No passado dia 22 de março, foi divulgada a Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à fundamentação e comunicação de alegações ambientais explícitas (Green Claims Directive). Esta Proposta surge no seguimento da Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera as Diretivas 2005/29/CE e 2011/83/UE no que diz respeito à capacitação dos consumidores para a transição ecológica através de uma melhor proteção contra práticas desleais e de melhor informação, visando adensar o regime legal e complementar as propostas de alteração à Diretiva relativa às práticas comerciais desleais. Além da Green Claims Directive, também no passado dia 22 de março foi divulgada a Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho sobre as regras comuns para a promoção da reparação de bens e que propõe alterar o Regulamento n.º 2017/2394 e as Diretivas 2019/771 e 2020/1828.
O mote da sustentabilidade no consumo já tinha sido dado em 2019, um ano mais longínquo do que há 4 anos atrás, com o Pacto Ecológico Europeu. A perspetiva de que o consumidor é também ele uma parte ativa na causa ambiental conheceu oficialmente a luz do dia há já quase meia década. Muitos anos depois, no final de 2020, com a Nova Agenda do Consumidor, a intenção de combate ao greenwashing ficou mais clara, sobretudo após ser detetada a proliferação do fenómeno. Greenwashing, para todos os efeitos, será a prática que consiste em maquilhar uma empresa ou um bem, apresentando-a/o como benigna/o ambientalmente (sustentável, portanto), sendo que essas características não têm correspondência de facto, visando atrair mais consumidores, sobretudo os interessados nessas características. Este é sem dúvida o momento para a discussão destas matérias, com uma União Europeia cada vez mais comprometida com o direito do consumo e suas ligações extraprivatísticas, mais uma vez se verificando o empenho da UE em regular para o seu tempo e no sentido das causas dos europeus.
A Proposta que esta semana veio a público representa uma tentativa de legislar o fenómeno do greenwashing, que já vem sendo bem conhecido como prática habitual junto dos consumidores. O setor empresarial foi expedito no ajustamento às intenções de consumo mais sustentável por parte dos consumidores nos últimos anos, prezando por alegações ambientais ou de sustentabilidade social mesmo quando (i) tais referências eram esvaziadas de conteúdo; (ii) tais referências eram absolutamente falsas; (iii) tais referências, sendo verdadeiras, dissimulavam práticas não sustentáveis.
Um estudo da Comissão que analisou 150 alegações ambientais, em vários produtos, verificou que 53,3% dessas alegações eram vagas, enganosas ou infundadas, 40% não tinham qualquer fundamento factual e 50% da rotulagem verde não era objeto de verificação (ou, sendo, era fraca). Os próprios consumidores apresentam desconfiança em relação a estas alegações ambientais, em geral. Se, por um lado, esse ceticismo é demonstrativo da maior atenção dos consumidores em relação à atuação do profissional, por outro prejudica claramente a sua disponibilidade de escuta de alegações fidedignas, fazendo com que o consumidor, muitas vezes, ao duvidar da alegação, fique paradoxalmente desinformado.
Neste sentido, a Proposta de Diretiva relativa à capacitação dos consumidores para a transição ecológica já apresentara, em 2022, algumas medidas legislativas tendentes à superação do greenwashing. Especificamente no que ao diploma das práticas comerciais desleais diz respeito, são de destacar as seguintes propostas de alteração:
(i) Alargamento da lista das ações consideradas enganosas, estabelecidas no artigo 6.º, n.º 1 da Diretiva 2005/29/CE, visando incluir os conceitos de “impacto ambiental ou social”, “durabilidade” e “reparabilidade”;
(ii) Alteração do artigo 6.º, n.º 2 da mesma Diretiva, no sentido de se poder considerar enganosa, no seu contexto factual, a apresentação de uma alegação ambiental que não assente em compromissos e metas claras, objetivas e verificáveis, nem um sistema de controlo independente;
(iii) Aditamento de novas práticas comerciais que devem ser consideradas desleais em qualquer circunstância (artigo 5.º, n.º 5 da Diretiva e Anexo I), nomeadamente:
– Exibição de um rótulo de sustentabilidade que não se baseia num sistema de certificação ou que se baseia num sistema de certificação que não foi criado por autoridades públicas;
– Fazer uma alegação ambiental genérica para a qual o profissional não consegue demonstrar um desempenho ambiental reconhecido e relevante para a alegação;
– Fazer uma alegação ambiental sobre o bem na sua totalidade quando se refere apenas a uma determinada parte desse bem;
– Apresentar como característica distintiva do bem requisitos impostos por lei a todos os bens no mercado da União.
Na mais recente Proposta (Green Claims Directive), é reforçada a intenção de prevenção de manobras de greenwashing, regulando a forma como as empresas fundamentam e comunicam as suas alegações sustentáveis. No artigo 3.º, é proposto o estabelecimento de requisitos específicos quanto aos contornos de fundamentação das alegações ambientais que o profissional faça. Com particular interesse para o consumidor, no artigo 5.º são propostos os moldes de comunicação das alegações ambientais, nomeadamente, entre muitos outros, a inclusão da informação acerca de como o consumidor deve utilizar o bem de forma a obter o desempenho ambiental esperado e alegado (n.º 3). Estes moldes de comunicação são bastante alargados, provavelmente demasiado. Por outro lado, a Proposta vem também procurar regular as alegações ambientais comparativas, estabelecendo igualmente a forma como estas devem ser comunicadas ao consumidor. Além disso, como não poderia deixar de ser, a Proposta vem apresentar os requisitos que devem ser respeitados para que o profissional possa utilizar um determinado sistema de certificação ambiental. Muito interessante notar que um desses requisitos se prende com a existência de um sistema de reclamações e de resolução de litígios para questões relacionadas com a rotulagem/certificação. Não é menos interessante que a Proposta pareça sugerir que se encete o caminho para a diminuição da proliferação de sistemas de certificação, o que se compreende, considerando os já 230 rótulos disponíveis na UE.
Todas estas propostas são passíveis de contribuir para a promoção de consumidores mais informados e para o desincentivo à implementação de práticas de greenwashing pelo setor empresarial, como é evidente. No entanto, não é tão claro que o resultado da implementação de todas estas propostas venha a refletir-se em consumidores melhor informados, sobretudo se atentarmos na imensa quantidade de informação que deve ser comunicada ao consumidor (também) neste potencial diploma legislativo. Além disso, importa precisar que o caminho atual não se basta com uma estratégia de regulação a estrear do fenómeno. Na verdade, agora, importa justamente também implementar estratégias que devolvam a confiança e a certeza aos consumidores.
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