Personal Data as Counter-performance and Consumer Protection. An Unfair Commercial Practices Italian Decision

Jurisprudência

By Donato Maria Matera

On March 30th, 2021, with the decision n. 2631, the Italian Consiglio di Stato ended a dispute concerning an unfair commercial practices case where Facebook was involved.

The most important part of this decision deals with a misleading commercial practice: in particular, the question was if the Facebook’s advertisement that the social service is «for free» can be considered as a misleading behaviour, since consumers are actually «paying» it with their personal data.

Hence, the core issue is the possibility to consider personal data as a counter-performance, or, if one prefers, as a payment method, other than money. The answer to this question has very relevant practical consequences: in fact, if personal data are a counter-performance to a service, this economic operation can be considered as an actual contract and, if the parties are consumers and traders, consumer law can be applicable.

During the trial, the Facebook defence argued that personal data are an extra commercium good and data protection is a fundamental right, so they cannot be sold, traded or reduced to an economic interest. In this sense, as personal data cannot be a counter-performance, the operation where Facebook provides consumers with a digital service is for free and consumer law cannot be applied neither can be configured an unfair commercial practice.

This position seems to be in continuity with a European Data Protection Supervisor Opinion (n. 4/2017), provided with regard to the European Commission proposal for a Directive on certain aspects concerning contracts for the supply of digital content (COM(2015) 634 final). On this occasion the EDPS underlined that personal data are related to a fundamental right and they cannot be considered as a commodity and it defined as «dangerous» the possibility to let people «pay» with their personal data.

The Italian decision goes to a different direction. The judges affirm that Facebook actually capitalizes users’ personal data and make a profit from them. In addition, once a user provides his personal data and successively decides to remove them by a deselecting operation, this causes the loss of some services originally available. According to the Italian judges this circumstance clearly shows how Facebook social services are not for free, but they are a counter-performance to the provision of personal data, for commercial purposes. At the same time is it also clear that, due to their particular legal regime, these data cannot be considered as an actual commodity.

These argumentations lead the Court to consider applicable consumer law and, in particular the one on unfair commercial practices (Directive 2005/29/CE; in Italy this Directive has been transposed in the legislative decree 2005/206, articles 18 and following). In this regard, the judges clarify that there is no contrast between consumer and privacy law (as regulated by the Reg. UE 2016/679), but they provide consumers with a «multilevel» protection, being compatible with each other. This interaction, as many authors had already highlighted, contributes to increase the standard of consumer protection, since it allows to extend the application of certain business-to-consumer remedies to cases where processing of personal data is involved.

In light of these considerations, the Consiglio di Stato claims that a misleading commercial practice was adopted: Facebook represented his service as free, while actually it was not. In fact, as a consequence of this conduct, consumers were unaware that personal data they provided at the time of subscription were used for commercial and remunerational purposes. This circumstance, according to the Italian Court, is likely to materially distort their economic behaviour, falling within the scope of Directive 2005/29/CE.

For these reasons the judges confirm the penalties stated by the Italian independent market Authority (AGCM) to the social networks company, in relation to this practice. This case represents another step in the debate focused on considering personal data as consideration, especially in consumer contracts.  It has become clear that nowadays many business models are based on personal data, and a «data market» exists, as scholars observe. In this context, it would be fundamental the application of consumer law principles and rules to these cases, in order to provide consumers (the weak part) with an actual protection. The first step to be made in order to reach such achievement is the qualification of these operations as contracts where personal data are to be considered the counter-performance.

Prescrição e cláusulas abusivas – A propósito do Acórdão Profi Credit Slovakia

Jurisprudência

No passado mês de abril, um novo acórdão do TJUE[1] forneceu novas luzes sobre a relação entre o Direito de Consumo e o princípio da efetividade. Em particular, o Tribunal abordou o direito dos consumidores a uma ação judicial efetiva aquando da presença de cláusulas contratuais abusivas.

Na origem do reenvio feito está um contrato de crédito ao consumo celebrado em 2011 entre o recorrente e uma agência de crédito, a Profi Credit Slovakia. De acordo com os termos do contrato, a agência podia cobrar encargos como contrapartida da possibilidade dada ao recorrente de obter um adiamento no reembolso do crédito. Por isso, o recorrente não recebeu um montante de 1.500 € – valor do crédito – mas sim um valor residual de 1.132,51 €, embora não fosse certo que o mesmo fosse fazer uso da possibilidade de diferir o pagamento.

