AR Smartglasses – a próxima dimensão do consumo

Doutrina

A realidade aumentada (Augmented Reality – AR) e a realidade virtual (Virtual Reality – VR) não são novas.

A primeira manifestação mais ampla da AR aparece sob a forma do protótipo de óculos que a Google lança em 2013 e que, em 2014, são disponibilizados ao grande público. Na altura causaram sensação, pensou-se que vinham para ficar, mas não foi o caso. Em 2015, a empresa anunciava que iria parar a venda e que logo se veria. Esse era o tempo dos wearables, tecnologia usável, que os mais abastados, curiosos e/ou adeptos do show-off consumiam e diligentemente transportavam e mostravam nas redes sociais que, embora ainda fraquinhas se as compararmos com a atualidade, já davam para fazer grande furor. Quem, nessa altura, queria usar e ostentar tecnologia tinha de carregar com ela, já que quase tudo vinha à parte. Aos óculos juntavam-se os relógios de fitness, as t-shirts medidoras, os GPS para o carro, os comandos para diversas coisas. Não era prático, mas antigamente, aí pelo início da segunda década do novo milénio, era assim.

A segunda manifestação de AR, mais ampla e socialmente incrível, poderá ter sido a caça ao Pokemon. O jogo foi lançado em julho de 2016 e tornou-se rapidamente um fenómeno viral, num instante enlouquecendo crianças e adultos por todo o mundo. Os jogadores convergiam como zombies para sítios reais, onde estavam bonequinhos virtuais, que pretendiam apanhar. As pessoas corriam em várias direções, saltavam vedações, eram atropelados por carros à frente dos quais se especavam, empurravam-se e lutavam para chegar a locais e saíam de casa à noite, porque parece que havia mais. Tudo isto para apanharem figurinhas virtuais, que não existiam fisicamente, mas eram vistos através de AR no espaço físico. Depois acabou, quase tão depressa como tinha começado. Um ano depois, a caça tinha perdido o interesse.   

Uma das grandes diferenças do primeiro para o segundo caso, estava no facto de o jogo dos Pokemons se fazer através do telemóvel, já bastante smartphone. Isto permitia que, sem a menor dificuldade, se usasse um dispositivo que, por essa altura, já ia sendo um prolongamento da pessoa. Alheio ao sucesso não terá sido também o facto de se tratar de um jogo. O ser humano, racional, ponderado, inteligente, dificilmente resiste a um bom jogo. Daí advém o sucesso da denominada gamification, de que falaremos noutra ocasião. 

Quanto à realidade virtual, nos seus primórdios, implicava o uso de uma espécie de óculos de mergulho e começou por ser usada em parques temáticos, dando-nos a ilusão de que estávamos efetivamente numa pista de corridas, numa montanha russa ou no espaço. Em usos mais profissionais ou culturais permitia, por exemplo, visitar uma casa ainda em projeto do arquiteto, a um monumento ou museu. Era uma espécie de 3D, revista e melhorada.

A distinção entre AR e VR, que podia não ser fácil em algumas situações, torna-se atualmente muito mais difícil, com o caminho para aquilo a que se poderá chamar realidade mista, em que ambas são usadas em simultâneo. Simplificando, podemos dizer que a AR tem a ver com o mundo real e acrescenta-lhe coisas do mundo virtual. Por exemplo, no âmbito do consumo, acontece quando “pegamos” num móvel que vimos online e o “experimentamos” na casa real em que estamos, ou fazemos qualquer outra experiência de “ver como fica” aquilo que queremos comprar. Continuando a simplificar, podemos dizer que a VR tem a ver com o mundo virtual e transporta-nos para cenários que nos parecem reais e com os quais interagimos. Por exemplo, no âmbito do consumo, podemos ser “transportados” para uma loja para ver os objetos que ali se vendem como se fossem reais, ou conduzir um automóvel num simulador que replica a condução como seria na estrada.

Não será difícil aceitar que experiências como estas, só possíveis devido aos avanços da tecnologia, alteram estruturalmente o modo de comprar e põem em causa conceitos basilares do Direito do Consumo.

