A Web Summit no presente do futuro do consumo

Doutrina

Estamos no day after da Web Summit que, como a maioria das pessoas em Portugal sabe, aconteceu em Lisboa, de terça a sexta. Neste fim de semana, na próxima semana e, se tudo correr bem, nos próximos meses, os contactos entre quem se encontrou por ali vão dar frutos contribuindo, entre outras coisas, para alterar as relações entre profissionais e consumidores, o modo como se consome e para trazer novos desafios ao Direito que tem de conseguir enquadrar e dar solução aos desenvolvimentos que os mercados vão impondo.

A Web Summit, já em pré-registo para 2023, fechou a 4 de novembro, com o Presidente da nossa República a cumprimentar Paddy Cosgrave, o CEO da organização, com um carinho que lhe pode ter deslocado um ombro e a anunciar-lhe que a feira vai ficar em Portugal até 2028, como está combinado, mas também depois, como espera que se irá combinar, com a promessa de aumento de construção do espaço, feita pelo mayor anterior, agora Ministro das Finanças, a dever ser cumprida pelo mayor atual, de nome Moedas, sob a atenta vigilância do PR, que do palco o avisou. Paddy, a tentar recuperar o equilíbrio do aperto de mão de entrada, do rombo que a pandemia fez nas suas finanças e do facto de ter de encaixar o evento numa área que afinal ainda não cresceu, não disse que sim, nem que não.

Para quem por lá andou é muito evidente que o espaço se torna exíguo para este retorno pleno ao presencial. Estiveram mais de 70.000 participantes de cerca de 160 países e o maior número de sempre de startups e investidores. Incluindo o Altice Arena, quatro pavilhões de consideráveis dimensões a que foi possível acrescentar um quinto improvisado, uns food trucks e mais umas barracas e estruturas amovíveis, ou não fosse uma feira, ainda assim a simples circulação é difícil, implicando uma permanente gincana, no perpetuo movimento que é necessário entre a visita às empresas, às mais de dez salas e palcos de Conferências e de apresentações que estiveram sempre a abarrotar e as reuniões entre os participantes. Ser o ponto de encontro é o mantra da Web Summit: “Where the tech world meets”.

A efervescência impera e, saudavelmente, são mais as perguntas que as respostas. Impera, também, a investigação. Toda a gente está a fazer investigação. Ligada a Universidades, a empresas, a ambas, a consórcios, a grupos de várias naturezas, investigar, desenvolver, experimentar, falhar, voltar a tentar é o dia a dia de quase todos. Qual vai ser o resultado é o que menos importa, porque é pelo caminho que vai acontecendo o que é relevante. Vive-se um ambiente de dúvida, mas metódica e criadora.

Se há uma certeza, é a de que é tudo muito rápido, sempre mais rápido, por várias razões. A principal, provavelmente, é o facto de que a par do desenvolvimento autónomo de tecnologias diferenciadas, se vai dando a interligação entre elas, o que provoca saltos, muitas vezes inesperados e intensos. É o que está a acontecer, por exemplo, com o denominado metaverso. A big data e a inteligência artificial aliadas à realidade virtual e aumentada, que foi caminhando para a denominada realidade mista, estão a levar a indústria e o comércio a novos modelos de negócio, alterando-se a relação entre profissionais e consumidores e a maneira como estes atuam no(s) mercado(s). Este assunto foi já abordado neste blog, a propósito dos smartglasses. A conjugação daquelas tecnologias, com as potencialidades da blockchain, o aumento da capacidade de computação e a imaginação, estão na base do enorme desenvolvimento daquilo a que se vem apresentando como o metaverso. Do que vimos, os mundos “alternativos”, virtuais, mistos, em que a realidade física se mistura com a realidade virtual, têm tudo para se tornarem incontornáveis. Saíram, definitivamente, do campo restrito dos jogos, para entrarem no do trabalho, da produção, da venda de bens e produtos, físicos e virtuais.

