Covid-19 e venda de bens de consumo

Legislação

A propósito do Decreto-Lei n.º 24-A/2020, de 29 de maio, que aditou o artigo 18.º-A ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020

Os nossos leitores já teriam certamente estranhado a circunstância de, em quase dois meses de legislação em torno da Covid-19, ainda não ter sido aprovada qualquer norma sobre venda de bens de consumo.

Aí está ela, no contexto da décima terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março.

O novo artigo 18.º-A, que tem como epígrafe “prorrogação dos prazos para exercício de direitos do consumidor”, estabelece que “os prazos para o exercício de direitos previstos no artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, na sua redação atual, cujo término se tenha verificado entre os dias 18 de março de 2020 e 31 de maio de 2020, são prorrogados até 30 de junho de 2020”.

Esta medida reforça de forma clara os direitos dos consumidores, tendo como objetivo dar resposta à impossibilidade ou dificuldade de contacto com o profissional durante o período da crise pandémica, quer pelo eventual encerramento de estabelecimentos comerciais quer pela necessidade de confinamento do consumidor.

O artigo 5.º-A-1 do Decreto-Lei n.º 67/2003 estabelece prazos (i) para a denúncia da falta de conformidade (dois meses ou um ano a contar da deteção da falta de conformidade, consoante se trate de um bem móvel ou imóvel, respetivamente) e (ii) para a caducidade da ação (dois ou três anos a contar da data da denúncia, consoante se trate de um bem móvel ou imóvel, respetivamente).

A prorrogação prevista no artigo 18.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 implica que, se o prazo para a denúncia, por exemplo, tiver terminado no dia 19 de abril (por ter sido detetada a falta de conformidade no bem móvel no dia 19 de fevereiro), a denúncia ainda poderá ser feita até ao dia 30 de junho. Do mesmo modo, se o prazo para propor a ação terminasse no dia 19 de abril (por a denúncia ter sido feita nesse mesmo dia em 2018), prolonga-se até ao dia 30 de junho.

E se o período da garantia legal de conformidade, que não é prorrogado por este novo regime, terminar entre os dias 18 de março e 31 de maio sem que o consumidor tenha feito a denúncia? Nos termos do artigo 5.º-A-1 do Decreto-Lei n.º 67/2003, os direitos do consumidor caducariam nessa data, não sendo possível a denúncia em momento posterior. No entanto, deve fazer-se uma interpretação do artigo 18.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 tendo em conta a sua teleologia, permitindo que a denúncia da falta de conformidade seja feita após o termo final do prazo da garantia legal de conformidade, no limite até ao dia 30 de junho.

Salienta-se aqui um problema levantado pelo novo art. 18.º-A. Ao prever-se a prorrogação dos prazos que terminavam entre os dias 18 de março e 31 de maio até ao dia 30 de junho, os prazos que terminavam  depois (entre os dias 1 de junho e 29 de junho) vão terminar efetivamente na data prevista, ou seja mais cedo do que aqueles.

Recorrendo a um exemplo, imaginemos que o consumidor A detetou a falta de conformidade no dia 20 de janeiro, o consumidor B no dia 31 de março e o consumidor C no dia 1 de abril. Os consumidores A e B poderão cumprir o ónus de denúncia até ao dia 30 de junho, enquanto o consumidor C, apesar de ter detetado a falta de conformidade mais tarde, apenas o poderá fazer até ao dia 1 de junho.

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