de quaisquer animais.
Este quadro comercial fragmentário – e sem enquadramento jurídico direto – tem consequências relevantes. Em primeiro lugar, a informação prestada ao consumidor é muitas vezes insuficiente ou equívoca: nas companhias aéreas que permitem o transporte, não é claro em que condições o animal será transportado, nem qual a extensão da responsabilidade da transportadora em caso de incidente. Em segundo lugar, verifica-se uma prática generalizada que merece escrutínio: as transportadoras aéreas cobram preços suplementares, por vezes elevados (não raras vezes superior ao preço do bilhete do próprio passageiro), pelo transporte do animal, mas não asseguram um espaço efetivamente apropriado para esse transporte. Por exemplo, quando o animal viaja na cabine, o passageiro-tutor é frequentemente instruído a colocar a caixa transportadora aos seus pés, num espaço exíguo para ambos, o que compromete tanto o conforto do animal como a comodidade do próprio passageiro. Trata-se de um serviço adicional pago que dificilmente cumpre os princípios da adequação e da transparência contratual impostos pelo direito do consumo. A prestação de um serviço oneroso sem a correspondente qualidade pode configurar uma prática comercial desleal nos termos do Decreto-Lei n.º 57/2008, por induzir o consumidor em erro quanto às condições reais do transporte, e, no limite, a violação de deveres de lealdade e boa-fé, já que o consumidor, apesar de pagar por um serviço extra, fica numa posição pior do que aquela em que estaria se não tivesse pagado por esse serviço. O mínimo exigível sempre seria a disponibilização do assento contíguo. Mal comparado, veja-se que, quando um passageiro viaja com uma criança até aos 2 anos (e, por isso, viaja no colo do adulto obrigatoriamente), geralmente o serviço é gratuito, já que, na prática, apenas é utilizado um assento.
Questão diversa, ainda que conexa, é o transporte de animais de companhia no porão do avião, que comporta riscos para a vida do animal. O debate em torno do Projeto de Lei n.º 211/XVI/1.ª ilustra o problema. O diploma pretende proibir o transporte de animais de companhia no porão das aeronaves e garantir o transporte em cabine em condições dignas. Ainda que a proposta não tenha sido ainda vertida em lei, representa um passo relevante no sentido de reconhecer que o bem-estar animal não é um mero detalhe operacional, mas um elemento essencial da qualidade do serviço prestado.
Neste domínio, a experiência italiana merece destaque. No ano corrente, a autoridade nacional de aviação civil (ENAC) introduziu novas diretrizes que permitem que cães de médio e grande porte (até 25 kg) viajem na cabine, junto dos seus tutores, observadas as regras de segurança e em condições controladas a bordo. É a primeira medida deste tipo na Europa e constitui um exemplo de integração da proteção do bem-estar animal. A decisão italiana reconhece que o consumidor contemporâneo não é apenas um passageiro que leva uma mala, mas alguém que confia a um prestador de serviços algo que considera parte da sua esfera familiar, evitando, sempre que possível, a sua remessa para o porão e os riscos acrescidos para a saúde do animal.
Em contracorrente ao que parecia vir sendo o encaminhamento social da questão, o Tribunal de Justiça da União Europeia, em interpretação da Convenção de Montreal num caso concreto, pronunciou-se muito recentemente no sentido de que os animais transportados em avião são, para efeitos de responsabilidade, equiparados a «bagagem», uma qualificação que levanta sérias questões por subvalorizar o caráter senciente do animal, ignorar a dignidade valorativa do animal para o passageiro e por reduzir o transporte daquele a uma dimensão patrimonial.
O estatuto jurídico dos animais sempre foi causa de celeuma. Primordialmente considerados «coisas» pelo Código Civil, têm agora, em Portugal, estatuto próprio. Tal não é também suficiente para acautelar parte dos problemas que se colocam aos consumidores que viajam com os seus animais de companhia. Além das cláusulas contratuais gerais, essencialmente discricionárias, que são impostas aos passageiros pelas companhias aéreas, não reconhecer que o animal não é uma bagagem tem consequências práticas, por exemplo, em caso de atraso de voo (sobretudo numa Europa ainda pouco equipada ao nível de instalações sanitárias para animais dentro dos aeroportos).
Do ponto de vista do direito do consumo, o desafio é claro: garantir que as práticas comerciais das companhias aéreas são compatíveis com os princípios de transparência, lealdade e proporcionalidade. Cobrar um valor significativo pelo transporte de um animal sem garantir condições mínimas de conforto e segurança é incompatível com o princípio da boa-fé e com a legítima expectativa do consumidor. A harmonização europeia nesta matéria é, por isso, necessária.