Um novo passo nesta senda, e noutras, está a ser dado com a massificação, que se prevê próxima, do acesso a AR, VR e ao resultado da mistura de ambas.  

Por um lado, a Google, que como vimos largou os óculos, não largou as lentes e aposta nos smartphones, tanto para a AR, como para a VR. Veja, com os seus próprios olhos, garanto que vale a pena.

Por outro lado, o Facebook, em parceria com a Ray-Ban, criou uns óculos que em pouco se distinguem de normais óculos escuros, mas que têm duas camaras incorporadas, recebem comandos de voz e estão conectados com o smartphone.

São, pois, AR Smartglasses e se usarmos a imaginação para a qual, temos de reconhecer, há cada vez menos espaço de manobra, podemos começar a perspetivar a celebração de um contrato de compra e venda de um bem neste contexto.

Poderá ser algo como: vamos na rua, vemos uma bicicleta presa a um poste (eu sei que já não se usa, toda a gente anda de Gira, mas para este exemplo não serve), dizemos “Hey Facebook, take a picture” (em inglês ou, se como é provável, houver tradução simultânea incorporada, podemos dizer em português e em várias outras centenas de línguas). A foto vai direta para o telefone esperto que procura e encontra à venda bicicletas semelhantes. É-nos facultada informação sobre a loja mais próxima e indicado o caminho no mapa digital. Não nos apetece lá ir, pelo que seguimos a sugestão que, amável e desinteressadamente, nos é apresentada, entretanto, sobre a possibilidade de comprar online e receber em casa. Carregamos, aborrecidos, em vários “Aceito” relativos a diversas coisas que não sabemos quais são, nem nos interessam, nem interessam a ninguém, porque só queremos andar para a frente, o que conseguimos, não sem pelo caminho autorizar e prescindir de muito. Pagamos, eventualmente proferindo “Hey Facebook, paga”, coisa que o smarthphone fará sem dificuldade. Depois a bicicleta é entregue em casa, onde é arrumada, porque não precisávamos dela e porque não sabíamos que a podíamos devolver, o que estava num dos intermináveis clausulados subjacentes a um “Tomei conhecimento” em que também clicámos.

A AR Smartglasses parece poder trazer uma nova dimensão ao consumo. O consumidor vê, à venda ou simplesmente no espaço físico em que se está a movimentar, algo que lhe interessa. Pode com a combinação óculos/smartphone pesquisar imediatamente onde se vende, experimentar como fica, comprar, pagar e receber ou mandar entregar. A compra não se iniciou com o consumidor a dirigir-se a uma loja física ou online, ainda que precedida de publicidade “clássica”, em que já se está a considerar incluída a realizada através de meios digitais. A compra iniciou-se porque o consumidor, que ia simplesmente a existir, viu um bem de que gostou, que poderia nem estar à venda. Como tem consigo a tecnologia que lhe permite adicionar realidade virtual e informação à realidade física (AR) e, eventualmente, até entrar num ambiente digital (VR) em que consegue experimentar o que seria para si ter aquele bem, faz isso. Depois, compra-o, quer dirigindo-se à loja física que lhe é indicada online, quer acedendo instantaneamente à loja online.

Poderíamos ficar por aqui, com esta nova dimensão do consumo, se a tudo isto não estivesse agregado o objetivo de desenvolver um sistema de Inteligência Artificial com atributos muito especiais. Deste tema contamos tratar em próxima publicação. Para já, damos nota de que o Facebook passou ter um novo “Horizon” e a integrar, literalmente, o Meta(universo), como o seu criador, Mark Zukerberg explica neste video “Watch Mark Zuckerberg’s vision for socializing in the Metaverse”, mostrando magistralmente como a vida irreal pode, e vai, ser irresistível. Entretanto, milhares ou milhões de pessoas vão aderir às novas realidades aumentadas, virtuais e mistas, tão divertidas e úteis, vão mostrar como veem o mundo do sítio onde estão os seus olhos biológicos e, se tudo correr de feição, vão comprar ainda mais, quem sabe dizendo aos óculos que façam o favor de clicar “Sim” em todas as quadrículas de aceitação que forem aparecendo. Ou, porque não?, seria tão mais prático, pré-programando essa funcionalidade.  

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