A 2 de fevereiro de 2017, após o reembolso integral do crédito, o recorrente foi informado por um jurista que a cláusula em causa tinha um caráter abusivo. Nesse contexto, e a 2 de maio do mesmo ano, o recorrente intenta uma ação com vista à restituição dos encargos que, a seu ver, tinham sido indevidamente cobrados. A contraparte invocou a prescrição do direito atribuído ao consumidor. Na verdade, de acordo com o regime nacional em vigor, a arguição em causa está sujeita a um prazo de prescrição de três anos. Este prazo é objetivo, ou seja, corre mesmo perante o desconhecimento do caráter abusivo da cláusula contratual em causa, por parte do consumidor. Destarte, vigora também um prazo de prescrição objetivo especial de 10 anos para casos em que se demonstre que o mutuante agiu com a intenção de enriquecer indevidamente. Contudo, de acordo com a interpretação dada pelo Supremo Tribunal da República Eslovaca, o ónus da prova do dolo do mutuante recai sobre o consumidor, dificultando, ou mesmo impossibilitando (na opinião do Tribunal de Reenvio), portanto, a aplicação deste prazo mais favorável ao consumidor.

Assim, foram colocadas quatro questões ao Tribunal de Justiça que, em essência, eram sequenciais. Em primeiro lugar, foi perguntado se o artigo 47.º da Carta[2] e o direito atribuído ao consumidor a uma ação judicial efetiva devem ser interpretados no sentido de se oporem a um prazo de prescrição objetivo de três anos. Seguidamente, e apenas se tal prazo for compatível com o artigo 47.º e o princípio da efetividade, foi questionado se esse artigo e esse princípio são compatíveis com uma prática nacional segundo a qual o ónus de prova do dolo do mutuante – necessário à aplicação do prazo de prescrição de 10 anos – recai sobre o consumidor. Caso aqui se concluísse que tal prática é compatível com o Direito da União, então duas questões foram feitas: (i) em relação a que pessoas, entre administradores, sócios ou representantes comerciais, é que o consumidor teria de demonstrar a existência de dolo e (ii) qual o grau de conhecimento necessário para alcançar a demonstração desse dolo.

Começando, portanto, pela primeira questão, e após relembrar que os Estados-Membros estão obrigados a assegurar a efetividade dos direitos conferidos aos particulares pelo Direito da União, em particular os derivados da Diretiva 93/13[3], o TJUE dá quatro notas.

Em primeiro lugar, clarifica que a existência de prazos de prescrição relativos às ações intentadas por consumidores para invocar direitos a si atribuídos pelo Direito da União não é, per se, incompatível com o Direito da União. O que deverá ser assegurado é que tais prazos não tornam impossível, ou excessivamente difícil, a invocação dos direitos em causa.

Em segundo lugar, reitera o que já anteriormente dissera[4], ou seja, que a proteção do consumidor não deverá ser tida como absoluta, sendo a criação de prazos razoáveis de recurso sob pena de prescrição, por razões de segurança jurídica, algo compatível com o Direito da União.

Em terceiro lugar, e no que respeita à duração do prazo em causa, o Tribunal relembrou que “desde que esse lapso de tempo seja estabelecido e conhecido antecipadamente, um prazo de tal duração afigura‑se, em princípio, suficiente para permitir ao consumidor em causa preparar e interpor um recurso efetivo, pelo que essa duração não é, em si mesma, incompatível com o princípio da efetividade”[5].

Por último, o Tribunal chama à atenção para a exequibilidade prática de o consumidor invocar o direito que lhe é conferido, no prazo referido. Assim, relembra a posição de inferioridade dos consumidores face aos profissionais, a possibilidade de aqueles não terem uma total perceção dos direitos que lhes são conferidos pelo Direito da União e de, em contratos de execução duradoura como o do caso em apreço, se poder dar a prescrição antes do termo do contrato em causa. Nesse sentido, conclui que as regras nacionais relativas à prescrição objetiva no prazo de três anos a contar do enriquecimento indevido podem tornar excessivamente difícil o exercício dos direitos do consumidor, infringindo, portanto, o princípio da efetividade.

Como nota lateral final, conclui igualmente que o eventual dolo de um profissional em situações como estas não deverá ser tido como pertinente para os direitos conferidos pela Diretiva 93/13 e para o artigo 10.º-2 da Diretiva 2008/48[6]. Nesse sentido, não pode um consumidor ser obrigado a provar o caráter doloso da prática adotada pelo profissional no sentido de alargar o prazo de prescrição a que está adstrito o seu direito.

Assim, sendo esta a resposta à primeira questão, não houve necessidade de avançar para as restantes.


[1] Acórdão de 22 de abril de 2021, Profi Credit Slovakia, C-485/19.

[2] Referente ao Direito à ação e a um tribunal imparcial, o artigo 47.ºda Carta, afirma que “Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal”, pelo que “Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.“

[3] Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores

[4] Acórdão de 9 de julho de 2020, Raiffeisen Bank e BRD Groupe Société Générale, C‑698/18 e C‑699/18, para.  56; Acórdão de 16 de julho de 2020, Caixabank e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, C‑224/19 e C‑259/19, para. 82.

[5] Para. 59.

[6] A Directiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores, no seu artigo 10.º(2) menciona os elementos que um contrato de crédito aos consumidores deve especificar.