Imaginemos que um consumidor acedeu ao site de uma grande superfície comercial e colocou sucessivamente no carrinho uma mesa e duas cadeiras. No total, pagou € 532. Está indicado no site que a entrega e a montagem são gratuitas no que respeita a encomendas de valor superior a € 500. Esta foi, aliás, uma das razões que levou o consumidor a comprar a mesa e as cadeiras no mesmo estabelecimento.
Três dias depois da compra, o consumidor recebeu um aviso de entrega das cadeiras na sua casa para o dia seguinte. A mesa seria entregue mais tarde.
No dia seguinte, as cadeiras foram entregues, mas o funcionário da transportadora disse que não podia proceder à sua montagem, uma vez que se tratava de duas cadeiras de valor inferior a € 500.
Este argumento do profissional não procede. Por um lado, se é indicado no site que a entrega e a montagem são oferecidas no que respeita a encomendas de valor superior a € 500, o contraente normal destinatário da declaração (v. art. 236.º-1 do Código Civil) entende que a análise não é feita em relação a cada coisa objeto do contrato, mas à globalidade das coisas encomendadas. O objetivo desta prática passa, aliás, por levar o consumidor a encomendar mais bens, ainda que não precise tanto deles, atingindo o valor indicado na promoção. Não é lógico que perca o direito à montagem gratuita por essa razão. Por outro lado, também não é aceitável que o consumidor perca o direito à entrega e à montagem gratuitas por o profissional ter decidido entregar as coisas em separado. Trata-se de uma opção do profissional, que assim tem de se deslocar por duas vezes à morada indicada pelo consumidor, opção essa que não pode ter como consequência a perda de direitos pelo consumidor. O consumidor tem, portanto, neste caso, direito à montagem gratuita das cadeiras.
Um mês depois da entrega das duas cadeiras, o profissional informa o consumidor que o stock de mesas se encontra esgotado e que não consegue indicar um prazo para a sua entrega. Diz ainda o profissional que entrará em contacto assim que a mesa estiver disponível.
O consumidor não quer esperar mais e pretende desvincular-se do contrato, devolvendo as cadeiras e recebendo de volta a totalidade do valor pago. Poderá fazê-lo?
A resposta é afirmativa e o problema resolve-se à luz das regras relativas ao direito de arrependimento, não sendo necessário recorrer aos preceitos que regulam a entrega dos bens (v. art. 9.º-B da Lei de Defesa do Consumidor).
Tratando-se de um contrato celebrado à distância, aplica-se o DL 24/2014. Nos termos do art. 10.º-1, o consumidor tem o direito de se desvincular do contrato, de forma unilateral e imotivada, no prazo de 14 dias. Nos termos do art. 10.º-1-b)-i), o prazo é contado, no caso que estamos a analisar, do “dia em que o consumidor (…) adquir[e] a posse física do último bem, no caso de vários bens encomendados pelo consumidor numa única encomenda e entregues separadamente”. Assim, apesar de as cadeiras já terem sido entregues há mais de um mês, o consumidor pode exercer o direito de arrependimento e desvincular-se do contrato, sendo reembolsado dos € 532 que pagou. Se o profissional não fizer o reembolso no prazo de 14 dias, o valor terá de ser devolvido em dobro (art. 12.º).