O ano de 2021 será um ano muito exigente para o legislador nacional em matéria de direito do consumo, sendo necessário transpor até 1 de julho de 2021 a Diretiva (UE) 2019/770 (conteúdos e serviços digitais) e a Diretiva (UE) 2019/771 (venda de bens de consumo) e até 28 de novembro de 2021 a Diretiva (UE) 2019/2161 (modernização das regras da União em matéria de defesa dos consumidores).
É precisamente sobre esta última que falamos hoje, em particular sobre uma norma que esta introduz na Diretiva 93/13/CEE (cláusulas abusivas).
Trata-se do novo art. 8.º-B, que impõe aos Estados-Membros que estabeleçam sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas em caso de violação das disposições do diploma.
Concluiu-se que a consequência da nulidade das cláusulas, prevista no direito português (art. 12.º do DL 446/85), em linha com o art. 6.º-1 da Diretiva 93/13/CEE (“não vinculem o consumidor”), não é suficiente para dissuadir os profissionais de recorrer a cláusulas abusivas.
Apesar de não se referir expressamente a aplicação de coimas, o cumprimento do art. 8.º-B pressupõe, na lógica do sistema português, a previsão de sanções contraordenacionais em caso de violação do regime das cláusulas contratuais gerais.
Com a transposição da Diretiva (EU) 2019/2161 passará, assim, a estar prevista uma sanção contraordenacional, em certas situações, se for incluída num contrato uma cláusula abusiva.
Que situações são essas?
Segundo o art. 8.º-B-2 da Diretiva 93/13/CEE, na versão de 2019, as situações em que terá de estar prevista a aplicação de sanções contraordenacionais são, no mínimo, aquelas em que as cláusulas contratuais:
- sejam expressamente definidas como abusivas segundo o direito nacional; ou
- em que o profissional continue a recorrer a cláusulas contratuais que tenham sido consideradas abusivas numa decisão definitiva adotada numa ação inibitória.
O primeiro ponto parece remeter para as listas de cláusulas consideradas abusivas nos termos do diploma, excluindo apenas as cláusulas abusivas segundo a cláusula geral. Incluirá também seguramente os casos em que o profissional continue a utilizar uma cláusula que já tenha sido considerada abusiva por decisão administrativa ou judicial.
O procedimento poderá ser administrativo ou judicial, admitindo-se que as autoridades administrativas possam decidir sobre o caráter abusivo das cláusulas contratuais (considerando 14 da Diretiva (EU) 2019/2161). Esta possibilidade é muito interessante, uma vez que permite uma ação eficaz e setorial com vista à prevenção e repressão da utilização de cláusulas abusivas. Deveria prever-se esta possibilidade em Portugal, permitindo, naturalmente, o controlo posterior da decisão administrativa pelos tribunais. Assim, a entidade fiscalizadora ou reguladora poderá analisar os clausulados contratuais, decidir que cláusulas são abusivas e aplicar sanções contraordenacionais.
Este controlo pode ser uma via de esperança para o efetivo cumprimento das normas aplicáveis.
Se se tratar de uma infração generalizada (que afete pelo menos os interesses dos consumidores de três Estados-Membros) ou de uma infração generalizada ao nível da União (que afete pelo menos os interesses de dois terços dos Estados-Membros, que correspondam a dois terços dos consumidores da União), sendo aplicável o art. 21.º do Regulamento (UE) 2017/2394 (cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de proteção dos consumidores), as sanções previstas a nível nacional devem prever “a possibilidade de aplicar coimas por meio de procedimentos administrativos ou de intentar uma ação judicial para aplicação de coimas, ou ambas, sendo o montante máximo dessas coimas de, pelo menos, 4% do volume de negócios anual do profissional no(s) Estado(s)-Membro(s) em causa” (art. 8.º-B-4 da Diretiva 93/13/CEE, na versão de 2019).
Um montante máximo tão elevado deverá passar a estar consagrado no direito português, embora esta imposição se limite às infrações generalizadas e às infrações generalizadas ao nível da União. Nos restantes casos, têm de estar previstas sanções contraordenacionais, mas o montante máximo pode ser mais baixo, desde que a sanção em causa seja efetiva, proporcionada e dissuasora da inserção de cláusulas abusivas em contratos singulares.
Em qualquer caso, como refere aqui Mateja Durovic (pp. 74-75), as normas europeias encorajam os Estados-Membros a prever coimas de montante elevado também a infrações que não se enquadrem naquelas categorias, ou seja, que afetem apenas consumidores de um ou dois Estados-Membros.
O grande objetivo é evitar que, para um profissional, seja melhor arriscar a previsão de uma cláusula abusiva, sendo mais benéfico para si as vantagens que daí retira do que as desvantagens associadas às sanções aplicáveis.