O consumidor na nova era da sustentabilidade das embalagens alimentares

Doutrina

A transição para sistemas alimentares mais sustentáveis, que a União Europeia (UE) tem impulsionado desde a adoção do Pacto Ecológico Europeu e da Estratégia do Prado ao Prato, abrange não só os alimentos mas também todos os outros inputs funcionais e necessários à sua produção, distribuição e consumo.

Nestes moldes, o legislador europeu tem progressivamente vindo a reconhecer o impacto negativo que o food packaging e os seus resíduos têm no ambiente e a consequente necessidade de eliminar ou minimizar esse impacto. Este processo legislativo começou nomeadamente com a adoção da Diretiva (UE) 2019/604 – transposta em Portugal através do Decreto-Lei n.º 78/2021 – que impôs restrições de uso de determinados produtos de plástico de utilização única, incluindo recipientes para alimentos e bebidas e copos feitos de poliestireno expandido.

A Comissão Europeia deu seguimento a esta legislação específica publicando, em novembro do ano passado, uma Proposta de regulamento relativo a embalagens e resíduos de embalagens, que se encontra atualmente em fase de discussão a nível europeu. A proposta visa reformar profundamente o quadro jurídico em vigor que regulamenta o fabrico das embalagens, bem como a gestão dos seus resíduos, partindo do pressuposto de que esse quadro é obsoleto (data, de facto, de 1994) e inadequado para garantir a sustentabilidade ambiental do packaging.

Para este efeito, a proposta em causa estabelece um amplo leque de requisitos de sustentabilidade para as embalagens, muitos dos quais têm relevância direta para as embalagens alimentares, como por exemplo:

– Taxas progressivas de incorporação de material reciclado nas garrafas de plástico de utilização única;

– Restrições de uso de determinados formatos (por exemplo, as saquetas de açúcar ou sal que são tipicamente disponibilizadas nos estabelecimentos do canal horeca);

– A obrigação de que as cápsulas de cafés e as saquetas de chá sejam compostáveis.

A proposta de lei europeia coloca também ênfase na necessidade de que as embalagens alimentares sejam reutilizáveis, ou seja, possam desempenhar a mesma função para que foram concebidas múltiplas vezes. Neste sentido, a proposta estabelece metas obrigatórias progressivas de reutilização, em especial para as empresas do setor das bebidas alcoólicas e não alcoólicas.   

Esta nova legislação, portanto, abre uma nova era para as embalagens alimentares: a era da sustentabilidade.

Neste contexto, os consumidores são chamados a desempenhar um papel fundamental, pois são os atores que permitem que, depois da sua utilização, as embalagens alimentares sejam:

– Separadas, recolhidas e encaminhadas para serem subsequentemente tratadas e valorizadas (por exemplo, como material reciclado) da forma mais apropriada; ou

– Reutilizadas quando forem concebidas para esta finalidade.

Posto isso, é essencial que o advento de soluções de food packaging mais sustentáveis seja acompanhado por hábitos de consumo igualmente mais sustentáveis. Algo que só se pode alcançar capacitando os consumidores através de campanhas de sensibilização e da disponibilização da relevante informação ambiental diretamente nas embalagens.

De facto, a rotulagem constitui uma ferramenta particularmente eficaz para ajudar o consumidor a adotar o comportamento mais correto do ponto de vista ambiental na gestão doméstica dos resíduos das embalagens. Para esta matéria específica, a proposta da Comissão Europeia atualmente em discussão pretende assegurar maior harmonização no mercado comunitário, garantindo desta forma o mesmo nível de proteção do ambiente e dos interesses dos consumidores em toda a UE.

Efetivamente, nos últimos anos, vários países europeus introduziram disposições nacionais para a rotulagem ambiental das embalagens.  É o caso de França, onde desde 2022, conforme o artigo L541-9-3 do Code de l’environnement, as embalagens recicláveis devem ostentar um ícone especifico (o logo ‘Triman’) e menções funcionais à sua triagem pós-consumo. Mais recentemente, Itália seguiu o mesmo caminho (Decreto Legislativo 3 settembre 2020 n. 116), enquanto, em Portugal, a rotulagem ambiental das embalagens é atualmente regulamentada através de um sistema voluntário, que tem já bastante expressão no segmento food.

Portanto, neste momento, coexistem no mercado comunitário vários sistemas de rotulagem ambiental das embalagens. Desta forma, a mesma embalagem comercializada em diversos mercados internacionais poderá vir a ostentar, em simultâneo, pictogramas e/ou instruções diferentes para a sua triagem depois da utilização. Aliás, a legislação portuguesa – designadamente o artigo 28.º, n.º. 2, do Decreto-Lei n.º 157-D/2017 (UNILEX) – permite expressamente tal coexistência no mercado nacional no caso das embalagens rotuladas em conformidade com a legislação de outros Estados-membros da UE. No entanto, se não se esclarecer de forma inequívoca que um determinado ícone e/ou menções se referem a um mercado específico, existe o risco concreto de que o consumidor não elimine os resíduos da embalagem como deve fazer.

Que, a nível europeu, o objetivo último seja a definição de um quadro jurídico mais harmonizado para a rotulagem ambiental das embalagens não se infere apenas da proposta legislativa atualmente em discussão.

Em fevereiro deste ano, a Comissão Europeia abriu um procedimento de infração contra a França. Segundo o executivo comunitário, para além de não ter sido previamente notificada em conformidade com a Diretiva (UE) 2015/1535, a legislação francesa em matéria de rotulagem ambiental das embalagens integra uma violação do princípio da livre circulação das mercadorias, exigindo-se tal marcação também no caso das embalagens fabricadas noutros países da UE. Além disso, questiona-se a proporcionalidade da normativa francesa pois, devendo utilizar-se mais material no fabrico das embalagens para efeito das informações ambientais que têm de figurar no rótulo, vai consequentemente aumentar a quantidade de resíduos dessas embalagens.

O novo sistema de rotulagem ambiental europeu para as embalagens (alimentares e não) e para os respetivos ecopontos deverá aplicar-se a partir de 2028. Resta-nos ver, no entanto, se esta medida será suficiente para sensibilizar os consumidores a efetuar a triagem dos resíduos das embalagens na sua própria casa tal como indicado na rotulagem. As disposições legais e os esforços da indústria alimentar que visam tornar as embalagens mais sustentáveis serão frustrados caso os padrões de consumo não evoluam no mesmo sentido.