Naomi Gleit, responsável de produto da Meta (que veio a incluir o Facebook, o Instagram, o Whatsapp e mais uma série de outras empresas e/ou marcas), será provavelmente uma das pessoas mais habilitadas a explicar e no palco principal da Web Summit, fê-lo da melhor forma possível: com toda a simplicidade. Disse que o metaverso é o futuro da internet, que vamos experienciar a três dimensões. É isto. O metaverso é, pois, a internet a três dimensões. A gestora afirmou ainda, entre várias outras coisas muito interessantes, que “A Meta não vai ser dona do metaverso”, como nenhuma empresa é dona da internet e que o metaverso vai acontecer, com ou sem a Meta. Vão existir vários players no mercado a fornecer as plataformas e os serviços para que todos possam vir a usar.  

O tema das realidades virtual e aumentada, na internet, não é nada novo. Por certo que muitos se lembram do Second Life que, lançado em 2003, já tinha avatares e permitia uma vida paralela num mundo virtual. E, desde há vários anos que jogadores passam grande parte do seu tempo dentro de mundos virtuais em jogos crescentemente complexos e com ambientes próximos da “realidade real”. Também a experiência de óculos como os da Google, do Facebook ou outros é relativamente comum. Já para não falar do fenómeno incrível que dominou o verão de 2016 quando o mundo se lançou numa insana caça aos Pokemons, descarregando a aplicação para smartphone do jogo que ganhou 25 milhões de utilizadores no mês de lançamento. Nas suas casas e nas ruas, parques, campos e cidades pelo mundo fora, as pessoas corriam, de telefone em punho, em direção de desenhos animados virtuais, que através do telemóvel apareciam no mundo físico. Depois passou. No entanto, de um modo bastante corrente, estas tecnologias foram ficando, tornando-se quase banais. Muitos de nós usam, sem grandes reflexões prévias, aplicações de telemóvel para experimentar, online, roupa, ou como é que um móvel ficaria na sua sala, ou algo de semelhante. Isto é, seja em jogos, seja comercialmente, estas tecnologias vão estando incluídas no cardápio do cidadão comum que as usa porque é divertido e prático, sem pensar muito, nem antes, nem depois

O tema ainda será relativamente de nicho, mas do que foi possível observar, dir-se-ia que vai haver uma explosão de metaverso, muito rapidamente. Se vai ser um hype, ou se virá para ficar e dominar, é o que se verá. Por vezes há temas em grande ascensão que, de repente, estagnam. Foi o que aconteceu, por exemplo, com os veículos autónomos e com os robots “humanoides”, quem sabe se por evidenciarem demasiado a possibilidade de a humanidade ser ultrapassada por máquinas.

A humanidade não gosta de pensar nessas coisas e, talvez por isso e por não ser o melhor para o negócio, terá havido várias pressões para que fosse desconvidado o linguista, cientista cognitivo e filósofo Noam Chomsky que, juntamente com Gary Markus, da Universidade de Nova York foram “Desmascarar a grande mentira da Inteligência Artificial” (Debunking the great AI lie), no último painel da Web Summit, numa Altice Arena a rebentar pelas costuras. O foco foi nas habilidades do GPT-3 e de outros sistemas semelhantes de processamento de linguagem natural (NLP) que, laboriosamente, colocam palavras a seguir a palavras, naturalmente não percebendo patavina do que fazem, pelo menos do ponto de vista do que é a construção e a compreensão humana da linguagem. Quando uma pessoa diz ou escreve “Este quadro de Picasso é bonito” estará a equacionar o conceito de beleza, objetivo e subjetivo, a comparar a obra com outras que conheça do autor, com a de outros autores, com a realidade que representa e a pensar em mais uma infinidade de coisas que contribuem para o juízo que profere. Quando o GPT-3 diz ou escreve a mesma frase, está a contabilizar as vezes que foi dita e escrita a propósito do quadro em causa e a calcular, com base na quantidade descomunal de informação a que acede e que consegue processar, qual a melhor sucessão de palavras que pode apresentar no contexto em que é solicitado. O que pode dar sarilho.

São, pois, de grande pertinência as advertências em relação à Inteligência Artificial, principalmente quando foram feitas atempadamente, há décadas.

Com a convergência de tecnologias, o aumento da informação, da capacidade de computação e das habilidades da inteligência artificial, a caminho do metaverso, riscos e benefícios sobem de escala.

A proteção dos consumidores, vamos ver como se fará, mas poder-se-á admitir como provável a existência de novos elencos de informação, que o avatar do consumidor, como o próprio, aceitará. 

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