As proteínas alternativas são uma das apostas mais recentes do setor alimentar em termos de inovação. Nesta categoria enquadra-se um leque bastante amplo e diversificado de alimentos, desde os produtos plant-based (ou seja, à base de proteínas vegetais) e as algas até aos insetos e a carne cultivada.
No entanto, a característica comum a todos esses produtos é o facto de proporcionarem proteínas de qualidade para a nossa alimentação, sendo, à partida, mais sustentáveis. É por isso que estes produtos são apresentados como substitutos ou alternativas às fontes tradicionais de proteínas na nossa dieta, ou seja, carne, leite e seus derivados.
Na União Europeia (UE), o enquadramento jurídico das proteínas alternativas e, em especial, das suas denominações de venda apresenta vários desafios legais para empresas e consumidores.
Algumas destas inovações – como é o caso dos insetos e da carne cultivada – são considerados novos alimentos ao abrigo da legislação europeia (Regulamento (UE) 2015/2283). Isso implica que estes produtos necessitam de autorização prévia antes de poderem ser comercializados. A decisão de autorização poderá vir também a estabelecer requisitos de rotulagem em prol do consumidor final. Assim, no caso dos insetos, a espécie usada deverá ser indicada na rotulagem dos produtos, para além do aviso de que o seu consumo pode induzir reações alérgicas nos consumidores que sofrem de alergias a crustáceos e ácaros do pó.
No entanto, o caso da carne cultivada apresenta-se como mais complexo.
Esta inovação é o resultado de uma prática assente na reprodução de células animais em laboratório, eliminando o sacrifício do animal e muitos dos inputs agrícolas tradicionais. Daí as suas designações mais comuns de ‘carne in vitro’, ‘carne de laboratório’, ‘carne celular’ ou até ‘carne sintética’.
Embora a carne cultivada ainda não tenha sido objeto de autorizações a nível europeu, o seu potencial disruptivo preocupa bastante determinados círculos políticos, ao ponto de alguns governos europeus estarem a considerar projetos de lei para proibir a sua produção e comercialização.
De qualquer das formas, no que diz respeito à rotulagem, serão as empresas que requerem a autorização da carne cultivada a ter de formular propostas para a sua designação no mercado.
Deste modo, é expectável que os requerentes optem por evitar designações que possam provocar a rejeição do produto pelos consumidores. Por exemplo, o termo ‘carne sintética’ alude a algo que não existe na natureza e que alguns consumidores poderiam até (erroneamente) crer ser o resultado de uma modificação genética. Por estas razões, tal designação apresenta muitos riscos em termos de marketing. Por outro lado, daqui a uns anos, com o scale up da produção da carne cultivada em estabelecimentos industriais, os termos ‘carne in vitro’ ou ‘carne de laboratório’ deixarão de fazer sentido.
Portanto, à luz destas razões, é legítimo concluir que ‘carne’ tout court será umas das opções para a designação da carne cultivada no mercado em que a indústria irá apostar.
No entanto, a legislação europeia em matéria de rotulagem e publicidade dos alimentos (Regulamento (UE) n.º 1169/2011) estabelece o princípio geral segundo o qual o consumidor deve ser informado acerca do processo que o alimento sofreu (ex. congelação, liofilização etc.).
Posto isto, parece-me que também no caso da carne cultivada será necessário deixar claro que o produto resulta de um processo tecnológico inovador. De outra forma, como é que o consumidor poderá distinguir essa inovação da carne convencional e exercer o seu direito de escolha? A este respeito, é também útil olhar para a experiência de outras jurisdições. Assim, nos Estados Unidos, onde algumas empresas já obtiveram a autorização para a comercialização da carne cultivada, exigiu-se o uso de denominações de venda bastante específicas, do género ‘cell-cultivated chicken’.
Relativamente aos produtos plant-based, estes apresentam igualmente problemáticas próprias no que toca às suas denominações de venda.
Atualmente, a legislação europeia (Regulamento (CE) n.º 1308/2013) reserva o uso de termos como ‘leite’, ‘queijo’ ou ‘manteiga’ apenas para os produtos lácteos, salvo algumas exceções taxativas (como ‘leite de coco’ ou ‘manteiga de amendoim’ conforme previsto pela Decisão 2010/791/CE). Que essa legislação tenha de ser interpretada no sentido que uma bebida à base de soja não pode ser comercializada como ‘leite de soja’ foi confirmado já há alguns anos pelo próprio Tribunal de Justiça da UE (TJUE), no acórdão TofuTown.
Mesmo assim, a questão das denominações de venda dos alimentos plant-based continua a ter relevância para as alternativas aos produtos cárneos e da pesca. Efetivamente, para estes produtos, o legislador da UE não estabeleceu uma lista de termos reservados como fez para o leite e derivados, resultando, no entanto, difícil de compreender as razões subjacentes a esta diferença de tratamento.
Face à ausência de harmonização europeia sobre esta matéria, França introduziu recentemente disposições nacionais para regulamentar o uso dos meaty names (Décret n° 2022-947 du 29 juin 2022 relatif à l’utilisation de certaines dénominations employées pour désigner des denrées comportant des protéines végétales). Outros países europeus estão neste momento a ponderar a adoção de leis com o mesmo intuito, pondo assim em grave risco a unidade do mercado comunitário.
No entanto, o TJUE terá oportunidade de se pronunciar sobre esta questão em breve, no procedimento prejudicial C-438/23 Protéines France. Neste caso, que tem precisamente como pano de fundo a legislação francesa referida acima, o TJUE foi questionado se, ao abrigo do direito europeu, os Estados membros da UE têm efetivamente competência legislativa para regulamentar esta matéria. Em suma, no que diz respeito às denominações de venda das proteínas alternativas, a complexidade do quadro legal europeu é patente. Uma vez que estas inovações vieram para ficar, seria oportuno que o legislador europeu trabalhasse no sentido de assegurar maior coerência e segurança jurídica no que lhes diz respeito, descartando firmemente soluções puramente nacionais. É só desta forma que se pode garantir o mesmo nível de proteção dos consumidores e de condições de concorrência no espaço europeu