A Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de julho – LDC) completa esta semana 25 anos, tendo substituído a primeira LDC em Portugal (Lei n.º 29/81, de 22 de agosto).
Trata-se de uma lei essencialmente programática, uma lei-quadro do consumo e da defesa do consumidor em Portugal. A aplicação prática foi relativamente reduzida ao longo destes últimos 25 anos.
A Lei 24/96 foi retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/96, de 13 de novembro (na qual foi acrescentada uma vírgula), e alterada pela Lei n.º 85/98, de 16 de dezembro (cooperativas), pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril (venda de bens de consumo), pelas Leis n.os 10/2013, de 28 de janeiro (consequências do não pagamento), 47/2014, de 28 de julho (transposição da Diretiva 2011/83/EU), e 63/2019, de 16 de agosto (arbitragem necessária), e pelo Decreto-Lei n.º 59/2021, de 14 de julho (linhas telefónicas de contacto).
Podemos identificar quatro fases diferentes no que respeita à relevância prática do diploma, as quais revelam também grandes oscilações.
Na primeira fase (de 1996 a 2003), destaca-se o facto de a LDC regular a matéria das garantias (arts. 4.º e 12.º), com uma aplicação prática significativa. No essencial, estava previsto que os bens beneficiavam de uma garantia legal de bom estado e de bom funcionamento de um ano (bens móveis) ou de cinco anos (bens imóveis), dispondo o consumidor de quatro direitos em caso de defeito (reparação, substituição, redução do preço, resolução do contrato).
Numa segunda fase (de 2003 a 2014), iniciada com o DL 67/2003, que regula a venda de bens de consumo, a matéria da garantia legal passou a ser tratada autonomamente. Com a eliminação das normas relativas a este tema, constantes até então dos arts. 4.º e 12.º, a LDC perdeu parte da sua relevância, tendo-se assistido a uma década de adormecimento do diploma.
A terceira fase (de 2014 a 2021) é uma fase em que a LDC volta a ganhar relevância prática. A Lei 47/2014 veio transpor para a LDC as normas da Diretiva 2011/83/UE, relativa aos direitos dos consumidores, que regulam os contratos de consumo em geral. As normas relativas aos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento foram transpostas para o DL 24/2014, mas as normas gerais foram integradas, solução que aplaudimos, na LDC. Além da alteração profunda do art. 8.º (dever de informação), foram aditados os arts. 9.º-A (pagamentos adicionais), 9.º-B (entrega dos bens), 9.º-C (transferência do risco) e 9.º-D (serviços de promoção, informação ou contacto do consumidor). Ficou a faltar, na minha perspetiva, como já indicado aqui, a previsão de normas sancionatórias, nomeadamente contraordenacionais, para garantir um cumprimento efetivo do regime. A inclusão na LDC de matérias resultantes da transposição de diretivas europeias, a principal fonte do direito do consumo nos Estados-Membros da União Europeia, deu uma relevância acrescida à LDC.
Nesta terceira fase, destaca-se ainda a inclusão, no art. 14.º, pela Lei 63/2019, de uma norma que atribui ao consumidor o direito potestativo de iniciar a arbitragem num centro de arbitragem de consumo, caso o litígio tenha um valor inferior ou igual a € 5000. Esta norma tem uma relevância significativa em matéria de resolução de litígios de consumo. A opção de incluir a norma na LDC parece-me correta.
Estamos neste momento a iniciar uma quarta fase, em que prevejo um novo esvaziamento da LDC, por via da proliferação de outros diplomas, o que faz com que aquela perca centralidade. O primeiro sinal vem do DL 59/2021, já aqui analisado. O diploma aprova o regime aplicável à disponibilização e divulgação de linhas telefónicas para contacto do consumidor, revogando o art. 9.º-D da LDC. Também o Projeto de Decreto-Lei que regula os direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e serviços digitais, transpondo para o direito interno as Diretivas 2019/770 e 2019/771, respetivamente sobre compra e venda e fornecimento de conteúdos e serviços digitais, disponível aqui, prevê a revogação dos arts. 9.º-B e 9.º-C da LDC. Veremos também o que se prevê no que respeita à transposição da Diretiva 2019/2161, que implicará necessariamente a introdução de alterações ao art. 8.º da LDC.
No sentido do reforço do papel da LDC, refere-se aqui o Projeto de Lei 915/XIV/2, que deu esta semana entrada na Assembleia da República, da autoria da deputada não inscrita Cristina Rodrigues. Está em causa uma alteração à LDC, consagrando-se o direito à proteção ambiental e ao consumo sustentável. Este direito encontra-se desenvolvido no (novo e proposto) art. 8.º-A. Veremos se o diploma terá sequência. É interessante notar que, na discussão na generalidade da proposta de Lei n.º 17/VII, que deu origem à LDC, em abril de 1996, o PEV, através da deputada Heloísa Apolónia, colocou uma questão sobre a promoção do consumo ecológico no diploma então em discussão. A Ministra do Ambiente, Elisa Ferreira, respondeu que se tratava de uma matéria de educação de consumidores, não sendo a LDC a sede adequada para a regular. Vinte e cinco anos depois, com a ligação entre consumo e sustentabilidade na ordem do dia, todas as sedes serão certamente adequadas para o tratamento do tema. Num comentário geral, lamento que não tenha sido possível, até ao momento, aprovar uma LDC com um objeto mais amplo, incluindo as principais matérias de Direito do Consumo. Talvez não um Código do Consumo, mas uma LDC alargada, à semelhança da realidade espanhola, que centralize as normas de Direito do Consumo. Não desejo, portanto, à LDC mais 25 anos de vida, esperando que seja possível, a curto ou a médio prazo, a aprovação de um novo diploma, que seja o diploma de referência neste âmbito.